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Final Fantasy e a Estética J-Pop

Um papo sobre o que mudou ao longo dos anos no jogo e uma análise sobre os personagens.

Você percebe que está ficando velho quando começa a não se adaptar tão bem às mudanças; quando, do nada, olha em volta e as coisas não estão do jeito que você lembrava e, pra dizer a verdade, você não está muito feliz com isso. Parei de jogar a série Final Fantasy por volta do IX, ou nove (9), caso você não saiba ler algarismos romanos, e desde então muita coisa aconteceu na série. Tendo participado da geração que foi mais atingida com a explosão do Final Fantasy VII no Playstation e sendo adepto da Sega anteriormente, joguei os jogos de Final Fantasy de Nes e SNES basicamente em emuladores. Mas o que mudou de lá para cá? Qual é o problema, se é que estou dizendo que tem um problema, do Final Fantasy a partir do X? Bom, para começar, eu não consigo respeitar um herói de bermuda e suspensório e cabelo com escova progressiva.

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Com o aumento na capacidade das plataformas que rodam os jogos, muita coisa veio à tona. A noção estética de nossos primos da terra do sol nascente é bem distinta do gosto comum ocidental. Talvez muito da bizarrice visual e auditiva que aparece no jogo fosse a intenção inicial dos feras que fizeram os jogos todos. Vamos observar, por exemplo, uma cena do Final Fantasy VI: a cena da ópera. Certa hora, no desenrolar do jogo, não me recordo nem fodendo agora o porquê, mas um dos seus personagens participa de uma ópera e você precisa lembrar das falas do libreto (a letra da ópera, se você não sabe, seu inculto) para dar tudo certinho na performance. Como ficou isso na versão 16bits para Super Nintendo? Assim:

Imagine como ia ficar se eles tivessem a possibilidade de colocar uma puta cena produzida com cantores de ópera cantando a ária? Não sei o que você acha disso, mas, para mim, ia ficar um caralho! O lindo desse limite técnico é que você precisa encontrar alternativas para encaixar a coisa no espaço limitado do cartucho. Se os videogames tivessem a possibilidade de colocar exatamente o que quem imaginou o jogo com realismo absoluto, acho que praticamente todo o charme dos jogos ia simplesmente desaparecer, mas enfim. Quem estava por trás do design dos personagens da série de RPG japonês mais queridinha do ocidente?

O personagem Shadow do Final Fantasy VI em ilustração de Yoshitaka Amano.

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Dono de um traço delicado e meio afeminado, que usa a leveza do lápis e da aquarela, Yoshitaka Amano trabalhou no design dos personagens e monstros logo no primeiro Final Fantasy. Amano continuou com um papel às vezes central, às vezes nem tanto, no design dos personagens e monstros até o Final Fantasy VI, o último para as plataformas de 16bits. O Final Fantasy seguinte foi o que selou acordo da Square (hoje em dia Square Enix) com a Sony, que começou a produzir seus jogos para o Playstation. Com a mudança de plataforma, veio a possibilidade de trabalhar com gráficos 3D, na verdade, veio certa obrigação de trabalhar com gráficos 3D e quem era moleque na época lembra de como o pessoal ficava empolgado com a possibilidade de alguns polígonos animados na tela. Com a mudança de plataforma, quem começou a cuidar do design dos personagens da série foi Tetsuya Nomura, que tendia muito mais para um estilo mais futurista do que seu predecessor Amano, mas, pelo menos, nessa versão algo continuou: a estética Super Deformed. Abreviado como SD, super deformed é um jeito de figurar os personagens de um videogame, ou animação, ou quadrinho em que a proporção fisionômica dos personagens não é respeitada, com cabeças gigantes e membros desproporcionais, usada muitas vezes em videogames de RPG como forma de adaptar o personagem fora da batalha em figuras menores, fazendo você prestar mais atenção no cenário do que no personagem. Outra função é não ter de fazer os personagens com tantos detalhes, ajudando na performance caso a potência da máquina não consiga processar tanta coisa assim. No Final Fantasy VII os personagens fora da batalha eram um SD bizarro que, por incrível que pareça, acabou funcionando; não era uma intenção realista que predominava no design dos personagens, o que foi acontecendo de forma gradual nas edições seguintes do jogo, fora raras exceções como o Final Fantasy IX que, em geral, tomava referências dos jogos mais old school da série, FFIX também foi o último jogo da série para Playstation 1.

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Isso que eu chamo de um cosplay bem feito.

Mas o que distingue essas duas gerações de Final Fantasy, do Playstation para as versões para as plataformas da Nintendo? Bom, a partir do Final Fantasy X, o primeiro para Playstation 2, a parada começou a ficar realmente ridícula. O que mais aconteceu com essa mudança de plataforma? Atuação dos diálogos. Você pode fingir que os diálogos não foram escritos para adolescentes quando você lê o que os caras falam, mas, com um ator profissional fazendo a típica voz de videogame/dublagem de anime, fica um pouco mais complicado abstrair. Uma coisa, que é sempre importante lembrar sobre a série toda e uma parcela gigantesca dos jogos de videogame, é que eles são jogos feitos por japoneses para japoneses. Compreendo o apelo estético de vender joguinhos para uma galera que de fato se parece com os personagens com seus cabelos coloridos e roupas espalhafatosas e maquiagem demais, mas é algo que, como um ocidental mediano, não consigo compreender plenamente, nem estética nem culturalmente. Talvez a geração imediatamente posterior à minha, que foi muito mais contaminada com cultura pop japonesa, consiga curtir isso tudo sem problemas, mas eu não consigo engolir um herói usando uma camisa aberta e uma bermuda-suspensório com o impecável cabelo da Farrah Fawcett.

O deviant art nunca me decepciona: cosplay de Tidus, o personagem principal de Final Fantasy X.

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Desde o Final Fantasy VIII, o design dos personagens começou a seguir o caminho mais realista, ao menos no quesito da proporção dos corpos, mas foi a partir do X que eles, de fato, começaram a ficar mais ridículos. Vamos pegar, por exemplo, essa cena do Final Fantasy X-2 em que Yuna, a personagem principal, canta uma comovente e brega canção que, na minha época, não ajudaria em nada a vender um jogo voltado para adolescentes.

Não sei que hora começou a ser ok colocar esse tipo de coisa no meio do meu joguinho de matar monstros para ficar mais forte e matar mais monstros.

A partir dessas decisões estéticas, imagino que a Square, atual Square Enix, pode estar seguindo um desses dois princípios desde então: 1) Qualquer coisa que a gente fizer com o nome Final Fantasy vai vender, logo, podemos enfiar o que quisermos nessa parada que vai dar certo. Pode colocar aquela cena ridícula da mina cantando que a galera não só vai aceitar, como curtir muito e 2) Nós ajudamos a formar esta cena desde o começo, a galera que está jogando estes jogos, mesmo fora do Japão, já está contaminada de cultura japonesa e vão entender como é tocante e emotiva essa canção pop brega e horrorosa. Na verdade, chuto uma bela junção dessas duas suposições. Vamos observar a figura a seguir do protagonista de Final Fantasy XII, o único depois do Final Fantasy VI que não teve seus personagens desenhados pelo já citado Tetsuya Nomura, mas que foi substituído nessa encarnação da série por Akihiko Yoshida.

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Esse é Vaan, o protagonista de Final Fantasy XII.

O curioso é que a contaminação da cultura popular japonesa no ocidente parece ter de fato mudado os parâmetros estéticos das gerações mais recentes. O que acontece, no final das contas, é que essa geração alimentada pela estética J-pop, com roupas espalhafatosas, cabelos coloridos com design arrojado e ídolos que, se colocados no mundo real, certamente iriam levar uma coça e um belo de um cuecão na escola, em vez disso, ajudaram um grupo de jovens rebeldes bem-intencionados a acabar com o império malvado. Bom, talvez seja isso mesmo que a molecada mais jovem queira ver no protagonista: um cara que, apesar de ter aparência andrógina e não se encaixar na sociedade fascista e patriarcal, no final das contas vira o pica das galáxias que acaba salvando o mundo.

De qualquer forma, se a breguiçe J-pop sempre esteve presente no Final Fantasy e somente veio à tona com o aumento da capacidade de processamento das plataformas, acho que nunca saberemos. O que posso dizer é que eu, particularmente, acho muito mais daora o estilo do Final Fantasy 16bits e o começo da era do CD do que as atuais encarnações. Para fechar, dê uma olhada nessa recapitulação da história do Final Fantasy XIII que a galera da Square-Enix fez em versão 16bits. Se lançassem o jogo nesse estilo eu comprava na hora.

Siga o Pedro Moreira no Twitter: @pedrograca