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Gays Enfrentam Horrores nas Mãos do Estado Islâmico, mas Poucos Podem se Refugiar nos EUA

Segundo ativistas, apesar da atenção crescente ao problema os passos básicos no processo de reassentamento de pessoas perseguidas por sua identidade sexual ou de gênero são árduos e há poucas brechas para aqueles fugindo do conflito.

O Conselho de Segurança da ONU realizou na segunda-feira passada sua primeira sessão devotada à discriminação enfrentada pela comunidade LGBT cujo foco era o perigo enfrentado pelos indivíduos LGBT nos territórios controlados pelo Estado Islâmico no Iraque e Síria. Mas ativistas dizem que, apesar da atenção crescente ao problema, passos básicos no processo de reassentamento de pessoas perseguidas por sua identidade sexual ou de gênero são árduos, e há poucas brechas para aqueles fugindo do conflito nos dois países.

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O sírio Subhi Nahas e um iraquiano que usou o pseudônimo Adnan testemunharam diante do Conselho a portas fechadas, uma reunião informal organizada pelos EUA e Chile. Nahas conseguiu fugir da Síria no ano passado, porém Adnam falou de um local não revelado por preocupações com sua segurança.

Nahas afirmou que o EI é apenas o último – e mais extremo – grupo na Síria a visar a comunidade LGBT. Ele contou ao Conselho que o governo começou uma campanha na mídia para enquadrar oponentes do regime como homossexuais no começo da guerra civil, em 2011.

"Logo depois, as autoridades começaram batidas sistemáticas em locais onde pessoas gays se encontravam", falou Nahas. "Muitos foram presos e torturados."

Em 2012, Nahas foi preso pelos soldados do governo, que o levaram para uma casa onde ele foi espancado.

"Eles notaram meu comportamento e zombaram de mim, me chamando de bicha, mulherzinha e outras profanidades", ele frisou.

Denunciado por seu psicólogo aos 15 anos e forçado a ficar no armário pela família, Nahas disse que não havia espaço aberto para gays e lésbicas na Síria antes de 2011. As únicas reuniões LGBT que ele conhecia envolviam membros do governo de Bashar al-Assad.

"Eles notaram meu comportamento e zombaram de mim, me chamando de bicha, mulherzinha e outras profanidades."

"Elas eram organizadas por pessoas do alto escalão do governo; por isso, a polícia não as invadia", Nahas contou à VICE depois da reunião. "Mas mesmo essas eram muito raras, muito secretas."

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Falando para o Conselho, Nahas descreveu a presença excruciante de Jabhat al-Nusra, o braço da Al-Qaeda na Síria, em sua província, Idlib, em 2012.

"Depois de prenderem e torturarem um homem efeminado, eles anunciaram numa mesquita que iam limpar a cidade daqueles envolvidos em sodomia", ele relatou. "Mais prisões se seguiram, mais homens foram torturados para confessar seus pecados. Alguns foram mortos. Eles e outros grupos islâmicos executaram mais acusados de serem homossexuais naquele ano."

Nahas se escondeu em casa, onde seu próprio pai o ameaçava e batia por ser gay. Em 2014, o EI se tornou mais proeminente em Idlib.

"Eles intensificaram o ataque a pessoas suspeitas de serem LGBT, publicando imagens de suas façanhas… se uma vítima não morria depois de ser jogada de um prédio, as pessoas da cidade a apedrejavam até a morte", ele completou. "Esse deveria ter sido meu destino também."

Naquele ano, ele fugiu para a Turquia, mas um antigo amigo, que tinha se juntado ao EI, continuou a ameaçá-lo de morte. "Ele me ligou de [algum lugar] dentro da Turquia dizendo que eu veria o rosto dele em breve", Nahas contou ao Conselho.

Denunciado em 2013, Adnan relatou também ter sido atacado e espancado antes de o EI tomar controle da área em que ele vivia no Iraque.

"Os últimos anos têm sido muito, muito difíceis", Adnan confessou ao Conselho. "Se membros de milícias ou militares descobriam que alguém era gay, eles prendiam, estupravam e torturavam a pessoa. Muitos assassinatos eram supervisionados pelo Exército Iraquiano."

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"Algumas pessoas tiveram o reto colado e foram abandonadas no deserto para morrer", ele frisou.

Quando Adnan estava na universidade, o EI capturou a cidade onde ele vivia, e um de seus colegas de classe, que se juntou ao grupo, começou a ameaçá-lo por telefone. Como Nahas, Adnan estava consciente do método preferido do EI para matar homossexuais: jogá-los de prédios – e, se eles sobrevivessem, apedrejá-los até a morte.

"Um tempo depois, combatentes do ISIS apareceram na minha casa e anunciaram minha homossexualidade para minha família", ele falou ao Conselho por videoconferência. "Eles disseram que queriam trazer a punição de Deus contra mim."

"Minha própria família se voltou contra mim quando o ISIS apareceu", ele reiterou. "Eu tive de fugir ou seria morto."

No entanto, para as pessoas LGBT do Iraque, fugir oferece pouco alívio. Apoiadas pelos iranianos, milícias xiitas poderosas foram empregadas pelo governo de Bagdá, apoiado pelos EUA, para combater o EI – e elas também matam homossexuais, relatam ativistas. Em 2012, milícias mataram dezenas de homens acusados de serem gays nas proximidades de Bagdá. No ano passado, a milícia Asa'ib al-Haq postou avisos de "Procurado" para 23 indivíduos que teriam cometido atos homossexuais.

Enquanto Adnan continua fugindo, Nahas foi um dos poucos sírios que tiveram permissão para se reassentar nos EUA.

Segundo a agência de refugiados da ONU, a UNHCR, dos 4 milhões de refugiados da guerra civil na Síria, os EUA até agora receberam apenas 1.300. Falando com os repórteres depois da reunião, a embaixadora americana Samantha Power comentou que mais tem de ser feito pelos sírios, incluindo aqueles que se identificam como LGBT.

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"Quando falamos de um país em particular, geralmente falamos sobre direitos humanos ou sobre a crise, digamos, enfrentada pelas mulheres e garotas no conflito. Mas precisamos garantir que nossas embaixadas e a ONU supervisionem como as pessoas LGBT são tratadas", completou Power.

Mas oficiais dos Serviços de Imigração dizem que não fazem ideia de quantos sírios LGBT estão entre as 1.300 pessoas que chegaram em 2011.

"Não temos nenhuma informação que permita dizer quantas pessoas que se identificam como LGBT foram reassentadas", destacou Christopher Bentley, porta-voz da agência, à VICE.

Na terça-feira passada, oficiais dos EUA informaram que vão receber entre 5 mil e 8 mil refugiados sírios no ano que vem – ainda uma porção minúscula dos 2,2 milhões de refugiados sírios que se registraram na UNHCR. É através da agência que a maioria dos refugiados é recomendada às autoridades de imigração norte-americanas.

Para refugiados LGBT fugindo da Síria, a discriminação enfrentada em casa poderia ajudá-los a se reassentar no exterior, porém poucos estão dispostos a se identificar como tal, falou Neil Grungas, diretor executivo da Organization for Refuge, Asylum & Migration (ORAM), à VICE News.

Apesar de a UNHCR não manter registros daqueles que se identificam como LGBT, dos 100 mil refugiados do mundo que foram reassentados em 2014 e 2015 – 70 mil deles nos EUA –, Grungas estima que menos de 200 tenham se identificado como LGBT aos oficiais lidando com seus casos.

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"Eles têm pavor de se identificar", ele afirmou. "O que geralmente acontece é que a verdadeira base de seus pedidos, o motivo mais iminente e urgente para escapar, é que eles são LGBT, mas eles escondem isso."

Grungas disse que indivíduos LGBT geralmente inventam outro motivo para fazer o pedido de asilo.

"E eles têm o pedido negado porque estão mentindo", ele destacou.

A UNHCR não possui registros do número de indivíduos procurando reassentamento com base em sua identidade sexual ou de gênero.

Nahas, que atualmente trabalha com a ORAM em São Francisco, contou que se identificar como LGBT para os oficiais de imigração é uma aposta.

"Dizer que você é gay ou lésbica no escritório deles pode te garantir o status de refugiado ou não", ele falou à VICE. "Se você disser que não é LGBT e for, é muito provável que seu caso seja negado."

"Quando você vai ao escritório da UNHCR ou a outras agências, a sala de espera está cheia de pessoas; então, algumas delas podem ter preconceito e te atacar verbal ou fisicamente", acrescentou Nahas.

Grungas disse que oficiais da UNHCR e outros funcionários dos governos melhoraram a maneira como eles lidam com os pedidos de refugiados LGBT desde o começo da guerra civil na Síria. Embora o maior problema seja o fato de que poucos refugiados sírios puderam se reassentar em qualquer lugar. Ele ratificou que seria significativo se os governos reservassem lotes para refugiados LGBT, algo que nenhum país faz ainda.

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"Todo mundo precisa fazer mais", ele frisou.

Mas ausências e silêncio de alguns países na sessão do Conselho mostram que nem todos os membros apoiam a mensagem dos EUA e do Chile. Dos 15 membros do Conselho, Chade e Angola não mandaram representantes, enquanto China, Rússia, Nigéria e Malásia preferiram não pronunciar sequer uma palavra.

Assista ao documentário da VICE sobre o Estado Islâmico

Tradução: Marina Schnoor