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Fomos ao Primeiro Ato Contra o “Vagão Rosa” em São Paulo

Nesta sexta-feira (18), no meio do formigueiro de pessoas que passam pela Praça da Sé, quase uma centena de manifestantes se juntou perante a Catedral para participar do Primeiro Ato Contra o Vagão Rosa.

Todas as fotos por Felipe Larozza. 

Nessa sexta-feira (18), no meio do formigueiro de pessoas que passam pela Praça da Sé, quase uma centena de manifestantes se juntaram perante a Catedral para participar do Primeiro Ato Contra o Vagão Rosa. O protesto é uma resposta direta ao Projeto de Lei nº 175/2013, criado pelo deputado estadual Jorge Caruso do PMDB, que obriga as empresas de transporte urbano a manterem, no mínimo, um vagão em cada composição para uso exclusivo das mulheres em trens e metrôs.

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Essa medida não é novidade no Rio de Janeiro e para o Distrito Federal, que destinam um vagão para o uso exclusivo das mulheres. A possibilidade de a medida ser aprovada em São Paulo causou um racha nos movimentos feministas do município. A parte contrária, que parece ser majoritária, estava presente na praça.

“Eu não acho que há segregação. Criamos um vagão pela lei para funcionar somente nos horários de pico, de segunda a sexta-feira, para o uso das mulheres, como uma coisa opcional. Acredito que estaríamos falando de segregação se essa medida fosse obrigatória e não opcional como ela é”, disse o deputado à VICE, dias antes da manifestação. “O que estamos fazendo é dar uma possibilidade para a mulher utilizar no horário de pico o vagão só para mulheres.”

Embora a Secretaria dos Transportes de São Paulo considere o projeto inviável, ele foi aprovado por unanimidade pela Assembleia Legislativa em São Paulo na primeira votação. Agora, a implementação da lei depende da sanção do governador Geraldo Alckmin.

Conversamos com a Isadora Penna, candidata a deputada estadual pelo PSOL que estava no ato e nos contou o que acha do projeto: “as consequências retrocedem. O que é necessário são medidas educacionais, de prevenção e também seguranças do metrô que também são treinados para esse tipo de caso e não desencorajar a denúncia como acontece em inúmeros casos”.

“A ideia de que as mulheres não podem se defender é aquela velha ideia machista de que somos um ser frágil. O vagão rosa não dá uma possibilidade para a mulher se defender. Estamos falando de 58% dos usuários de metrô serem mulheres. Então um vagão não vai conseguir comportar. O que vai acontecer com as mulheres que foram para os outros vagões? Imagina uma mulher que saiu do vagão rosa e entrar em um normal? Isso é um caso do Estado encontrar mais uma forma de culpabilizar as mulheres. Porque se ocorrer de a mulher ser assediada em um vagão comum, vão perguntar ‘Mas por que você não estava no vagão especial?’”

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Na visão do deputado, a separação não irá justificar o assédio. “Há dois tipos de homens, os que não fazem bobagens e os que fazem. Esses daí irão agir de forma errada independentemente da existência do vagão rosa. A faixa de homens que eventualmente cometem crimes desta natureza vai ser a mesma, então essa assertiva de dizer que vai aumentar o pensamento masculino de que as mulheres que não estão no vagão rosa estão querendo algo. A lei continua existindo e vai ser crime da mesma forma.”

Outra problemática são as mulheres trans*, travestis e pessoas não binárias (que não são nem do gênero masculino e nem do gênero feminino), que fogem da normatização de gênero imposta pela sociedade e que já sofrem problemas para andar no transporte público. Agora essas pessoas se depararam com a possibilidade de ter sua proteção e respeito excluídos graças ao vagão rosa. “Já tivemos relatos de mulheres trans* que estavam nos vagões rosa e que os seguranças pediram para elas se retirarem. Isso só reforça os padrões que queremos desconstruir na sociedade”, disse Isadora.

Falamos também com Amanda, que estava fotografando a manifestação. Demos uma atrapalhada na sua caminhada para conversar sobre o projeto. “Socialmente, a travesti é olhada com nojo e com um olhar de agressividade. Mas os homens olham, elas paqueram e tem uma imagem de que nós somos fáceis. Acham que ‘travesti é tudo puta’. Então essa história do vagão coloca a gente numa posição que é: se eu entrar no vagão rosa eu posso ser tirada e nos vagões mistos o assédio será ainda maior. Porque vai ser a comprovação de que a gente é homem, porque não estamos no outro vagão.”

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O próprio deputado reconheceu que o bem-estar das mulheres trans* foi ignorado no projeto de lei. “Isso realmente não foi pensado. Foi uma falha e acho que se o Governador sancionar, podemos corrigir isso. Se ele vetar, o projeto volta para discussão na Assembleia e podemos tentar sanar essa falha.”

Após o ensaio da bateria e alguns relatos de assédio e opiniões sobre a medida feitos por diversas manifestantes que se revezaram ao megafone, a marcha começou a descer pela Praça da Sé. Apesar de o número de participantes não ter passado de 100, 150 pessoas, as baterias e os cantos de guerra do protesto faziam eco pelo centro velho da cidade e chamavam a atenção de quem passava por lá.

A ex-FEMEN e atual coletivo Bastardz Sara Winter bateu carteirinha no protesto para fazer seu ato contra o vagão. Muitos fotógrafos se amontoaram para não perder o costume de montar uma galeria de fotos para o engravatado poder curtir uma ereção no horário de almoço da firma. As manifestantes gritaram “mídia punheteira” para os fotógrafos.

Descendo a rua Boa Vista, passamos pela estação São Bento e conseguimos conversar com a simpática Iraildes, que esperava a manifestação passar para conseguir visitar sua filha no hospital. “Sou contra esse vagão sim. É absurdo, machista. Se for assim, vai ter que ter separação em tudo, porque não é só no metrô que o assédio acontece.”

Logo depois de nos despedirmos da Iraildes, encontrei a Scheila (ela não quis ser fotografada), que estava assistindo ao ato. Tímida, disse que é a favor do vagão rosa. “Estou cansada de abusos, roubos e da falta de educação de muitos homens. Já sofri assédio anos atrás quando passaram a mão em mim.”

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Algumas mulheres que pareciam ter acabado de sair do expediente em um dos inúmeros prédios comerciais no centro bradavam que também eram contra o vagão.

O mais curioso era observar homens rindo e, alguns, filmando a passagem das meninas pelo centro. Diversas manifestantes seguiam a marcha distribuindo panfletos e colando cartazes em paredes e orelhões. Uns amassavam os panfletos e fechavam a cara, e outros simplesmente abanavam a cabeça em concordância com a passeata e colocavam os papéis dentro dos bolsos.

“Sou a favor do respeito. É um absurdo termos que separar um vagão para que as mulheres se sintam protegidas. Acho um pensamento pervertido e muito primitivo”, disse Diego à VICE. “Mas não posso me posicionar porque conheço várias trabalhadoras que são a favor do vagão rosa”, completou. Elias, que estava acompanhando Diego, foi direto: “para mim é indiferente. Isso não muda nada na minha vida”.

O primeiro ato contra o vagão rosa finalizou quando todos chegaram à frente do Teatro Municipal, onde foi avisado que nesta sexta (25), às 17 horas, rola um segundo ato na Praça do Ciclista. “Sexta vai ser maior”, uma garota avisou pelo megafone.

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