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Esse Cara Quer Esmagar o Crânio do Pai Morto para ‘Melhorar a Relação’ Entre os Dois

Em vez de enchê-lo de lírios e terra e largá-lo na loja de artigos esquisitos mais próxima, o artista Lee Wagstaff planeja esmagá-lo e usar os restos para seu mais novo projeto: uma réplica impressa em 3D de seu próprio crânio.

Este artigo foi publicado originalmente na VICE Reino Unido

Há alguns anos, o artista Lee Wagstaff acabou por obter a posse do crânio de seu pai. Em vez de enchê-lo de lírios e terra e largá-lo na loja de artigos esquisitos mais próxima, ele planeja esmagá-lo e usar os restos para seu mais novo projeto: uma réplica impressa em 3D de seu próprio crânio.

Ao usar a cabeça de seu finado pai para clonar a sua própria, o estudante de PhD do Royal College of Art pretende explorar o relacionamento distante de ambos, bem como temas ligados ao louvor religioso, deificação e vida eterna. O crânio finalizado – cuja revelação está marcada para acontecer em Londres, no próximo ano – também contará com entalhes de padronagens que imitam as tatuagens geométricas da cabeça de Wagstaff.

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Essa não é a primeira vez que o escultor recicla material humano em nome da arte conceitual. No começo do ano ele gozou em uma camiseta do Sisters of Mercy todas as noites por mais de três meses e exibiu a obra "100 Nights of Solitude" [100 Noites de Solidão, em português] em sua galeria em Berlim, a Rise. Outro projeto, "Shroud" [Mortalha, em português], era um autorretrato, telado com seu próprio sangue. David Bowie se referiu à obra como "inquietantemente heróica e […] espiritualmente arrogante".

Após conseguir segurá-lo para uma entrevista, conversamos sobre crânios, scanners e Southend.

VICE – Oi, Lee. Como você conseguiu o crânio de seu pai?
Lee Wagstaff – O crânio foi deixado para mim, um legado para mim. Sou um pouco reservado sobre como o obtive por conta de questões familiares.

Certo. O que te levou a incorporá-lo em sua arte?
Pensei imediatamente como poderia substituir os pós normalmente usados em uma impressão em três dimensões. Pra mim, matérias-primas corporais como esta são o mesmo que outros materiais de arte, como nanquim, ou tinta, ou gesso. Na arte tribal, estas coisas são bem comuns – sangue e afins. Só em um mundo mais higienizado e contemporâneo as pessoas tendem a fazer sensacionalismo sobre qualquer coisinha um pouco mais nojenta.

Não existem implicações legais, porém?
Com qualquer coisa que envolva partes do corpo humano – especialmente no Reino Unido – é muito difícil de se lidar, porque é preciso ter uma licença específica para trabalhar com eles e exibi-los e para fazer o que for com eles. Fiz algo com sangue há um tempo atrás ["Shroud", de 2000], mas desde então a legislação mudou. Mesmo cabelo ou amostras de pele exigem uma licença para uso de tecido humano.

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Você e seu pai não se falavam há anos antes de sua morte, certo?
Tínhamos um relacionamento bem complicado. Não o via há 15 anos – até ele estar em seu leito de morte, na verdade, e essa foi a última vez que o vi. Ele estava inconsciente. Uma das motivações por trás do projeto é lidar com este relacionamento estranho.

Eu estava interessado na transferência daquilo que foi meu pai e no que ele acreditava. Na tradição das relíquias, qualquer objeto que tenha sido tocado por uma pessoa santa ou especial é, de alguma forma, imbuído com as qualidades daquela pessoa. E tocar este objeto – ou mesmo observá-lo – de alguma transfunde estas qualidades a você. Estou interessado no conceito de transferência destas qualidades.

O que ele fazia?
Meu pai era um caçador, e eu sou vegano e um tanto quanto sensível com relação às coisas mortas. Bom, ele gostava de atirar – tipo em pássaros de caça e lances assim. Ele trabalhou como guarda-caça em meio período durante determinada época, em uma propriedade bastante rica, então ele capturava faisões e os soltava, levando então estas pessoas ricas para caçá-los.

Cresci em um lar tradicional em Southend, que vivia cheio de pombos e coelhos. O pessoal da escola sempre queria ir até lá ver os bichos. Acho que meu pai sempre teve essa vontade de ser um cavalheiro do campo, coisa que meio que conseguiu fazer no fim da vida. Deixou a família e foi morar no campo.

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Nós crescemos com bichos mortos ao nosso redor, então eu tenho esse interesse em anatomia, de querer saber como tudo funciona. Assim que algo morreu – destituído de toda vida e músculos – ele meio que se torna um objeto, e você tem que tocá-lo para acreditar que era o que era.

Mas enquanto objeto, também se transforma em obra de arte.
A arte tem um histórico longo do uso de ossos, esqueletos e crânios em pinturas e esculturas, então creio que [meu projeto] entre nessa tradição. As pessoas guardam as cinzas das outras em casa por um bom tempo, e pra mim, isso é um pouco esquisito. Eu sou mais ligado a itens pessoais, como uma xícara ou uma peça de roupa. Acho que teria maior sensibilidade com algo assim do que com algo que não tem mais vida. Então não sinto nada muito forte [em relação ao crânio].

Quanto tempo levará para replicar seu crânio? Você fará uma impressão dele?
Dependerá do tipo de tecnologia à qual terei acesso. Conversei com vários radiologistas, e a melhor forma de se obter a imagem mais clara e detalhada dele será com um raio-x de alta resolução. Daí existe também um monte de softwares de edição que podem transformar estes scans em arquivos STL com os quais se possa trabalhar. Mas no Reino Unido é bem difícil tirar um raio-x que não seja por razões médicas, então provavelmente terei que recorrer a clínicas particulares ou em outro local na Europa.

Estou conversando com alguns lugares, mas muitas vezes quando sabem que farei algo desse tipo, as pessoas relutam em se envolver. Todos têm muito cuidado nesse momento. Pensam nas suas reputações online, como serão vistos pelo mundo e como isso afetará seus negócios. Queria entalhar no crânio a tatuagem que tenho em minha cabeça. Algo similar a artefatos de Mali, onde a tatuagem é tão intensa que quase ultrapassa o osso. Estou interessado na aparência das pessoas ou como elas se apresentam perante o mundo; e como elas ficam após morrerem. Isso é a memória, é isso que está entalhado nas pessoas.

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Fala um pouco sobre a sua formação religiosa.
Foi tudo bastante misturado: da parte de meu pai, a família dele era indiana hindu, e do lado da minha mãe, católica. Frequentávamos a igreja católica, e na medida em que crescemos, fomos para a Igreja Batista, então tive diversas experiências. Suponho que – como qualquer um, na adolescência – se rejeite muito dessas coisas, e quando se amadurece, rola uma reconfigurada. Sempre encontrei muita inspiração na Bíblia. Muitas das histórias ali são mais controversas que qualquer coisa que você possa ver na HBO. As histórias bíblicas são mesmo absurdas, então sou bastante atraído àquilo e à ideia de sacrifício e testemunho.

Quando você começou a encarar a impressora 3D como uma espécie de porta-voz do espírito humano?
Durante os primeiros anos [do meu PhD], estudei captura digital e saídas digitais, scanners, impressões e coisas assim. O projeto se relaciona à teologia e ao corpo digital, e como conceitos teológicos poderiam ser compreendidos ou explorados através da tecnologia digital. Pra mim, religião e tecnologia são dois lados da mesma moeda, e sempre houve uma relação bem forte entre ambos.

Eu estava interessado na forma que como na captura 3D digital você pega um objeto físico de um plano e o transforma em outro objeto físico. Isso me fez pensar muito sobre o conceito de trindade. Estou falando da trindade no catolicismo. Alguns pensam que o Pai criou o filho, outros que ele criou o Espírito Santo, mas ambos tem a mesma força. Tem a ver com este eterno triângulo: todos criaram uns aos outros. Os problemas do cristianismo se baseiam nisso. Estas coisinhas que dividiram a igreja há centenas de anos atrás em igreja ocidental e oriental. Estou interessado no conceito do artista como uma figura que de alguma forma usa suas habilidades para lançar luz sobre algo, para fazer as pessoas pensarem sobre este algo e então tirarem suas próprias conclusões.

Obrigado, Lee.

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Tradução: Thiago "Índio" Silva