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Tecnologia

Entenda Como o Caracol Mais Mortal do Mundo Mata

O que um caracol assassino tem a ver com diabéticos.
O caramujo assassino percebeu como transformar injeções de insulina em sentenças de morte. Crédito: ​Wikimedia

​Injeções de insulina salvam incontáveis vidas, mas caramujos assassinos também sabem de um segredo que, até então, imaginávamos que só os humanos sabiam: elas também podem matar.

O caracol-do-cone comum pode parecer um penduricalho bonitinho, mas a maioria destes caçadores de peixes produz um arsenal de mais de 200 venenos fatais. E não só fatais para peixes – estes caracóis já mataram ​dezenas de pessoas acidentalmente.

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Agora, o mais nefasto caracol da natureza nos mostrou que a insulina, até então a proteína benigna do metabolismo de energia, também pode ser usada para fins predatórios. ​Em um novo estudo publicado no Proceedings of National Academy of Sciences, cientistas descobriram que certas espécies de Conus – as mesmas criaturas que nos fornecem uma neurotoxina similar a opioides ​cem vezes mais fortes que a morfina – atiram insulina em peixes. Enquanto alguns humanos diabéticos administram pequenas doses de insulina para regular os níveis de açúcar em seu sangue, estas bestas venenosas tem um objetivo mais violento: fazer com que enormes cardumes de peixe sofram uma baixa nos níveis de açúcar.

"Este é um belíssimo exemplo de esperteza evolutiva", disse a principal autora da pesquisa, Helena Safavi-Hemami, professora adjunta de pesquisa da Universidade de Utah, via e-mail.

Em termos de predadores, os caramujos-do-cone passam sua vida saracoteando em recifes de corais e no leito marinho de mares tropicais mais rasos, não parecem lá muito perigosos. O que falta de velocidade e tamanho nestes inócuos moluscos é compensado pelas literais centenas de venenos que comportam, que cada espécie usa para criar sua própria infusão da morte característica. Nesse estudo, os pesquisadores estavam interessados em uma espécie em particular, Conus geographus, que usa sua espécie de boca esticável como o tambor de uma arma, atirando uma mistura venenosa que imobiliza peixes. A falsa boca do caramujo então avança e estica-se horrendamente até engolir sua vítima paralisada.

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Um incrível vídeo de um caramujo-do-cone engolindo um peixe, após atacá-lo com veneno.

Tentando compreender como o caramujo paralisa cardumes inteiros de uma só vez, os pesquisadores vasculharam as sequências de genes de proteínas expressadas nas glândulas venenosas dos animais. Duas sequências apresentaram similaridades enormes com o hormônio insulina, produzido por seres humanos e outros vertebrados para regular o metabolismo de energia. A análise química confirmou que a insulina estava presente em abundância nas glândulas destes caramujos, em uma forma quase perfeitamente idêntica à fabricada no organismo de suas presas – esperteza evolutiva mesmo. As descobertas convenceram os pesquisadores de que o Conus geographus utiliza a insulina como arma.

O panorama da guerra venenosa é complexo e diverso. Entre os ​venenos produzidos pelas cobras, por exemplo, temos citotoxinas que rompem células, cardiotoxinas que farão seu coração parar, hemotoxinas que ​fazem seu sangue coagular e solidificar e neurotoxinas que produzem dor indescritível ou paralisia completa. A descoberta da insulina enquanto arma, que ataca o metabolismo de energia, amplia nosso conhecimento sobre a criatividade tóxica da natureza.

Ao passo em que os caramujos-do-cone seguem descolando quantidades absurdas de peixes indefesos, os cientistas dão duro para decodificar o arsenal químico dos moluscos na esperança de ​descobrirem novos e promissores medicamentos. As toxinas dos caramujos tem diferentes alvos no sistema nervoso, que podem muito bem ser utilizados para o tratamento de problemas que vão de dores crônicas à epilepsia. Além do analgésico ziconotida (nome comercial Prialt), Safavi-Hamani comenta que há quase uma dúzia de "conotoxinas" sendo utilizadas no desenvolvimento de novos medicamentos. E que é possível existirem milhares mais a serem descobertas.

"Cada uma das 500 espécies de caramujo-do-cone tem um conjunto único de pelo menos 200 toxinas venenosas, o que seriam cem mil medicamentos em potencial", afirmou Safavi-Hamani.

Mas, ei, quem disse que não podemos capitalizar em cima da crueldade da natureza?

Conus geographus, o belo e mortal molusco que transformou a insulina em arma. Crédito: ​Wikimedia

Tradução: Thiago "Índio" Silva