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Games

Entendendo Kim Kardashian: Hollywood

Conversamos com algumas jogadoras para sacar como o app é tão viciante a ponto de movimentar US$ 200 milhões apenas ano passado. É o poder.

Ao observar o estrondoso sucesso que o jogo Kim Kardashian: Hollywood teve, não apenas entre os apps mais baixados do ano passado, mas também como possível jogo que mais conseguiu arrecadar dinheiro em microtransações, fiquei curioso de jogá-lo apesar da leve impressão de que eu já sabia o que iria encontrar. Já em 6 de junho do ano passado (mesmo mês de lançamento do jogo de Kim), alertei sobre como as notificações que os jogos mobile enfiam em nossas telinhas de celular poderiam causar, nos tornando seus tamagochis ao invés de sermos nós que mandamos neles. Foi com essa ideia que baixei o jogo. Depois de ter jogado tantos e tão distintos jogos nessa vida, achei que pudesse supor as principais mecânicas e atrativos do jogo de Kim Kardashian, e em partes eu estava certo. Ao conversar com três garotas que jogam, ou já jogaram, o jogo profundamente, tentei entender quais seus principais apelos e fiquei levemente surpreso, e um pouco incomodado, ao constatar que os jogos que eu gosto, que costumava julgar tão distintos de Kim Kardashian: Hollywood não são tão diferentes assim. É comum entre os true gamers acreditar que estão acima de jogos como Kim Kardashian: Hollywood e outros jogos casuais (de memória consigo lembrar do sucesso de Flappy Bird, Candy Crush e do nosso saudoso Farmville) droga de entrada para muita gente no vicio das microtransações, quando você gasta dinheiro de verdade para ganhar algo dentro do mundo virtual do jogo.

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Esse sou eu posando com Kim Kardashian. Minha intenção que não teve muito sucesso foi introduzir Fabio Lanzoni ao jogo.

Uma preconcepção que eu tive em relação ao jogo foi ligá-lo diretamente ao sucesso do show de reality Keeping Up With The Kardashians, motivo maior (além da sex tape) do sucesso de Kim Kardashian. Duas das pessoas que entrevistei não mostraram tanta intimidade com a imagem de Kim Kardashian na vida real. "Pra falar a verdade eu nem sei direito quem é a Kim Kardashian, agora eu descobri, porque ela casou com o Kanye West e também teve a sex tape" relata Babi, maquiadora, já liberta do vício do jogo depois de três intensos meses checando o celular a cada quarenta minutos. Já Camila, estudante e jogadora até hoje do jogo, foi mais direta quando questionada se gostava de Kim Kardashian em seu programa de televisão. "Não, detesto esses programas." A terceira pessoa com quem conversei, Gabie, ilustradora e viciada no objeto deste estudo, tem certa fascinação pelo universo fútil de Kim Kardashian. Ao ser questionada qual seria o principal atrativo do jogo, ela disse: "acho que a produção no geral. O gráfico das roupas, das cidades, tudo é muito bem planejado para que se pareça muito com o que a Kim representa. Ela é uma personalidade que é fielmente a imagem de tudo o que vende: é bonita, é rica e todo o seu talento é resumido nesses dois atributos". Ao falar sobre o reality show da personalidade resumiu: "já assisti mais. Hoje em dia eu não tenho mais tanto saco pra acompanhar, mas acho divertido. Não gosto da Kim, mas a sigo pra catar as coisas que ela faz como assunto pra piada. Ela é o Narciso pós-moderno, e talvez seja por isso que ela é tão famosa. Ela assume um comportamento que nem todo mundo tem coragem de ter. Viver da própria imagem é fantástico. Por mim ela já é interessante só por conseguir esse tipo de coisa".

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Gabie arrasando com a KimKa.

Foi com a premissa de não precisar conhecer com tanta profundidade este universo que eu também peguei o jogo e o joguei, o quanto eu consegui, durante cerca de três semanas e, bem, achei o jogo chato, mesmo com total noção de que não sou o público alvo dele. Como eu, alguém que não sente nenhuma afinidade natural com Kim Kardashian, pode começar a compreender um mundo que parece tão distinto do meu? Como em qualquer outra área do conhecimento, através da riqueza instrumental da analogia. Dois jogos que eu jogo no meu invocadíssimo Playstation 4 tem aspectos bem parecidos com os apresentados nos jogos casuais, que revelam algumas das formas que os desenvolvedores de joguinhos nos fazem não apenas gastar considerável dinheiro com seus games, mas nos fazem retornar quase que diariamente às suas criações. "Nas sextas-feiras sempre tem uma prova surpresa pra ganhar algum presente; uma roupa ou algum acessório. Por ter roupas custando tão caro no jogo (média de 50 k-stars por peça), ter a chance de ganhar algo dá muita visibilidade." Ao ouvir essa declaração de Gabie, não consegui deixar de ver a semelhança entre essa prova surpresa que aparece às sextas-feiras com a rotação que eu espero toda semana jogando Destiny. Toda terça-feira as missões semanais são renovadas no jogo, dando chances de quem as completar conseguir itens que não conseguiria de outra forma. Assim ambos escravos do ciclo semanal. Eu e Gabie não somos tão diferentes assim em nossos vicios gamemaníacos.

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O outro jogo que estou jogando atualmente é o famoso vencedor de vários prêmios de jogo do ano de 2014, Dragon Age: Inquisition, da especialista em jogos de RPG com múltiplas escolhas morais, BioWare. No jogo principal você vaga pelo mundo de Thedas, resolvendo as mais altas tretas que esse mundo conturbado tem a oferecer. Até aí tudo bem, mas como inserir um modo multiplayer em um jogo tão focado no seu personagem e suas escolhas morais? A solução foi ignorar completamente a história e fazer um modo alternativo de jogo, no qual você entra em calabouços com seus companheiros e apenas desce o cacete em todo mundo que aparece pela frente. É nesse modo de jogo que as microtransações foram inseridas, você pode gastar dinheiro real para comprar baús com tesouros que possibilitam a potência ultra-máxima do seu personagem, ao mesmo tempo que libera novos personagens para você escolher.

Cabe explicar um pouco os três recursos disponíveis no jogo de Kim para entender como eles inseriram as microtransações. Os recursos são: dinheiro, energia e k-stars, representados adequadamente no topo da tela principal. Dinheiro você gasta comprando roupas, se transportando e, tremei, pagando aluguel. Você ganha mais fazendo as mais diversas missões, ensaios fotográficos, trabalhando em lojas, posando de figurante etc. Energia você gasta fazendo qualquer ação (como as citadas acima) que faça você ganhar dinheiro e experiência, você recupera energia automaticamente com o tempo. O último, as preciosas k-stars, você consegue muito raramente fazendo missões ou, pode gastar uma graninha de verdade para acelerar o processo. Com as k-stars inclusive você pode comprar energia para continuar jogando imediatamente, acelerando um processo demorado e aflitivo de simples espera neste mundo imerso na era da ansiedade.

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É através da fome do jogador por k-stars que o jogo insere as microtransações que, segundo várias estimativas, chegaram no ano passado a dar US$ 200 milhões para a empresa por trás do jogo. Se você procurar Kim Kardashian: Hollywood no Google, também encontrará muitas e muitas e muitas indicações de como conseguir tais estrelinhas de maneira ilícita, com programas que prometem te dar um estoque infinito, mas que provavelmente vão é contaminar seu computador e celular com entulho. Também parece que até pouco tempo atrás tinha um jeito de hackear o jogo para encher a sua barrinha de energia, o que devia facilitar em muito o progresso consumista desenfreado da sua ascenção meteórica no universo das celebridades. Essa eterna luta dos desenvolvedores tentando tapar os buracos no código do jogo que podem favorecer os jogadores é bem familiar para mim. Em Destiny também existe um eterno jogo de gato e rato onde a Bungie, desenvolvedora do jogo, conserta um bug que facilita a vida dos jogadores e os jogadores vão lá e encontram outra falha para explorar a jogatina.

Camila, na foto num visual gótica chiq, já está no nível 26.

Assim como muitos jogos online, dos mais variados gêneros, que dependem de uma comunidade ativa de jogadores, é preciso conseguir manter o interesse de seu público alvo, geralmente adicionando constantemente conteúdo novo para dar uma reanimada. Camila retomou o jogo justamente por isso. "Comecei em julho do ano passado. Fiquei um tempo sem jogar, um ou dois meses, porque acabavam as missões. Eu ficava puta que não tinha nada pra fazer e meio que larguei. Quando atualizaram, eu voltei." Outra ligação sazonal entre os mundos virtuais e o real, é que algumas datas específicas são motivo para adicionar conteúdo temático. Durante o período do Halloween, em Destiny eu ganhei uma abóbora para colocar na cabeça, em Kim Kardashian: Hollywood os jogadores ganharam brindes temáticos da data. Não sei traçar as origens principais dessa prática, mas sei que desde sempre o World of Warcraft costuma dar brindes estéticos para seus jogadores em torno das festas tradicionais fora do mundo virtual, o que serve como um brindezinho simpático para os jogadores mais profissa e, às vezes, um incentivo para os jogadores casuais voltarem ao vício.

Fora o atrativo de nos distrair de nossa realidade perceptível imediata, qual a graça do jogo? Porque tanta gente baixou e dedicou tanto tempo, e até dinheiro de verdade, nesse aplicativo de celular? Bom, como tudo na vida cada um tem seus motivos. Babi confessou que jogava o jogo porque "você pode colocar roupinhas, cabelinhos, era mais por isso que eu jogava" e fez uma analogia bem interessante entre ele e uma série que disse ter jogado bastante também, The Sims, que também deve seu enorme sucesso ao atrair nichos que ainda não eram historicamente tão atraídos por jogos eletrônicos, justamente o público de garotas de 12 a 16 anos que Kim Kardashian: Hollywood teoricamente visa. Perguntei para Gabie se jogar esse jogo a fazia entrar em um mundo que não ela pertence. "Sim. Ser o espectador me parece ser mais atrativo que ser as próprias Kardashians. Elas têm seus problemas, muitas das vezes um tanto levianos, e nisso existe um humor muito próprio. Acompanhar isso de longe te faz ver que sua vida é até um tanto mais bacana e emocionante do que a delas."

Segundo descrição da Babi essa é ela "Em London".

Essa pequena amostragem de jogadores de Kim Kardashian: Hollywood não me esclareceu em absoluto porque o jogo conseguiu faturar tanto dinheiro no ano passado, já que nenhuma das garotas com quem conversei gastou dinheiro de verdade no jogo, mas de qualquer forma foi enriquecedor saber que não sou tão diferente assim de quem joga Kim Kardashian: Hollywood quando gasto minhas horinhas na frente de um vídeo jogo.

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