Os pratos brancos com macarrão, molho de tomate e arroz começam a se multiplicar. O relógio marca meio-dia quando uma, duas, cinco mesas são preenchidas por torcedores na quadra dos Gaviões da Fiel, no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. A refeição é rápida. Quinze minutos depois, a organizada está preparada para mais um protesto nas ruas, dessa vez em frente à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
Publicidade
Desde o começo do ano, a torcida tem feito manifestações fora dos estádios e levado faixas nas arquibancadas contra a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Federação Paulista de Futebol (FPF), Rede Globo e o deputado estadual Fernando Capez (PSDB), um dos principais opositores das organizadas e o presidente da Assembleia Legislativa do estado.
O protesto foi chamado na encolha pela diretoria da torcida na quarta-feira (30) depois da partida contra a Ponte Preta. O plano era ir de ônibus fretado, mas uma lei municipal molhou as intenções dos torcedores: é proibido transitar sem autorização pela Zona de Máxima Restrição de Fretamento, que inclui a Avenida 23 de Maio e Avenida Brigadeiro Luís Antônio. O jeito foi lotar busão de linha mesmo.
Uma centena de torcedores embicou na Rua Sérgio Tomás por volta de 12h15 e seguiu a pé até a Avenida Rudge. Lá, se enlataram no ônibus de número 1500 com sentido à Praça do Correio. Dentro do coletivo, sob o olhar intrigado dos passageiros habituais, cantavam os hinos de protesto já comuns dentro e fora de campo. A torcida desembarcou no ponto final e seguiu por alguns metros até a Avenida Tiradentes para o segundo ônibus, o Metrô Jabaquara 175T.
Antes da manifestação, os torcedores se reuniram e a diretoria fez uma breve preleção. "Não é pra xingar ninguém individual, vai passar um assessor, um vereador. Não queremos treta, viemos aqui pra falar de Capez, CPI e merenda. São só essas ideias."
Às 13h05 os Gaviões se aglomeraram em frente à porta principal da Assembleia Legislativa e começaram a cantar para uma plateia formada por meia dúzia de policiais militares e alguns funcionários da instituição. Parte dos trabalhadores apoiava o ato — um deles incitava os torcedores a entrarem na Casa. "Uni, duni, tê. Criança na escola não tem o que comer. Alô, alô Capez pode pagar pra ver. Os Gaviões chegou pra derrubar você", entoaram, antes de emendar o já clássico "Eu não roubo merenda, eu não sou deputado. Trabalho todo dia, não roubo meu Estado". Os cantos duraram meia hora.
Publicidade
"A gente veio aqui hoje pelo que não vem sendo noticiado. Essa é uma pauta triste que não se fala. Está faltando merenda nas escolas", explica o diretor da agremiação Fabricio Pouseu. "Viemos pra cobrar a CPI da merenda e cobrar que os responsáveis sejam punidos e julgados."Só para ficar claro: há uma investigação policial rolando neste caso do escândalo das merendas, inclusive nesta terça-feira (29) seis acusados foram presos, entre eles Leonel Julio, ex-presidente da Assembleia Legislativa. O que a torcida pede é uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), ou seja, uma investigação comandada pelo Poder Legislativo.Com os punhos cerrados apontados para o céu, a torcida cantou o hino nacional e depois repetiu a dose de costas para a Assembleia Legislativa segurando uma faixa preta com os dizeres: "CPI da merenda já".
Fabricio faz questão de frisar a pacificidade do ato. "É bom lembrar que foi mais um protesto pacífico. Assim serão os nossos próximos protestos também. A nossa intenção é fazer o bem", falou.Nas últimas partidas do Corinthians, porém, a paz não tem reinado. Os torcedores, não só os organizados, têm denunciado agressões policiais dentro e fora do estádio.
O bonde ocupou por pouco tempo uma das faixas da Avenida Pedro Álvares Cabral e deu a volta na Assembleia Legislativa. Um silêncio pairou quando os cem torcedores passaram pelas barracas dos intervencionistas, ali há mais de um mês. A tensão demorou longos segundos, mas logo se dissipou no ar.Do mesmo jeito que apareceu, do nada, os Gaviões voltaram. Eles deixaram a faixa "CPI da merenda já" repousada num viaduto próximo ao parque do Ibirapuera, pegaram o busão na Avenida 23 de Maio até o Largo da Santa Cecília e andaram mais de três quilômetros até a sede. Os protestos, segundo prometem, não param por aqui.