Fui a um Encontro com as Maiores Gangues de Motoqueiros no Texas

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Fui a um Encontro com as Maiores Gangues de Motoqueiros no Texas

Esse é o 20º ROT Rally, um bacanal que acontece todo verão em Austin, Texas, com pilotos audaciosos pulando caminhões da Budweiser, além de um show do Lynyrd Skynyrd, das barracas de tatuagem e das dezenas de clubes de motos.

"Quem curte peitos? Eu curto!"

Um cara de barba laranja estilo ZZ Top grita para mim enquanto aperta os peitos de uma morena ao lado dele por cima da camiseta vermelha dela. Eles estão bebendo cerveja atrás de um carrinho de golfe, e eu estou na garupa de uma Harley Road King, atrás de um tio de 54 anos que acabei de conhecer. Greg, meu motorista, ri, e seus cachos cor de pêssego balançam a centímetros do meu nariz. Aceleramos, seguindo pelo meio da marcha de motoqueiros do Republic of Texas Rally: um enxame anárquico de motos, milhares delas, circulando num campo enorme de Austin. Alguns motoqueiros se empilham em carrinhos de golfe, bebendo e curtindo. A maioria faz pausas para se misturar às massas nas laterais naquela loucura de 128 acres.

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Esse é o 20º ROT Rally, um bacanal que acontece todo verão em Austin, Texas, com pilotos audaciosos pulando caminhões da Budweiser, além de um show do Lynyrd Skynyrd, das barracas de tatuagem e das dezenas de clubes de motos. Cerca de 40 mil motoqueiros de todo o país trazem seus trailers e piscinas infantis para os terrenos do Travis County Expo, acampando ali por três noites.

"Isso nunca perde a graça", me diz Greg, um eletricista que mora ao norte de Austin, seu sotaque escorrendo entre as sílabas como molho de churrasco.

Ainda são cinco da tarde, mas a massa de gente de meia-idade já está animada: passamos por um grupo de moças com os peitos pintados com aerógrafo, uma fila de caras girando colares do Mardi Gras, uma mulher feita de balões chupando um pênis de borracha gigante e uma imitadora da Marilyn Monroe de 100 quilos esfregando os peitos numa escultura de gelo, tudo em cerca de dois minutos.

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Motores cospem fumaça e roncam. Música mariachi, country, rap e Kelly Clarkson se misturam no calor do Texas. Quase atropelamos um bêbado cor de lagosta desmaiado na grama, um com chapéu de cowboy cobrindo o rosto. Uma moto dourada, com um cartaz de papelão de "recém-casados", está estacionada perto dos banheiros químicos.

"Isso é liberdade", afirma Greg, seus olhos encontrando os meus pelo retrovisor. "Cê tem o vento, o ar, cê tem tudo."

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"Quem é seu papai? Onde seu papi te encontrou?", um cara de cabeça raspada e fantasia de juiz grita para nós pelo alto-falante da lateral. Eu tremo, e o Greg segue em frente.

"Cadê o Patrick?", penso, olhando para o meu celular na esperança de achar uma mensagem de Patrick Bresnan, o fotógrafo da VICE que veio comigo. E, sim, ele me mandou uma mensagem: "Achei os Bandidos".

Os Bandidos são exatamente quem estávamos procurando. Maior gangue de motoqueiros do Texas – e a segunda maior do mundo –, os Bandidos pairam sobre o ROT deste ano como uma nuvem negra depois do tiroteio com uma gangue rival em que o grupo se envolveu em 17 de maio em Waco. O enfrentamento num restaurante Twin Peaks, que deixou nove mortos e mais de 170 presos, começou um debate acalorado, especialmente no Texas, sobre a violência da cultura dos clubes de motos e a resposta pesada das autoridades.

Participantes regulares do ROT me dizem que o público despencou no evento deste ano, que acontece cerca de um mês depois de Waco. Patrick, que vem cobrindo o ROT há anos, estima que o público de 2015 foi metade do presente no ano passado.

"Tenho amigos que ficaram com medo de vir neste ano", disse Lenny Galvon, um motoqueiro de Cospus Christi que toma uma cerveja na grama enquanto espera Bubba Blackwell, um Evil Knievel moderno usando um macacão com a bandeira americana, pular em sua Harley. "Mas eles não tinham que ter se preocupado. Aqui todo mundo respeita todo mundo."

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A maioria dos caras com quem falei defendeu sua "família" de motoqueiros e criticou veementemente a polícia por prender tanta gente em Waco. A Confederação de Clubes e Independentes do Texas, o grupo de motoqueiros e clubes que estava realizando o encontro no Twin Peaks quando o tiroteio começou, está vendendo camisetas pretas com o slogan "Motoqueiro Inocente" para levantar dinheiro para a família dos presos.

"Era para eu estar em Waco naquele dia", um membro da confederação, que se identificou apenas como Ty, me conta na banca de camisetas. Ty, que ensina caratê para crianças em Austin, é alto, tem cara de bebê e usa uma jaqueta de couro com bordados das bandeiras do Texas e dos EUA. O encontro de Waco, segundo ele, tinha sido organizado para discutir leis pendentes que afetariam os motoqueiros e para dar aulas de segurança para motos.

"Organizamos reuniões quase todo mês há dez anos e nunca tivemos um olho roxo ou nariz quebrado. O que aconteceu, isso foi coisas de baderneiros", me diz Ty, explicando que perdeu a reunião porque ficou preso no trânsito. "O espírito dessas reuniões é fortalecer a comunidade."

Ty me fala que os "direitos dos motoqueiros foram pisoteados", já que a polícia prendeu tanta gente sem provas de envolvimento. O advogado de dois motoqueiros presos está tentando baixar o valor de US$ 1 milhão das fianças, argumentando que isso está sendo usado como um "instrumento de opressão". Um detido em Waco está processando a cidade e a polícia por prendê-lo sem causa provável. Enquanto isso, motoqueiros do Texas têm realizado protestos em todo o Estado, defendendo que a maioria dos presos estava só no lugar errado na hora errada.

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"Eles violaram nosso direito de reunião pacífica… eles chamam os motoqueiros de gangues por causa dos uniformes", critica Ty. "Mas ensino caratê e nós usamos uniformes, sou presidente do Lyons Club de West Austin e nós usamos uniformes. Isso nos torna uma gangue?"


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Teorias da conspiração brotam pelo ROT, a mais popular delas sendo a ideia de que foi a polícia que deu o primeiro tiro. Frank Eckrode, um ex-motoqueiro com enfisema que parece personagem de As Vinhas da Ira, se remexe em sua cadeira no gramado quando o tiroteio é mencionado: parece que seus olhos azuis vão saltar do seu rosto magro.

"Acho que foi a polícia. Servi 20 anos no Exército e fico puto que eles tenham feito isso justo antes do Memorial Day. Por que vocês fizeram esse desserviço comigo no Memorial Day, seus putos?", ele protesta, chacoalhando seu cigarro apagado. "É tudo mentira. O que aconteceu com o meu país?"

Com tantos motoqueiros ansiosos para falar sobre o assunto, Patrick e eu caminhamos otimistas até os Bandidos. Diferentemente das outras barracas, a área dos Bandidos está cercada por uma rede néon laranja. Dois seguranças musculosos de óculos escuros estão na entrada, bloqueada com uma corda amarela. Eu me aproximo sorrindo e digo aos guardas que sou jornalista; logo, vários outros grandalhões de preto se aproximam da corda, nos encarando.

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Pergunto se eles têm algo a dizer sobre o que aconteceu em Waco. "O que aconteceu em Waco?", devolve o cara mais alto e cabreiro. "Você sabe…", respondo, tentando tirar alguma coisa deles. "Não sei o que aconteceu em Waco. Nada aconteceu, que eu saiba." Seus olhos escuros estão bem abertos e um sorriso cheio de dentes aparece em seus lábios.

Nos afastamos, e eu volto para a festa. Patrick fica ali para tentar tirar algumas fotos da barraca dos Bandidos. Um pouco depois, enquanto eu tentava achar um lugar no gramado para o show do Lynyrd Skynyrd, Patrick me liga. Os policiais o expulsaram do encontro, mas não disseram por quê.

Corro de volta até a barraca dos Bandidos, inalando a fumaça das churrasqueiras e dos cigarros no caminho. Chegando lá, pergunto por que um fotógrafo tinha sido expulso. Um cara barbudo de preto, sentado atrás da rede laranja, me convida para entrar, sorrindo para mim como se eu fosse um cachorro idiota.

"Não, a polícia veio e perguntou se estávamos sendo incomodados, disseram que eles tinham ouvido que alguém estava nos incomodando. Eu disse que vocês tinham aparecido, e eles foram embora."

Uma manada de preto, espumando testosterona, aparece atrás dele. Um homem que conheci na barraca da Confederação de Clubes e Independentes está no meio deles. Ele tinha se recusado a falar comigo mais cedo, mas se aproximou e contou que tinha sido âncora de jornal no passado. "Estou te dizendo como repórter: é melhor você pegar leve", ele afirma, chegando mais perto. O homem de barba o acalma.

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"Não quero confusão, eu sei", recuo, partindo até a barraca de outro clube, o Blackett Arms, cujos membros também estavam no encontro de Waco, de acordo com uma petição que os motoqueiros fizeram circular pelo encontro. "Os policiais vieram até aqui também. Não deveríamos estar falando sobre isso", me avisa uma mulher na barraca do Blackett Arms. "Eles pediram sua descrição. Pode ter certeza de que eles estão te procurando também."

Abalada, corro de volta até a rota da marcha entre uma debandada de motos, os motores roncando mais alto a cada segundo. Grito quando ouço o que penso ser um tiro, mas é só uma bombinha que estourou perto da minha sandália. Pisca-piscas de Natal pendurados em carrinhos de golfe me parecem luzes de alerta. Ali perto, pernas cheias de veias se enrolam num poste de metal, peitos nus batendo contra ele. Chifres que brilham no escuro e uma bandeira de caveira flutuam no escuro. Uma cena que parecia agradável horas antes me parece assustadora agora.

Volto ao gramado, agora lotado com o Lynyrd Skynyrd no palco e luzes vermelhas se espalhando pela multidão. "E aí, Texas? Porra, é sábado, como vocês estão? Quantos fãs das antigas do Lynyrd Skynyrd estão aí?", uiva Johnny Van Zant, jogando o cabelo e balançando uma bandeira americana presa em seu microfone. "Aliás, ainda achamos que os EUA são o melhor lugar na porra da Terra!"

Perto de mim, um homem rotundo, bêbado, usando regata amarela e bandana, puxa pistolas de ar e canta junto. Uma mulher magra, de aparência doente, suga uma dose de gelatina alcoólica; depois, aperta os olhos e torce o nariz. "É hora de o sul se levantar de novo", grita Van Sant, agora levantando uma bandeira Confederada. A banda começa "Sweet Home Alabama", indo depois para "Free Bird", e não consigo deixar de gritar com a multidão. Percebo que é hora de dar o fora daqui. Corro entre um labirinto de caos, tentando achar uma saída.

Alguns dias depois, a polícia e os organizadores do ROT confirmaram que Patrick foi expulso por fotografar os Bandidos. "Os caras do ROT notificaram nosso pessoal, dizendo que havia uma perturbação na área dos Bandidos", afirmou Roger Wade, porta-voz do xerife do Condado de Travis. "Eles disseram que Patrick estava insistindo em tirar fotos e fazer perguntas, que era uma perturbação verbal."

Um porta-voz do encontro, que se identificou apenas como Matt (ele se recusou a dar seu sobrenome), contou que os organizadores receberam ligações de motoqueiros reclamando sobre um fotógrafo perto da barraca dos Bandidos. Ele não me falou quem tinha feito as reclamações. "Recebemos reclamações dos acampantes dizendo que ele estava causando problemas. Eles não queriam que ele tirasse fotos. Se alguém está tirando fotos e incomodando os participantes, nos reservamos o direito de expulsar a pessoa", frisou Matt. "Esse é um evento particular."

Siga a Meredith Hoffman no Twitter.

Patrick Bresnan, também conhecido como Otis Ike, é um fotógrafo, artista plástico e cineasta de Austin. Veja mais do trabalho dele aqui.

Tradução: Marina Schnoor