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Fui à Feira de Armas do RJ Sacar o Futuro da Repressão

A LAAD Security é uma feira internacional de segurança pública e corporativa. Durante três dias, milhares de militares, policiais e profissionais de segurança pública e privada das mais distintas forças e regiões circularam pelo imenso galpão.

A LAAD Security é uma feira internacional de segurança pública e corporativa. O evento aconteceu pela segunda vez no imenso Riocentro e contou com mais de 150 expositores de 16 países. Durante três dias, milhares de militares, policiais e profissionais de segurança pública e privada das mais distintas forças e regiões circularam pelo imenso galpão, a maioria uniformizada — e alguns armados. Além da indústria bélica propriamente dita, apresentando suas novidades em armamentos e equipamentos de proteção individual, montadoras apresentam veículos que vão da simples patrulhinha ao famigerado Caveirão, e grandes construtoras e grupos de engenharia apresentam avançados softwares de monitoramento por câmera, reconhecimento facial e essas coisas que você vê nos seriados gringos.

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Eu já tinha vindo na LAAD ano passado, junto com uma amiga que tinha uns contatos quentes na aeronáutica. Na ocasião, a feira estava bem maior, com uma área externa com todo tipo de tanques de guerra, mísseis e helicópteros. Também tinha vários estandes de fabricantes de armas que disponibilizavam não só réplicas, como as armas de verdade, e sempre tinha um monte de milicos e civis tirando fotos com elas. Encontrei um amigo maconheiro que trabalha no setor de informática de um projeto supersecreto das forças armadas, ele disse que seu chefe havia pedido que os funcionários civis evitassem postar fotos com armas nas redes sociais, no entanto, ele não disse nada sobre fotos com modelos russas… Na ocasião, acompanhado dessa minha amiga super comunicativa, conseguimos filar cerveja de vários estandes, inclusive do lounge dos delegados de polícia. De volta para casa, a única frase legível em meu caderno era “Quem negocia a morte não nega birita!”, e é claro que nesse ano não teve matéria. A feira deste ano estava menor do que a do ano passado, pois tratam-se de duas feiras bienais — uma de defesa nacional e esta outra mais voltada para segurança pública e corporativa.

Um ano depois, voltei ao evento, desta vez com um foco: acompanhar o III Seminário de Segurança LAAD e, de quebra, fotografar uma galera com armas. Este ano, além de não ter a área externa com os tanques, também não havia abundância de armas de verdade para livre manuseio. Talvez tenha a ver com uma treta que rolou no ano passado, quando dois caras foram presos ao sair do evento com duas submetralhadoras calibre 380, o mais curioso é que os ladrões não disseram de que estande roubaram e nenhum estande deu queixa do sumiço.

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Mesmo assim a feira se mantinha imponente e com aquele astral de grande shopping center de armas e afins. Uma grande tendência observada este ano foi o investimento crescente em dois segmentos: softwares de monitoramento por câmeras e equipamentos de proteção e repressão contra tumultos.

Equipamento de proteção utilizado pela Gendarmeria francesa.

A Redot é uma das várias empresas gringas buscando atender a crescente demanda em equipamentos antitumulto no Brasil.

Depois de um passeio para conferir a feira, eu me dirigi ao auditório, onde militares e chefes de polícia de várias cidades participavam de um seminário dividido em três módulos: segurança pública, segurança corporativa e segurança para grandes eventos. O folheto informava que o seminário abordaria os desafios da segurança no ambiente cibernético e em manifestações populares, o que me deixou interessado.

As primeiras palestras que assisti foram com o coordenador de segurança do MetrôRio e o gerente de segurança da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, ambos ex-militares. Os dois apresentaram seus planos e organogramas de segurança para os grandes eventos, além de fotos e vídeos de suas instalações, e concordaram em vários aspectos, sem deixar de lado a velha competição entre Rio e São Paulo. Em outro módulo, assisti a palestras do gerente-geral de segurança do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo, o delegado responsável pelo recém-criado Núcleo de Apoio aos Grandes Eventos da Policia Civil do Rio, do supervisor de inteligência dos jogos olímpicos de 2016 e o assessor do chefe do Centro de Defesa Cibernética para assuntos de planejamento operacional e para os grandes eventos. A maioria das palestras, reforçaram o ciclo de grandes eventos realizados no Rio de Janeiro, que são revelados a partir de 2008, sendo estes os Jogos Mundiais Militares, em 2011, o Rio+20, em 2012, a Copa das Confederações e a Jornada Mundial da Juventude, em 2013, a Copa do mundo, em 2014 e, finalizando, o ciclo de Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, em 2016.

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Tal ciclo de eventos atraiu só no Rio de Janeiro um investimento de dois bilhões de reais na infraestrutura das Polícias, que inclui a criação da Cidade da Polícia, um complexo de 41 mil metros quadrados já em utilização na área portuária que reúne todas as 13 delegacias especializadas da polícia civil, estande de tiro e favela cenográfica. Outro complexo a ser inaugurado no segundo semestre é o COE – Comando de Operações Especiais, que vai reunir os batalhões da Choque, Bope e o Grupamento Aéreo e Marítimo da Policia Militar.

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Os palestrantes do Rio de Janeiro se gabaram com o fato de estarem acostumados a grandes eventos, citando o Carnaval e o Réveillon de Copacabana. Pablo Benício, do MetrôRio foi enfático: “as únicas ocorrências registradas durante o carnaval são de dano ou comportamento inconveniente por parte de jovens embriagados”. O sistema do metrô conta não só com câmeras nas plataformas e corredores das estações como também câmeras projetadas para fora das estações, principalmente na região do centro, justamente nas avenidas que dão acesso ao Maracanã e também sediaram os protestos. Tudo é ligado através de uma rede Tetra ao CICC – Centro Integrado de Comando e Controle; o maior do país, a menina dos olhos dos agentes de segurança, um prédio de quatro andares orçado em 104,5 milhões de reais que conta com um telão de cinco metros de altura por 17 de comprimento, sala de crise e que reúne efetivos da PM, Policia Civil, PRF, Bombeiros, CET-Rio, Defesa Civil, SAMU e as Forças Armadas, além de ter acesso ao monitoramento de câmeras instaladas pela cidade e em viaturas destas agências.

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No caso das manifestações, as transmissões em tempo real também são monitoradas pelos centros de comando, na tentativa de estar um passo a frente dos manifestantes. O coordenador de segurança do MetrôRio explica como a “assessoria de imprensa e redes sociais são fundamentais no metrô, tanto para informar aos usuários eventuais transtornos e atrasos quanto para monitorar vídeos de usuários insatisfeitos e também acompanhamento das mídias ninja, para junto com as imagens das câmeras Dome externas, se antecipar e fechar os acessos às estações quando necessário”. Eu testemunhei essa “ação de inteligência” numa tentativa de Catracaço na Central do Brasil no início do ano. O ponto ápice da apresentação do cara do metrô foi um vídeo que tocava um Beethoven bem num clima laranja mecânica mostrando imagens de depredação capturadas pelas suas no dia 20 de junho, que, ironicamente, foi um recorde de público do metrô. Rolou também um slideshow de altas fotos daquele dia, supostamente tiradas por agentes infiltrados, mas eu reconheci pelo menos duas fotos minhas e outras de vários colegas do front.

Iran Figuereido Leão, da CPTM, começou sua apresentação gabando-se de administrar a maior malha férrea do país, que leva até nove pessoas por metro quadrado e já teve recorde de três milhões de usuários num dia. “Carregamos um Uruguai por dia”. Em seguida, agradeceu a todos os presentes, pela “ousadia do tema”, e aí começou a criticar o que chama de “cultura da violência, defendida por intelectuais rasteiros que escolheram as forças de segurança como alvo. A imprensa é populista, sensacionalista e irresponsável. A cultura brasileira hoje faz apologia ao crime. Temos hoje crianças que não têm foco em ser arquiteto ou advogado… e sim tem como ídolo um traficante”.

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Uma concordância na maioria das palestras é o fato de ser um grande problema agradar a opinião pública. No entanto, muitas vezes, os caras exageravam, defendendo a bala de borracha — ou como gostam de dizer “equipamentos de resposta”. Outra preocupação é quanto às redes sociais. Em sua apresentação, o gerente de segurança da CPTM  exibiu uma página “que uns birutas inventaram” da “União Moratense contra a CPTM” com menos de mil curtidas. Também mostrou um vídeo de um moleque quebrando uns vidros numa estação e disse que, em poucos dias, conseguiu identificar e deter o sujeito, ali mesmo numa estação, que além de responder criminalmente, foi acionado civilmente para repor os danos, pois a “responsabilização dos atos de vandalismo é uma prevenção tardia”.

A palestra mais cheia a que assisti foi do gerente-geral de segurança do COL, José Hilário Nunes Medeiros. Ele começou com a exibição de um vídeo com imagens de grandes momentos da Copa de 2010 (curiosamente, sem nenhuma imagem da seleção canarinho) e então abriu a palestra com a frase “com o intuito de proteger essa emoção é que estamos trabalhando”. Então, ele começou a mostrar o esquema de segurança no perímetro interno e externo dos estádios, que conta com nove empresas contratadas e a implementação de uma figura nova no país o Steward, ou agente de segurança privada para grandes eventos, que fará a segurança nos estádios, desde os detectores de metal e controle de catracas (que terão sensores de reconhecimento facial para registrar todos que entram no estádio) até as arquibancadas. Ele exibiu uma animação bem maneira que, dentre várias possíveis situações, mostra um pelado invadindo o campo. O gerente mostrou números das copas das confederações, que ele disse ter transcorrido “sem nenhum incidente grave, mesmo em BH, onde foi mais violento”, sem citar os dois jovens que morreram após caírem de um viaduto ao tentar fugir da Choque. Terminou garantindo a realização da Copa, que contará com um efetivo 70% maior que a copa das confederações e encerrou a apresentação com aquele vídeo com artistas de rua tocando Stand by Me.

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O tenente coronel Marcus Vinicius, superintendente de articulação e monitoramento da subsecretaria extraordinária de grandes eventos da secretaria de segurança pública do estado do Rio de Janeiro lembrou que no Rio de Janeiro serão 500 mil estrangeiros, chegando a quase 60% do público de alguns jogos. E disse que nem os milhões de pessoas no dia 20 de junho foram capazes de atrapalhar o jogo entre Espanha e Taiti que acontecia no Maracanã a menos de três quilômetros da prefeitura, onde ocorria o ato. Defendeu o modelo de UPP que reúne um efetivo de quase nove mil policiais e até o final do ano atenderá 40 comunidades. Encerrou a apresentação com um vídeo do governo que contava uma história resumida e tendenciosa do processo de favelização do Rio de Janeiro desde que a cidade deixou de ser a capital do país e colocando toda a culpa do crime no usuário de drogas. Em seguida, o delegado Alexandre Henrique Duarte Braga, da NAGE, além de apresentar seu plano de segurança destacou também as ações da Polícia Civil em repressão ao cambismo e proteção às marcas oficiais do evento, mostrando um vídeo da prisão de um camelô que só queria, como todo mundo, faturar uns trocados com essa tal de copa do mundo.

Com a cabeça fundida após um combo de agentes falando mais ou menos a mesma coisa, resolvi dar um rasante pela feira antes que ela terminasse, e o destino foi o pomposo estande da Condor, um dos mais chamativos, com toda sua linha de armamento não letal exibida em vitrines.

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Olha elas aí, as famosas balas de borracha.

A Condor Tecnologias Não Letais é sediada em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, e é líder no país, fornecendo para a PM, Forças Armadas, Policia Civil e até empresas privadas de todo país. Os representantes se recusaram a falar em números por “questões contratuais” e disseram que a venda de seus produtos é condicionada a um treinamento, realizado tanto em seu campo de testes na sede da empresa como nas agências locais.

Eu achava que minha coleção de artefatos coletados nas várias coberturas estava bem completa até ver essas vitrines. Existem vários tipos de gases, apresentados em diversos tipos de granadas e calibres.

“Houve um aumento de demanda” garantiu o assessor de imprensa, e eu quase me ofereci a montar uns filmes publicitários maneiros mostrando esses equipamentos “em ação”, mas preferi ficar com a merreca que a VICE me paga mesmo.

Um dos destaques da feira na mídia foi a PC50, uma máscara de gás importada que tem vários tipos de lentes intercambiáveis, um amplificador de voz e um buraco para o policial se hidratar usando um canudo. Cinco mil unidades foram adquiridas recentemente por cinco agências diferentes, mas cerca de 300 delas já são usadas pela Choque carioca desde a copa das confederações. A grande mídia defendeu que a máscara tem um design intimidante, “estilo Darth Vader”, eu acho que parece mais com os Storm Troppers, mas nas ruas, o apelido que pegou foi “Robocop”.

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Umas espécies de próteses bem realistas e nojentas são usadas nas simulações.

Uma turma do exército participou das simulações.

Tinha esse estande bem maneiro de uma empresa gringa com uns bonecos e próteses usados para simular ferimentos de balas de diversos calibres para serem utilizados em simulações de operações de emergência.

Este me lembrou o do Short Circuits.

Esse é o H1 utilizado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Granadas improvisadas como estas são comuns nas favelas cariocas.

Os robôs são controlados com joysticks tipo do Playstation.

Outro destaque da feira eram os simpáticos robôs como esses, que passeavam pela feira. Conversei com um agente do CORE, que me explicou que, embora ameaças à bombas sejam raras no Rio de Janeiro, nosso cenário de guerra com o narcotráfico muitas vezes deixa para trás granadas ou explosivos improvisados falhados pelo caminho, e os robôs e a roupa especial são necessários para sua desativação. No entanto, o cenário de bombas não pode ser descartados durante os grandes eventos.

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O coronel Augusto Cesar de Brito Junior, responsável pela Inteligência dos Jogos Olímpicos, comentou uma matéria recente na qual uma apreciação com a opinião pessoal de um analista de risco da ABIN foi vazada. Nessa apreciação, eles indicavam como nível de risco alto, greves, manifestações e violência urbana, como nível médio, manifestações de torcidas organizadas e nível baixo, o terrorismo e o crime organizado. “Sempre há uma primeira vez. O Terror é direcionado pelo alvo. Temos de ter uma atenção para a tríplice fronteira” foram algumas das frases do araponga, que encerrou sua apresentação com uma frase de Rui Barbosa, “diferente de antigamente, quando eu terminava com frases de generais”. A frase em questão era: “Maior que a tristeza de não haver vencido é  a vergonha de não ter lutado”.

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O Estande da “Laser Shots” era pequeno, mas estava sempre bombado. Lá rodavam dois programas: um simulador de tiro de fuzil ambientando no oriente médio, em que você passava o rodo em combatentes uniformizados, e um outro de pistola, ambientado no México, com várias situações de assalto, reféns, etc.

Depois de apagar uns bandidos mexicanos, flagrei o papo desta coroa com um militar, dizendo que quem deveria ser punido pelo massacre do Carandiru deveriam ser os comandantes e o governados, “ainda que eles só tenham matado bandido!!!”.

“Faz uma fotinho pro Face, amiga!”

Num momento, umas minas que estavam num estande de uma montadora de carros colaram no estande para brincar também, e foram prontamente atendidas por uns caras babões. Do meu lado, tinha uma turma de mulheres do Exército e eu pude flagrar uma falando para a outra: “Ih! Essa aí? Não aguenta um plantão inteiro com um 762 carregado mermo…”.

A lição do dia foi que o verdadeiro legado dos grandes eventos são os milhões investidos nessa indústria de monitoramento e repressão pública. A privatização da segurança e militarização da sociedade. Uma apresentação da Microsoft sobre o software “Domain Awareness System” intitulada “Nova Iorque contra o crime” pintava um cenário ainda mais aterrorizador. Lá, o modelo adotado por aqui, que conta com um policial atrás de vários monitores, tentando identificar crimes e atividades suspeitas é considerado ultrapassado, até porque tira os policiais das ruas. Lá, uma cidade coberta há anos por câmeras, inclusive nas viaturas e no uniforme dos próprios policiais, eles construíram um enorme banco de dados de 1,2 Pentabytes de processamento, em que diferentes agencias ou policiais podem setar alarmes para atividades suspeitas e, quando identificadas pelo sistema, são apresentadas em segundos ao policial, esteja ele numa central de comando, em sua viatura, tablet ou smartphone, apresentando todos os dados dos local da ocorrência. Utilizando reconhecimento facial e de placas, ele informa desde os veículos e pessoas que costumam transitar por ali até quais carros e pessoas naquela área já foram parados pela polícia, ou têm passagem pela polícia.

Se você já “tocou o piano” em NY, não faça nenhuma besteira e torça para nunca estar no local ou hora errada, pois você certamente está sendo monitorado. Por aqui, o sistema está longe de chegar nesse patamar, mas neste fim de semana a integração do CICC com o CICC móvel via satélite foi testado no jogo do Flamengo e Vasco no Maracanã. Até o final dos grandes eventos, veremos certamente muitos avanços nessa bigbroderização da segurança pública, e não tenho certeza que, depois disso tudo, eles continuem inventando algo para manter os investimentos no setor, senão, teremos aí mais uma bolha e sucateamento.

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