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Tecnologia

‘Grim Fandango’, um Game Sobre a Morte, Se Recusa a Morrer

Apesar de todas as dificuldades em seu caminho, Grim Fandango levantou-se dos mortos.
​Crédito: Twinfinite

Em 1998, o mundo dos games se via em meio a uma espécie de Renascença: o Nintendo 64 havia superado as expectativas com Ocarina of Time, o Playstation conseguiu uma franquia próspera com Metal Gear Solid e Half-Life deu início a uma série de reações em cadeia nos PCs. Títulos como estes definiriam permanentemente a relação que as pessoas tem com os videogames. Enquanto isso, o gênero de adventures para PC estava prestes de presenciar o surgimento de um campeão através de Grim Fandango.

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Apesar de todas as dificuldades em seu caminho, Grim Fandango levantou-se dos mortos, remasterizado e polido para consoles modernos, como documentado aqui por Jon Irwin, do Kill Screen. Trata-se de um game recheado de crimes, caveiras e folhetos de viagem; um game do qual lembro vividamente andar com o manual pra cima e pra baixo pra mostrar pros outros. Ao entender que não estava sozinho em minha paixão por Fandango, perguntei a outros desenvolvedores de games modernos sobre como eles se sentiam à respeito desta seminal aventura esquelética.

"O desenrolar de seu escopo era extremamente inesperado", declarou Scott Benson, animador e cocriador do vindouro Night in the Woods. "O roteiro parecia muito mais sofisticado que muitos outros jogos do tipo Olha-Só-Isso-Aqui-Galera que vemos com maior frequência. É cheio de bobagens, mas não chega a ser bobajada pura. É bastante obscuro, mas não terrível. É um jogo cheio de personagens adoráveis com os quais você gostaria mesmo de passar um tempo junto. E em diversos momentos era um jogo extremamente divertido, não tem como dar errado."

À época do lançamento de Fandango, jogos do tipo adventure haviam atingido seu ápice. A Sierra fazia jogos inteligentes, a LucasArts criava games sagazes, e a Cyan cuidava dos esquisitinhos. Estes atributos básicos intensificaram na segunda metade dos anos 90 através de um festival de novos e vívidos mundos e ideias. Haviam jogos projetados por Douglas Adams, inspirados por Kafka e virados do avesso pelos Residents. Até o Robert De Niro entrou na jogada. Mas se estes jogos iam em alguma direção específica – um zênite das melhores características, sacadas, bizarrices e atmosfera que um game point-and-click poderia oferecer – tudo parecia rumar à Grim Fandango, e todo aquele esforço valeu à pena.

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O lendário game designer Tim Schafer trabalhou na popularíssima série Monkey Island antes de tomar o comando do adventure motoqueiro Full Throttle. Mas Grim Fandango, uma espécie de game noir fumacento sobre a vida de um agente de viagens para a terra dos mortos mexicanas, englobando vários anos da pós-vida do muitíssimo bem-vestido personagem principal Manny Calavera, é considerado sua grande obra. (Ou ao menos colado ali com Psychonauts, dependendo de quem você pergunta). Depois da LucasArts ter encerrado suas atividades em 2013, pensava-se que as portas haviam sido fechadas de vez para Fandango, apesar de Schafer seguir como uma figura ainda mais proeminente no mundo gamer.

Por mais que o humor e a extravagância sejam essenciais para o trabalho da LucasArts, como visto em Sam & Max, Maniac Mansion ou Monkey Island, Grim Fandango era único por lacear todo aquele clima bobo com certa obscuridade, uma atmosfera equilibrada que permitia levar o ambiente à sério ao mesmo tempo em que se soltavam umas boas gargalhadas.

O DNA de seus criadores está por todo o jogo.

Entre Glottis, o compadre mega-empolgado e louco por velocidade de Fandango ou os balões de bichinhos de Robert Frost, havia conspiração, corrupção e perigo. Um bom retrato disto é a visita de Manny à terra dos vivos, onde faz gracejos em uma cena bizarra que poderia muito bem ter sido ilustrada por Dave McKean.

"Sinceramente, brochei com a mudança para o 3D, e com a aparente falta de comédia (comparado a outros games da LucasArts)", disse Jake Rodkin, que trabalhou nos games Sam & Max e Monkey Island da Telltale, além de ser um dos criadores da imensamente aclamada série de games Walking Dead. Firewatch é seu próximo projeto. "Eu estava no ensino médio na época e jogava adventures da LucasArts desde o ensino fundamental e tinha todas essas expectativas… Parece ridículo agora ter me desanimado com Grim por ser diferente, mesmo quando moleque, porque amava os adventures da LucasArts justamente por serem diferentes dos outros games.

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"A ambientação do jogo, seu clima de cinema, a incorporação do folclore mexicano misturado às características dos filmes noir, me parece tão novidade hoje quanto em 1998, porque nestes 17 anos desde o lançamento de Grim, ninguém chegou perto de executar algo naquele estilo como Grim o fez", adicionou Rodkin. "Não sei se isso é bom ou ruim, mas mesmo no cenário atual, Grim ainda se destaca. Não sei se há algo que deveríamos aprender com isso, de 'ser bastante original e fazer um puta trabalho enquanto isso', não seria útil?"

Quem melhor para fazer um vídeo do tipo Let's Play do que o próprio Schafer?

Rodkin afirma que não foram nem mesmo os elementos mais óbvios que o impressionaram. Fandango seguia com a interface de usuário, a lista de comandos complicada que tomava metade da tela em muitos dos títulos da LucasArts.

"Cada passo que ele dá em sua jornada da alma de quatro anos, está sob seu controle", disse Rodkin. "Em um game point-and-click, você é quase que como a consciência do personagem, a voz na sua cabeça dizendo Talvez você deva vir até aqui (*clique*) , beleza e que tal aqui? (*clique*)". Rodkin afirma que isso influenciou bastante o trabalho da Telltale.

Quando joguei Stick it to the Man, game de 2013 dew Klaus Lyngeled, um adventure de plataforma e puzzles sobre parasitas cerebrais, pensei mesmo que Schafer estivesse envolvido diretamente. O estilo pastelão lembrava e muito a obra de Schafer, e Lyngeled mesmo afirmou ouvir bastante essa comparação. A primeira vez que Lyngeled jogou Grim Fandango, a experiência teve um impacto particularmente memorável, não só por seu mundo cativante, mas também porque serviu como introdução da cultura mexicana ao sueco Lyngeled.

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"O universo de Grim Fandango se encaixa melhor do que o de muitos outros games", disse Lyngeled. "É tão forte e diferente. Ninguém nunca fez algo tão assim, nem mesmo no cinema. Ele se baseia em uma cultura muito forte. E aquele feeling noir também. Acho que parte disso está presente em Stick it to the Man, mesmo não sendo algo exatamente noir. Tudo que a LucasArts fazia envolvia aquele humor esquisitinho, que dialogava comigo. É inteligente, bem pensado".

"O mundo de Grim parecia COMPLETO, por falta de palavra melhor", disse Benson. "O mundo parecia existir, cheio de suas identidades, espaços e sons próprios. É tudo meio conceitual, mas é uma sensação legítima que se tem diante dos melhores games. Sinto que games atuais como Kentucky Route Zero também tem isso. Eles não parecem ter saído de um manual de ambientações e personagens, não parecem seguir uma fórmula. O segundo ano de Grim é um exemplo disto. Você acaba sacando tanto da cultura e da política do que É a vida naquele mundo".

Benson crê que, apesar de Grim Fandango ter sido um enorme sucesso para PCs no lançamento, seria difícil imaginar qualquer publisher moderna levando adiante um projeto como este. É algo tão específico, tão arriscado, um game que estrela Humphrey Bogart no papel de uma caveira feita de açúcar. Mas talvez Fandango encontrasse suas raízes no mundo indie, o próprio game de Benson foi um sucesso no Kickstarter, e sem mencionar o próprio Broken Age, de Tim Schafer, um dos primeiros sucessos da plataforma, tendo recebido mais de 3 milhões de dólares em financiamento. Benson parece pensar que Fandango abriu as portas para muitos dos mundos ambiciosos sendo programados atualmente.

"Acho que é por isso que ele me lembra da explosão de games indie e de empresas menores que vemos agora", disse Benson. "O DNA de seus criadores está por todo o jogo. Você pode perceber seu amor por todas aqueles marcos culturais que parecem ter sido postos ali por conta deste amor, não por cinismo. E não é como se cultura mexicana ou referências à Casablanca fossem grandes coisas para games em 1998."

Como todos os grandes games, Grim Fandango retratava o que poderia ser feito com o meio, e definiu uma série de padrões para serem almejados. É tudo graças a um mundo tão desenvolvido que não precisava escolher entre engraçadinho ou pesado, e certamente esta é uma característica que podemos notar no trabalho da Telltale, incluindo aí Night in the Woods e tantos outros lançamentos. Grim Fandango, o game dos mortos, segue vivo em tantos outros.

Tradução: Thiago "Índio" Silva