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Entrevistei o Desenvolvedor de Suzy And Freedom

Troquei uma ideia com o psicólogo Nicolau Chaud, que, no ano passado, inspirado pela proposta de fazer um jogo de terror baseado em fatos reais, mergulhou na história do caso Richthofen e desenvolveu Suzy and Freedom, um jogo de adventure que entra na...

Hoje em dia praticamente tudo o que existe, em potência ou ato, pode ser objeto de um jogo eletrônico. Ainda existe um grande foco do universo dos videogames que flutua entre o fantástico e o verossímil, por mais que uma parcela grande dos jogos se esforce em ter gráficos cada vez mais "realistas", o enredo e ambientação sempre ficam no limiar do verosímil, como um filme de ação que em grande parte são sua principal referência. Outro caminho comum, desde o começo dos jogos eletrônicos é a fantasia completa, sem necessidade de um universo coerente com o real, como as regras internas de um mundo onde um encanador bigodudo pega um cogumelo para dobrar de tamanho em sua eterna batalha contra tartarugas malvadas. Mas algo extremamente raro, tirando os jogos baseados em esportes e simulação, são enredos baseados em pessoas reais e fatos verídicos, e é exatamente isso o que ocorre em Suzy and Freedom, um jogo de adventure baseado na história real do caso Suzane Von Richthofen.

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Dan, o namorado de Suzy.

Você provavelmente já conhece a história. Na noite de 31 de outubro de 2002, o casal Manfred e Marísia Richthofen foram assassinados enquanto dormiam em sua casa no bairro do Brooklin em São Paulo. Após a suposição de um assalto seguido de morte, os investigadores começaram a desconfiar de Suzane Von Richthofen, a filha do casal, que, junto com o namorado Daniel Cravinhos, e o irmão dele Cristian Cravinhos, planejaram e executaram o assassinato de seus pais. Após muita especulação à época dos motivos do crime, os três réus foram condenados pelo assassinado do casal. Anos depois de o caso ter sido resolvido, alguns trabalhos foram feitos para entender os motivos dos réus e como foram planejados e executados os detalhes do crime.

Minha parte preferida do jogo são os puzzles em que você controla o casal, que me lembraram do maravilhoso Lost Vikings na jogabilidade.

Ano passado, inspirado pela proposta de fazer um jogo de terror baseado em fatos reais, Nicolau Chaud, psicólogo, professor de psicologia e desenvolvedor de jogos em seu tempo livre, mergulhou na história do caso Richthofen e acabou desenvolvendo Suzy and Freedom, um jogo de adventure feito em RPG maker (o mesmo do jogo do Kanye West do qual já falei por aqui) que entra na vida dos principais personagens da história. Com o olhar sensível do psicologo, Nicolau fez o jogo não querendo retraçar absolutamente à risca o que houve, mas tentando entender as principais pulsões e motivações das pessoas por trás dessa história. O resultado é um adventure que, segundo o próprio desenvolvedor, deve ser jogado de uma sentada só. É um jogo curto que mescla diálogos com alguns minigames que representam diferentes partes da história dos personagens e que culmina no crime e prisão dos envolvidos. O jogo é freeware e é uma boa hora de entretenimento um pouco diferente. Se você tiver em um PC com Windows é só visitar a página do jogo e baixar.

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Segue a entrevista que fiz por e-mail com Nicolau Chaud sobre o jogo.

VICE: Você pode falar um pouco sobre você?
Meu nome é Nicolau Chaud de Castro Quinta, sou residente e natural de Goiânia/GO, tenho 31 anos de idade, trabalho como professor de Psicologia e psicoterapeuta, faço jogos como um hobby. Procuro fazer jogos que desafiem as percepções do jogador sobre o que é ser humano.

O jogo foi desenvolvido para participar do evento All Hallows Eve 2013 cujo tema era uma história de horror não fictícia. Você já tinha a ideia de fazer um adventure sobre o caso Suzane Von Richthofen? De onde veio essa ideia?
O evento tinha várias possibilidades de subtemas, como "comedy horror", "monster attack" e "ghost stories". Achei o "nonfiction horror" mais interessante. Fiz uma busca na internet sobre crimes brasileiros famosos e achei uma lista. Os que me chamaram mais a atenção foram o da Suzane Richthofen e da Isabela Nardoni. Achei que o da Suzane daria um jogo melhor.

O fato de você ser psicologo ajudou tanto na escolha do tema para o jogo quanto para o desenvolvimento dele?
Sim, porque todo o esforço do jogo foi no sentido de transformar criminosos em seres humanos.

Provavelmente a parte mais pesada do jogo, em que você controla uma das vítimas do assassinato.

O jogo é baseado em fatos reais do tipo que talvez o público em geral nunca vá saber de fato o que houve. A partir da historia original, quais os pontos de virada da história que mais ajudaram você a criar o roteiro para o jogo?
Existem vários detalhezinhos do jogo que retratam aspectos reais da história. Por exemplo, quando o policial diz que os pais de Suzy estavam mortos e o irmão dela corre para abraçar o Cris… isso não aconteceu, mas esse abraço aconteceu na reconstituição do crime (Andreas abraça Cristian), o que é uma cena um tanto quanto impactante (e, surpreendentemente, passa batida quando as pessoas estão jogando). O jogo é cheio de detalhezinhos assim. Acho que a graça da história está no fato de que os envolvidos tinham personalidades e motivações bem complexas. A mídia tenta fazer parecer que um bando de playboyzinhos folgados matou um casal de pessoas boazinhas para tirar dinheiro. Não é tão simples assim.

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Mina problema.

Quais foram suas fontes de pesquisa sobre o caso Suzane Von Richthofen? Artigos de jornais? Livros?
Comprei um livro chamado O Quinto Mandamento, de Ilana Casoy. É uma investigadora que esteve presente na reconstituição do crime, entrevistou os outros oficiais envolvidos na investigação e teve acesso a todos os documentos oficiais e depoimentos do caso. É um livro bem rico em informações e a autora é muito cuidadosa ao descrever apenas relatos, abstendo-se de qualquer tipo de especulação. Além disso, procurei ver todos os vídeos no Youtube sobre o caso e li reportagens on-line também. Eu não gosto muito de noticiário policial e, na época, soube bem pouco sobre o caso. Minha pesquisa foi toda recente.

No jogo, o pai de Suzy é uma figura controladora e a mãe tem a personalidade mais apagada. Esses traços foram baseados em relatos sobre os pais de Suzanne?
Sim, foram baseados em relatos, embora eu não tenha tentado retratar a mãe como alguém "apagada". Ela tem um papel bem importante na caracterização de tudo. Talvez você tenha achado ela apagada no sentido de que, em última instância, as decisões parecem ser tomadas pelo pai.

Logo no começo do jogo, os personagens principais já aparecem fumando maconha e consomem a droga em pontos chave ao longo do jogo. Você acredita que o uso de drogas tenha tido um papel importante na história real?
Ao contrário do que disseram por aí, em momento algum eu quis fazer parecer que a droga levou eles a cometerem qualquer tipo de crime. O jogo é meio que a história de pessoas com vidinhas ordinárias e opressoras que querem viver um sonho, e adotam posturas transgressoras diante da vida. Acho que a droga é só um elemento do conjunto.

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Se você tiver uma, qual é sua parte preferida do jogo?
Olha… eu realmente não tenho uma, porque gosto de todas. Acredito que cada cena tem um papel muito importante na história. Até por ter tido um prazo muito pequeno para fazer o jogo, cortei tudo que poderia estar "sobrando". O projeto original era bem maior. Reduzi ao essencial. Então gosto de tudo.

Momentos antes de a casa cair.

Faz tempo que você entrou em contato com o RPG maker? Vendo um pouco o pessoal do www.rpgmaker.net, parece ser uma comunidade de membros bem ativos e solicitos quanto ao projeto dos outros, o clima é esse mesmo?
Para ser sincero, ainda que essa comunidade seja meu "lar", não é realmente meu público-alvo. A RPGMaker.net é uma comunidade muito conservadora e tradicionalista em termos de RPG, o perfil oposto do tipo de jogos que faço. Lá existe gente ativa e solícita, e existe gente parada e que fica criticando os outros gratuitamente. Tem de tudo. Mas não são meu público-alvo.

Você tem algum plano para jogos futuros?
No momento, não. Já percebi que planos para o futuro não funcionam comigo. Quase todos meus jogos vieram de eventos como esse, que de alguma forma me inspiraram e me forçaram a trabalhar por causa do prazo limitado. Foi assim com Beautiful Escape: Dungeoneer e Marvel Brothel, por exemplo. O único jogo que fiz sem ocasião, e demorei séculos nisso, foi o Polymorphous Perversity, e foi uma experiência bem sofrida. Acho que agora estou esperando outro evento assim, para ver que tipo de inspiração vou ter. Surpresa até para mim.

Siga o Pedro Moreira no Twitter: @pedrograca