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Fotos

Examinando o Épico Norte-Americano de Garry Winogrand

A humanidade – ou talvez a humanidade norte-americana – em todas suas interações e variedades de expressões era o tema central das fotografias de Garry Winogrand.

Garry Winogrand (American, 1928-1984). Coney Island, Nova York, por volta de 1952. Revelação por prata coloidal. Museu de Arte Moderna de Nova York. Compra e doação de Barbara Schwartz em memória de Eugene M. Schwartz. © The Estate of Garry Winogrand, cortesia Fraenkel Gallery, São Francisco. 

Para entrar na retrospectiva de Garry Winogrand que abriu mês passado no Museu de Arte Metropolitano de Nova York, é preciso sair do auditório principal na ala sul e entrar em um longo corredor de arte grega do sexto ao quarto séculos a.C. A exposição é formada principalmente por estátuas em várias poses – lutando na guerra, perdidas em pensamentos, proclamando um discurso ou assustadas. Quando você chega à exposição de Winogrand no segundo piso e começa a analisar o trabalho do fotógrafo, pode ocorrer a você que a galeria grega fornece algo como um prólogo anacrônico. Conhecido por sua rotina de andar incansavelmente pelas ruas fotografando a cidade de forma singela, Winogrand era um fotógrafo do povo, de peões de rodeio no Texas a socialites em Manhattan e frequentadores da Venice Beach. A humanidade – ou talvez a humanidade norte-americana – em todas as suas interações e variedades de expressões era o tema dele.

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Garry Winogrand (American, 1928-1984). Nova York, 1950. Revelação por prata coloidal. Museu de Arte Moderna de São Francisco, doação de Carla Emil e Rich Silverstein. © The Estate of Garry Winogrand, cortesia Fraenkel Gallery, São Francisco. 

O Met é a terceira parada da turnê da exposição, que começou no MoMA de São Francisco. O projeto teve início quando o galerista Jeffrey Fraenkel pediu ao fotógrafo Leo Rubinfien para ajudar a compilar um grande livro de retrospectiva do trabalho de Winogrand. Rubinfien concordou, mas, em suas próprias palavras, “ficou imediatamente claro que precisávamos de um museu”. Então, Rubinfien abordou Sandy Phillips, a curadora de fotografia do MoMA de São Francisco, que pulou para a ideia de fazer uma exposição na qual Rubinfien, que não é originalmente curador, poderia atuar como tal. Essa iteração no Met foi reduzida da exposição original no MoMA SF por Jeff Rosenheim, curador na chefia do Departamento de Fotografia do Met. Essa é a primeira retrospectiva de Winogrand em 25 anos, quase uma eternidade para um artista de seu renome, ainda mais quando já falecido.

Apesar do trabalho de Winogrand ter sido publicado e exibido em categorias bem específicas durante sua vida (The Animals, Women Are Beautiful, Public Relations), Rubinfien decidiu agrupar a obra do fotógrafo por época e, até certa extensão, lugar, independente do tema, para a retrospectiva:

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“As melhores amostras do trabalho de Winogrand em vida eram as apresentações de slides que ele fazia em universidades e museus. Isso produzia um resultado totalmente diferente do que você tem nos livros, e esse resultado era como a Canção de Mim Mesmo de Walt Whitman, em que ele faz listas, e quando as listas vão se desdobrando, você tem todo os EUA. Aqui, temos o homem de negócios, o marinheiro, a modelo sexy, a criança perdida, o macaco no zoológico e o bombeiro, e você sente como se o país inteiro estivesse se desdobrando em sua frente num épico americano.”

Garry Winogrand (American, 1928-1984). El Morocco, Nova York, 1955. Revelação por prata coloidal. Museu Metropolitano de Arte de Nova York, aquisição e doação de Horace W. Goldsmith Foundation, 1992 (1992,5107). © The Estate of Garry Winogrand, cortesia Fraenkel Gallery, São Francisco. 

A exposição é dividida em três seções. A primeira “Down from the Bronx (1950-1971)” cobre as duas primeiras fases da carreira de Winogrand, especificamente as fotografias feitas em Nova York, e faz uma referência à curta, porém simbólica, viagem de Winogrand de sua casa no Bronx para fotografar em Manhattan, sua principal locação de trabalho. A primeira foto à esquerda, quando se entra nessa seção, mostra um jovem marinheiro, com a mala na mão, caminhando completamente sozinho num trecho ainda escuro da estrada, e a noite enevoada pontuada pelas luzes da rua; a foto tem a qualidade um tanto sinistra e dramática pela qual Winogrand ficaria famoso. É fácil imaginar, no contexto da exposição, que o marinheiro deve simbolizar o próprio Winogrand começando sua jornada, viajando sozinho para Manhattan levando apenas a bolsa de sua câmera. No entanto, essa foto é uma exceção nas cenas fervilhantes da Cidade de Nova York que compõem essa primeira seção – aeroportos, zoológicos, Coney Island e reuniões de todo tipo. O que fica imediatamente claro é que Winogrand não estava simplesmente interessando em fotografar pessoas, mas pessoas em lugares onde coisas estavam acontecendo.

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Garry Winogrand (American, 1928-1984). Albuquerque, Novo México, 1957. Revelação por prata coloidal. Museu de Arte Moderna de Nova York. Aquisição. © The Estate of Garry Winogrand, cortesia Fraenkel Gallery, São Francisco. 

A ideia é reforçada quando se passa para a segunda seção, “A Student of America (1950-1971)”, que cobre o trabalho do fotógrafo durante o mesmo período em outras cidades americanas, principalmente na Califórnia e no Sudoeste. O título vem de uma citação do próprio Winogrand: “Você pode dizer que sou um estudante de fotografia, e sou, mas, na verdade, sou um estudante da América”. De fato, os temas de Winogrand refletem todo um leque de personagens e cenas extraordinariamente norte-americanas: um homem recebe uma mulher jovem com um cartaz caseiro no aeroporto; uma criança emerge de uma garagem escura, um triciclo está virado na entrada; um senhor está sentado sob um guarda-sol e olha diretamente para a câmera, enquanto irrigadores giram no gramado atrás dele. Mas o trabalho também tem uma inclinação inegavelmente sociopolítica. Em uma das fotos, três mulheres cheias de estilo andam por uma rua de Los Angeles, iluminadas pela luz do fim da tarde. Um observador casual pode levar algum tempo para perceber um pedinte inclinado numa cadeira de rodas à direita das moças, e uma criança que estica o pescoço para olhar para ele do banco no lado oposto da calçada. Estão todos na foto, é só uma questão de para onde você está olhando, e também o que você olha em primeiro lugar. De acordo com a placa que acompanha a foto, quando perguntado sobre o que a fotografia queria dizer, Winogrand respondeu: “É a luz. Veja a luz!” Uma resposta típica do Winogrand vintage. Enquanto fotógrafos meia geração mais velhos – Robert Frank, Eugene Smith, etc. – usavam a fotografia para demonstrar as qualidade redentoras da humanidade pós-Segunda Guerra Mundial, Winogrand fotografava pela fotografia – nem ele, nem suas fotos, precisavam de qualquer justificativa extensa para si mesmos. Em outra citação, exibida na parede da exposição, Winogrand afirma: “Fotografo para descobrir como as coisas que vejo parecem quando fotografadas”.

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Garry Winogrand (American, 1928-1984). Los Angeles, Califórnia, 1969. Revelação por prata coloidal. Fraenkel Gallery, São Francisco. © The Estate of Garry Winogrand, cortesia Fraenkel Gallery, São Francisco. 

Mas com relação a fotos como a das mulheres e o pedinte em Los Angeles, essa explicação não parece ser o suficiente, especialmente quando você tenta tirar algum sentido da obra do fotógrafo. Rubinfien também não ficou satisfeito:

“Parecia que ninguém teria motivo para fazer esse projeto se não para tentar fazê-lo abordar a questão do significado; talvez você aborde isso mal, talvez você aborde isso bem, mas não é mais possível usar o tipo de expressão evasiva que Winogrand, [Lee] Friedlander e [Diane] Arbus usavam. Essas justificativas não funcionam hoje em dia.”

Quando me encontrei com Rubinfien, um amigo próximo de Winogrand, em seu escritório no primeiro andar de seu triplex entre os prédios do horizonte de Nova York, ele falou do fotógrafo com a mesma mistura de reverência, afeição e anseio expressa por muitos dos colegas que conheceram e foram profundamente inspirados por Winogrand. Em certo momento, ele contou com carinho a história de uma das aulas de Winogrand no Texas, em 1974, da qual ele participou. Ao analisar uma fotografia de Kertesz, Winogrand declarou: “Essa é a foto de um homem olhando para a própria morte”. Esse tipo de significado não está literalmente na foto – ele precisa ser lido na imagem. Para Rubinfien, aquele momento provou que, apesar das respostas descomprometidas e enigmáticas sobre a razão de ser da fotografia, Winogrand entendia o significado profundo que podia ser comunicado com uma foto:

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“Há um ponto em que o mundo literal que vemos se transforma num mundo simbólico. Eles não são objetos no mundo, mas coisas com significados além de si mesmas. Passou da descrição do físico para o metafísico. E é isso que permanece. As coisas nas fotos estão grávidas de significado. Não é o suficiente dizer: 'Ele [Winogrand] mostrou como o mundo parecia em 1967 ou 1968'. O trabalho dele é muito maior por causa de todas essas ressonâncias.”

Garry Winogrand (American, 1928-1984). Fort Worth, 1974. Revelação por prata coloidal. Museu de Arte Moderna de São Francisco, Accessions Committee Fund: doação de Doris e Donald Fisher, e Marion E. Greene. © The Estate of Garry Winogrand, cortesia Fraenkel Gallery, São Francisco. 

A terceira e última seção da exposição, “Boom and Bust (1971-1984)”, cobre o período da carreira de Winogrand quando ele saiu de Nova York para trabalhar como professor em Chicago e Austin. É aqui, segundo Rubinfien, que o trabalho de Winogrand muda drasticamente. O êxtase pela interação humana em suas primeiras fotografias dá lugar à desolação – tanto em termos de tom como de luz – que implica uma desilusão. Claro, esse sentimento espelha o mal-estar cultural geral em que a nação caiu depois da turbulência social e política dos anos 1960, o que gerou muita da energia evidente dos primeiros trabalhos de Winogrand. Mas um olhar mais profundo na vida e na carreira do fotógrafo proporciona uma explicação mais complexa do período.

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Garry Winogrand (American, 1928-1984). Central Park Zoo, Nova York, 1967. Revelação por prata coloidal. Coleção de Randi e Bob Fisher. © The Estate of Garry Winogrand, cortesia Fraenkel Gallery, São Francisco. 

Winogrand morreu repentinamente em 1984, deixando para trás muita coisa inédita: folhas de contato nunca editadas, filmes processados, mas nunca transformados em folhas de contato, e filmes que ele nunca processou de maneira alguma, muito disso produzido nos últimos estágios de sua carreira. E como ele tinha devotado seu tempo mais a fotografar do que processar e desenvolver, há muitas dessas fotos. Mais da metade do trabalho de sua vida, na verdade. A primeira retrospectiva de Winogrand, organizada pelo lendário curador do MoMA John Szarkowski, considerou muito desse trabalho como inferior, mas Rubinfien queria investigar isso. Para isso, ele revisou cerca de 22 mil folhas de contato e encomendou a revelação de fotografias selecionadas, que aparecem pela primeira vez na exposição. Apesar de Rubinfien concordar que fotos fortes vão ficando cada vez mais raras durante esse período, ele acredita que o trabalho não é menos significativo e fornece uma espécie de conclusão para a carreira de um artista cuja vida acabou antes que ele tivesse chance de encaminhar seu trabalho. Até “Boom and Bust”, a narrativa da exposição é, como o tema, distintamente norte-americana – um homem jovem e ousado de origem humilde vai sozinho para a cidade e faz seu próprio nome, depois viaja para os territórios não mapeados do oeste, encontrado fragmentos vibrantes de uma sociedade a cada parada. Mas nessa última sessão, a sensação é de que Winogrand aprendeu uma lição preocupante como estudante autoproclamado dos EUA. As cenas não explodem mais em movimento alegre; agora elas aparecem na eminência do perigo ou como se pairassem na névoa – um homem de terno e chapéu de cowboy rosna enquanto avança em direção a um leilão de gado; um cavalo empina enquanto seu tratador se abaixa para se proteger num rodeio; uma foto de longa exposição de Los Angeles mostra duas colunas de fumaça subindo acima do oceano. O caos e a qualidade de presságio de suas fotos continuam ali, mas a beleza orgânica e a vitalidade se foram.

A última imagem da exposição, revelada postumamente, é uma foto de média distância de um grupo de pessoas que, aparentemente, espera num ponto de ônibus, tirada de dentro de um carro através do para-brisa. A fotografia é claramente destacada: as feições são difíceis de distinguir, algumas parecem se misturar com a colina ao fundo, e as pessoas não estão se movendo, gritando ou rindo, estão simplesmente esperando. O espectador pode se esforçar para encontrar uma pista que revele alguma atividade maior, mas não há nenhuma. Comparado com os primeiros trabalhos de Winogrand, nos quais é até difícil imaginar como ele chegou tão perto das pessoas que fotografava, isso é quase como se ele estivesse espionando. Depois de passar pela exposição inteira, o distanciamento óbvio de Winogrand de si mesmo, literal e metaforicamente, e da sociedade pela qual ele foi tão fascinado é comovente. Mas esse tipo de desencanto é tão fundamentalmente americano quanto o resto do trabalho de Winogrand. E, se algum dia ele tivesse admitido que havia uma mensagem, devia ser exatamente essa.

Giancarlo T. Roma é um escritor e músico que vive no Brooklyn. Siga-o no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor