Esquenta a Batalha Pelo Coração de Istambul

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Esquenta a Batalha Pelo Coração de Istambul

O último fim de semana turco teve mais gás lacrimogêneo, balas de borracha e canhões de água contendo spray de pimenta.

Fotos por Oren Ziv.

No começo da noite de sábado, a vila dos manifestantes feita de barracas e bandeiras armada no Parque Gezi de Istambul foi destruída, seus habitantes foram enfaticamente defumados com gás lacrimogêneo e dispersados a mando do combativo primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan. Em resposta, os manifestantes antigoverno (na maioria, mas não exclusivamente, jovens turcos de classe média) tomaram as ruas de todo o país durante o final de semana inteiro, construindo barricadas e enfrentando a tropa de choque, com milhares de pessoas bloqueando grandes rodovias e pontes em apoio a eles.

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No domingo — depois de uma manhã esfumaçada com gás lacrimogêneo em Istambul, Ancara e outras cidades — Erdogan fez um discurso num grande comício pró-governo nos arredores de Istambul. Pensado para ser uma demonstração de unidade sob o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), o discurso foi desafiador e paranoico. Nele, Erdogan chamou os manifestantes de “marginais” e a imprensa internacional — a CNN e a BBC em particular — de “provocadores”.

Os manifestantes culpam a retórica inflamada do primeiro-ministro pela brutalidade policial que, mas ultimas semanas, matou cinco (incluindo um policial), feriu 5 mil e levou a prisão de mais de 400 pessoas no final de semana. Na noite de sábado, uma manifestante grávida perdeu o bebê. Muitos dos presos são médicos que trabalhavam voluntariamente ajudando os manifestantes feridos (os médicos, vestidos de brancos, são facilmente identificados). Cerca de 150 detidos ainda estão desaparecidos, com as autoridades se recusando a informar seu paradeiro aos advogados.

Erdogan, impulsionado por três vitórias consecutivas nas eleições, continua popular. Mas está preocupado o suficiente com seu futuro para realizar um comício de proporções soviéticas em Istambul, apenas para reafirmar seu apoio. Lá, Erdogan falou para uma multidão de cerca de 300 mil pessoas por duas horas. As câmeras de TV também capturaram uma frotilha de comemoração no Bósforo. Por outro lado, as balsas que ligam os lados europeu e asiático da cidade foram canceladas, presumivelmente para reduzir o número de pessoas se juntando aos protestos no centro.

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Erdogan disse a seus apoiadores — muitos dos quais tinham sido levados até o local de ônibus para a ocasião — que “Taksim não é a Turquia”. Enquanto isso, no outro lado da cidade, muitos dos bairros do centro da cidade estavam envoltos em gás lacrimogêneo. A tropa de choque estava tentando empurrar os manifestantes de volta às barricadas montadas às pressas perto do Parque Gezi e da Praça Taksim. Na manhã de segunda-feira, ficou claro que nem os manifestantes sem líder nem Erdogan estavam particularmente interessados em acalmar a situação. Apesar de uma autocensura da mídia turca, relatórios detalhados da violência policial vêm se acumulando nas últimas semanas, levando uma seção transversal da sociedade a se sentir unificada em oposição ao primeiro-ministro e seu partido socialmente conservador. Erdogan está em negação quanto ao poder das redes sociais e mesmo do boca a boca. Toda noite, na maioria dos bairros de Istambul, idosas podem ser vistas apoiadas nas janelas, batendo potes e panelas enquanto os motoristas embaixo tocando as buzinas, em apoio aos manifestantes nas ruas.

Então o que era pra ser um final de semana calmo se transformou num final de semana insone. Na noite de sábado, num cerco bizarro e tenso, o lobby de um hotel de luxo em Taksim — que estava servindo como enfermaria improvisada e refúgio para os manifestantes no parque — foi repetidamente atacado com gás. No caos, policiais armados invadiram o hotel para confiscar máscaras, capacetes e soluções anti-gás lacrimogêneo. As multidões ao redor da Taksim também foram dispersadas com gás e canhões de água contendo spray de pimenta, o que queimou a pele dos manifestantes.

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Nas ruas laterais, vi homens terem as camisetas rasgadas para depois serem pulverizados com spray corrosivo. Nisantisi, o bairro mais sofisticado do centro de Istambul, parece ter sido o foco do pior ataque de gás do domingo. Testemunhas disseram que os residentes do local tiveram que levar estranhos que estavam sufocando com o gás para dentro de casa, e que unidades da polícia portando cassetetes perseguiam qualquer retardatário. Moradores me disseram que as ruas estavam cheias de cartuchos de gás e as boas e velhas balas de borracha.

Num sinal de que Erdogan subestimou a profundidade do ressentimento provocado por sua retórica e táticas de divisão, veículos militares tiveram que ser chamados em Istambul mais tarde na noite de sábado para ajudar a tropa de choque. Além disso, mais mil policiais foram trazidos de outras províncias turcas para Istambul no domingo. Talvez agora Erdogan perceba que as coisas saíram um pouco do controle.

Quando a Taksim foi reocupada pelas forças policiais na terça-feira passada — o que levou a um levante similar, talvez um pouco menos intenso — os turcos com quem falei estavam surpresos em ver como os manifestantes foram tratados, quanto gás foi usado e com a postura deliberadamente agressiva de Erdogan. Mas, com a chegada do final de semana, aqueles envolvidos nos protestos se adaptaram. O que é mais notável nos enfrentamentos recentes é que, para muitos jovens turcos, carregar ou usar máscaras de gás, capacetes de construção e óculos protetores é quase uma norma.

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Chuva pesada e fatiga significam que Istambul estava quieta nessas primeiras horas da manhã de segunda-feira, apesar de protestos esporádicos continuarem em menor escala. Ancara, que parece ter ganhado um policiamento mais pesado nas últimas semanas, permanece tensa. Grandes sindicatos anunciaram greves em protesto contra a violência policial. A atmosfera nas ruas e nas casas das pessoas continua ansiosa. Os turcos que participam dos protestos com quem falei não sabem muito bem para onde isso está indo. Mas depois da demonstração desafiadora de poder político de Erdogan e a maratona de protestos e prisões desse final de semana, está claro que ninguém planeja recuar tão cedo.

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Mais informações sobre o levante em Istambul:

A Batalha da Praça Taksim

O Levante de Istambul

23 Horas nas Mãos da Tropa de Choque de Istambul