De Gengis Khan ao hambúrguer, a história do molho tártaro
Hambúrguer com molho tártaro do Toninho Freitas. Foto: Felipe Larozza

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De Gengis Khan ao hambúrguer, a história do molho tártaro

Do exército Mongol aos chefs franceses que cozinhavam para os czares russos, a produção do molho à base de maionese que acompanha seu peixe frito é muito mais antiga do que você pode imaginar.

Se o boteco ou barraca de praia tem fritura e vergonha na cara, é natural que produza o próprio molho tártaro artesanal para acompanhar as tradicionais iscas de peixes e lulas a dorê. Se a hamburgueria não é dessas gourmet-Zebeléo e nenhuma das opções do cardápio ultrapassa R$ 30, também é bem comum ver a palavra "tártaro" entre as alternativas de acompanhamento do burg. Essa maionese tunada com vários tipos de ervinhas picadas e condimentos é conhecida por todos e, na hora de lambuzar a isca de peixe com esse molho, tá tudo lindo, né? Mas quando vamos dar ao molho tártaro o lugar que ele merece na nossa cozinha popular? Ok, não precisamos problematizar um tipo de maionese, mas, acredite, pode ser realmente interessante conhecer as possíveis histórias da origem desse nosso subestimado acompanhamento.

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Quando vamos dar ao molho tártaro o lugar que ele merece na nossa cozinha popular?

Há ao menos três hipóteses: a primeira delas é ligada ao nome "tártaro" — ou tartare —, que vem da cozinha francesa, a "mãe" de todo o conhecimento culinário ocidental. "Tártaro" é o nome pelo qual os mongois ficaram conhecidos na Europa. Comandados por Genghis Khan no século 13, esses temíveis guerreiros formaram um gigantesco império na Ásia, no que hoje corresponde à Rússia e à China. Em mais uma dessas ironias da vida, os mongóis conquistaram o maior império em área contígua da história mas não desenvolveram sequer uma forma satisfatória de fritar um bife. Por isso, eles fizeram fama picando carne crua em pedacinhos para facilitar a digestão. Eles também acrescentavam a esse picadinho um molho à base de legumes e ervas que nada mais era que, veja só, o tartaravô do nosso molho tártaro. O picadinho seria, por sua vez, o longínquo ancestral do steak tartare.

No Toninho Freitas, templo paulistano da larica sem frescura, o molho tártaro que vai dentro do hambúrguer (R$ 21,50) usa a receita mais brasileira possível, com azeitona e cheiro verde. Foto: Felipe Larozza/VICE Brasil

A segunda hipótese é mais complexa: segundo a Larousse Gastronomique, a maior e mais completa enciclopédia gastronômica, todo preparo chamado "à la russe" — ou seja, à maneira russa — não foi criado de fato pelos russos, mas por chefs franceses que cozinhavam para a corte do czar. Um dos acompanhamentos que mais rolavam era justamente a maionese com ervas cruas picadas misturada com peixes marinados em ácido (limão ou vinagre). Como, naquela época, os franceses eram tão preconceituosos quanto alguns paulistas e cariocas que chamam todo nordestino ou nortista de "baiano" ou "paraíba", tudo o que estava ao leste da França era "tártaro". Daí, o molho tártaro: uma maionese criada por chefs franceses muito apreciada na corte russa. Só pra sublinhar ainda mais o preconceito dos franceses do século 19, o tártaro, para a mitologia grega, é algo como o quinto dos infernos de Dante. É mais ou menos assim: existe o Hades, que é o mundo dos mortos, e, lá dentro, nas cavernas mais profundas e soturnas, há um local "tão abaixo do Hades quanto a Terra é do céu", nas palavras de Homero. Ali é o Tártaro. Dali que vem o nosso delicioso molho de maionese para acompanhar o peixe frito.

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O Tártaro, para a mitologia grega, é algo como o quinto dos infernos de Dante.

Finalmente, a terceira via diz que o molho tártaro é um parente do tarator, um preparo à base de iogurte com pepino, ervas, vinagre e limão cuja autoria é disputada entre alguns dos países do Cáucaso (Bulgária, Albânia e Macedônia) e Turquia. Como todos esses países estão ao leste da França ("tudo tártaro!") e o nome do molho já é bem parecido, é natural que essa possa ser a origem, não é?

A maionese é a base do molho tártaro e é importante bater com firmeza. Pode ser no liquidificador, com batedeira ou, como indica Paul Bocuse, no muque. Foto: Felipe Larozza/VICE Brasil

Na real, talvez todas as três correntes estejam certas e erradas ao mesmo tempo. O que importa é que você acabou de adquirir mais um assunto inútil de boteco e que a história do nosso molhinho da fritura mostra como a comida é um jeito de entender os costumes, preconceitos e disputas políticas do passado. As grandes navegações não eram pura disputa por tempero?

Agora, em se tratando de receita, o molho tártaro também não ajuda. Há algumas variações clássicas e outras inúmeras apropriações brasileiras (a cenoura em cubinhos, por exemplo, é algo que não consta nas receitas de nenhum dos molho tártaros "oficiais"). Outra característica típica daqui é o uso do molho tártaro dentro do hambúrguer. Na Europa e EUA, a menos que você esteja procurando novas formas de matar uma monumental larica, essa maionese é usada apenas com frutos do mar, peixe frito e batata frita.

No Jabuti, boteco paulistano especializado em frutos do mar, o molho tártaro acompanha frituras naquele esquema barraca de praia. Na foto, a clássica isca de peixe (R$ 44,50). Foto: Felipe Larozza/VICE Brasil

Vamos passar, portanto, duas receitas, uma em cada extremo: o molho tártaro tradicional francês retirado do livro La cuisine du marché, de Paul Bocuse, e o molho tártaro nosso-de-todo-dia-bem-brasilzão-mesmo, retirado do livro de cozinha popular Molho tártaro — e mais 100 receitas de molhos deliciosos, organizado por Paulo Taboada. Para a maionese perfeita, usamos como referência o livro Garde Manger - a arte e o ofício da cozinha fria, do Instituto Americano de Culinária.

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Maionese*

  • 2 gemas de ovo
  • 1 colher (sopa) de vinagre branco
  • 2 g de mostarda em pó
  • 360 ml de óleo
  • 4 g de sal
  • 1 g de pimenta branca moída
  • 1 colher (sopa) de suco de limão

Modo de preparo: Bata as gemas, o vinagre e a mostarda até que se forme uma espuma leve (pode ser em um liquidificador). Acrescente o óleo aos poucos, com um fio fino, batendo sem parar até que ele se incorpore totalmente à mistura e a maionese engrosse. Tempere a maionese com o sal, a pimenta e o suco de limão. Cubra-a e leve-a imediatamente à geladeira

Na receita do molho tártaro do pub paulistano Pie in The Sky: ovos, óleo e vinagre pra maionese, além de mostarda, sal, suco de um limão, alcaparras, picles e salsinha. Foto: Felipe Larozza/VICE Brasil

Molho tártaro tradicional francês**

  • 500 ml de maionese
  • 1 colher de sopa de alcaparras
  • 3 picles cortados ao meio
  • O quanto bastar das seguintes ervas picadas: salsa, estragão e cebolinha
  • 1 colher de sopa de mostarda de Dijon

Modo de preparo: Misture tudo com vigor até o molho tártaro ficar com aspecto homogêneo.

Ryk Preen, do Pie in The Sky, mistura os ingredientes para fazer o molho tártaro artesanal que acompanha o Fish and Chips (com bacalhau ou saint peter, a porção inteira serve duas pessoas e custa R$ 55). Foto: Felipe Larozza/VICE Brasil

Assista ao The Home of Hot Sauce

Molho tártaro à brasileira***

  • 120 ml de maionese
  • ½ colher de sopa de vinagre
  • ½ colher de sopa de azeitonas picadas
  • ½ colher de sopa de salsa picada

Modo de preparo: "Misture muito bem todos os ingredientes e sirva com peixe". Observação: esse modo de preparo foi escrito exatamente da mesma forma que o livro de referência.

*receita tirada do livro Garde Manger — a arte e o ofício da cozinha fria, do Instituto Americano de Culinária.

**receita tirada do livro La cuisine du marché, de Paul Bocuse.

*** receita tirada do livro Molho tártaro — e mais 100 receitas de molhos deliciosos, organizado por Paulo Taboada.

Toninho Freitas: Av. Dr. Arnaldo, 242, Pacaembu - São Paulo (SP). Tel.: (11) 3259-4762

Jabuti Choperia e Frutos do Mar: Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 1315, Vila Mariana — São Paulo (SP).
Tel.: (11) 5549-8304

Pie In The Sky: R. Tucuna, 350, Perdizes — São Paulo (SP).
Tel.: (11) 2361-3033

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