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Fui filmada numa manifestação

Acompanhei o ato que pediu transparência na investigação da morte de Viviane Alves, a estagiária de direito que disse ter sido dopada e estuprada na festa de fim de ano da empresa. De dentro do prédio, alguém nos filmava.

Na quarta-feira passada, em pleno horário de rush, acompanhei cerca de 100 pessoas que realizaram um ato em frente ao prédio onde fica o escritório da Machado, Meyer, Sendacz e Opice, uma das maiores firmas de advocacia do país. O assunto ali era a morte de Viviane Alves Guimarães Wahbe, de 21 anos, estudante de direito da PUC-SP e estagiária do escritório. No dia 3 de dezembro, ela foi encontrada morta depois de cair do sétimo andar do prédio onde morava com a família, no Morumbi. As investigações apontavam incialmente a hipótese de suicídio, mas depois que os relatos de sua mãe entraram na história, o registro foi mudado para “morte suspeita”.

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Segundo o que foi divulgado até agora na imprensa, a gota d’água se deu no dia 24 de novembro, quando o escritório realizou uma festa no pomposo buffet Fasano, no Itaim Bibi. De acordo com a mãe, Viviane comentou que era assediada pelo chefe no trabalho. Sobre a festa, disse que havia tomado duas taças de champanhe e depois tinha apenas flashes de memória, mas afirmava ter sido dopada e estuprada. Para voltar para casa, dividiu um táxi com um amigo da empresa.

Na segunda-feira, 26 de novembro, o tal amigo haveria espalhado para colegas do trabalho que os dois fizeram sexo dentro do carro.

Foi depois do episódio da festa que Viviane passou a dizer coisas estranhas, como “Tem uma coisa muito ruim dentro de mim”, “Eu sinto que estou morrendo” e “Tem muita droga dentro de mim”. Levada ao hospital, ela foi medicada com Topamax, uma droga indicada para o tratamento de epilepsia, enxaqueca e transtorno de humor. A bula do remédio diz que "Pacientes devem ser monitorados para os sinais de ideação e comportamento suicida e tratamento apropriado deve ser considerado". O Uol escreveu que a mãe suspendeu o uso do remédio depois da primeira dose, justificando que a filha passou a ter alucinações. Entramos em contato com o Ceatox (Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas) para entender melhor os efeitos do medicamento, mas até a publicação desta reportagem não recebemos resposta.

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Em 3 de dezembro, dois dias depois da consulta, Viviane Alves foi encontrada morta. E nua.

A polícia apreendeu notebook, celular e anotações da garota. O caso ainda está sendo apurado.

A ideia do ato da semana passada partiu de estudantes da PUC, da USP e de coletivos feministas. Lá, todo mundo foi cauteloso: algumas pessoas não quiseram dar entrevista e quem topou conversar comigo teve medo de dizer o nome completo. Tudo aconteceu de forma pacífica e com a escolta de alguns carros da polícia. Cartazes traziam dizeres como “És-tu-pró Viviane?”, “Chega de silêncio, somos todas Viviane” e “Machado Meyer, quem não deve, não teme”.

Em um dos andares do luxuoso prédio na Avenida Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste de São Paulo, dava para ver uma câmera fixada num tripé — que lá permaneceu, do começo ao fim, apontando para quem estava no ato. Um cara, dentro do edifício e escondido entre plantas, também passou a gravar os manifestantes. Ao microfone, uma garota alertou a todos que estavam sendo filmados e que isso não atrapalharia a manifestação. Curiosos, funcionários do prédio se debruçavam à janela para observar o que acontecia na rua.

Como mencionei antes, não estamos falando de qualquer escritório de advocacia. O Machado Meyer cuidou de casos famosos, como o escândalo de trabalho escravo na linha de produção da Zara. Segundo um ranking divulgado pela Bloomberg, eles movimentaram R$19,9 bilhões de reais em 2011, entre fusões e aquisições que aconteceram no país. Ao digitar “Machado Meyer” no Google, a ferramenta dá opções de complemento como “suicídio” e “morte”, algo realmente péssimo para uma empresa que define “liderança” e “pioneirismo” como seus traços marcantes.

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“Teve uma galera que se preocupou com a possibilidade da família da Viviane não querer esse ato, mas é um problema político e resolvemos nos mobilizar”, disse Ticiane, estudante de direito da USP, também integrante da Anel (Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre) e do Movimento Mulheres em Luta. “Ao descartar a possibilidade de estupro, a polícia tira a credibilidade da própria Viviane, do que ela mesma contou à mãe”, falou.

Um garoto de jaleco azul me perguntou o que estava rolando ali. Expliquei. Ele contou que seu nome era Neto, tinha 15 anos e era feirante. Estava só de passagem, mas acabou ficando. Depois de 15 minutos ele já estava no meio da galera, gritando junto.

Depois da concentração em frente ao prédio, onde entoaram gritos como “Se tem violência contra a mulher, a gente mete a colher” e “Viviane vive. Chega de Silêncio. Justiça já!”, os manifestantes caminharam por toda avenida Brigadeiro Faria Lima até alcançar a estação de metrô, por volta das 20h. Neto foi junto. Até o fim.

São diversos os fatos que me intrigaram ao tomar conhecimento do que aconteceu com Viviane. A grande imprensa brasileira é um deles. São poucos os veículos que publicaram o nome do local onde a garota trabalhou. A maioria se restringiu a dizer que ela era estagiária de “um grande escritório de advocacia”. Além do mais, sua morte só foi divulgada dias depois. Em nota oficial, o escritório disse lamentar o ocorrido e que, em respeito à memória de Viviane e ao sofrimento de seus familiares, não se manifestará sobre o fato.

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No início do mês, o jornal O Globo (e somente esse veículo) publicou uma matéria dizendo que a polícia considera cada vez mais remota a hipótese dela ter sido drogada e estuprada. Acidente e transtornos psíquicos estariam entre os motivos investigados.

Conversamos recentemente por telefone com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e fomos informados que o caso está em segredo de justiça e, por ordens do delegado, nada pode ser comentado. Espero que, seja quem for que sorrateiramente registrou em vídeo a manifestação, emule essa mesma discrição em relação às imagens que (certamente) fizeram de mim.

Siga a Débora Lopes no Twitter: @deboralopes

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