​Histórias de quem alugou casa pela internet e deu merda

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​Histórias de quem alugou casa pela internet e deu merda

Coisas que a falta de dinheiro e de critérios nos fazem passar quando somos uns fodidos.

Quando fui visitar uma cidade no sul do Brasil, amigas de internet arranjaram uma hospedagem na faixa na casa de um sujeito. Como eu era jovem, financeiramente quebrada e iria pra lá com vários amigos, topei. No momento de dormir, porém, além de ter de dividir um colchão de solteiro com mais duas (!) pessoas na sala de um apartamento, reparei que os lençóis traziam manchas amarronzadas. Minha curiosidade sugeriu: cheire essa porra e confira se é merda. Não sucumbi. Não cheirei. Feito múmia no sarcófago, dormi ali. Espremida. Dura. Desencorajada a checar a veracidade dos fatos. Quiçá com a maior cara de cu que minhas expressões faciais já puderam ser capazes de produzir. E não podia reclamar, visto que tratava-se de uma estadia não-remunerada – popularmente chamada de "no Vasco". Mas eu estava ali: no sul do país, dormindo num lençol cheio de manchas de merda, cheirando a sovaco e inalando o fedor alheio, visto que chegamos de madrugada depois de uma noitada.

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Depois dessa experiência, aprendi a ser mais criteriosa na hora de escolher um lugar para ficar ou morar. E aprendi que pagar é sempre melhor. Sábia, a vida mostrou que nunca estive sozinha. Muita gente já viveu momentos de horror se hospedando na moradia, hotel ou hostel de outrem. E é mais que óbvio que toda história tem dois lados. Se perguntassem ao sujeito do lençol de cocô qual foi a experiência dele abrigando paulistanos de graça em sua casa, o papo seria outro. Porém, é sempre proveitoso compartilhar e conhecer experiências cagadas. Abaixo, você lê histórias de vida de gente que, assim como eu, saboreou amargos momentos de derrota depois de confiar em indicações ou anúncios surgidos na internet.

Todas as ilustrações por Juliana Lucato/ VICE.

POMBINHA BRANCA, QUE ESTÁS FAZENDO? TÔ COMENDO OS RESTOS DE COMIDA DO SEU FOGÃO PRRU PRRU

"Eu morava com um amigo e era tudo tranquilo, até que ele resolveu casar com a namorada e decidiu levá-la para morar no apartamento. Tive de sair com urgência e, desde então, só me dei mal. Aluguei um lugar com uma amiga de amigos e em poucos dias notei que ela tinha problemas de carência e era bastante autoritária e mimada pelos pais. Poucos dias depois, fui viajar por uma semana. Quando voltei, ela havia mudado completamente as coisas no apê e já tinha buscado outra pessoa para morar lá sem ter me falado nada. Eram 11h de um domingo quando ela pediu para que eu me retirasse. Depois, surtou e levou minhas coisas pro corredor, dizendo que eu não estava presente nunca e que não colaborava na casa. Isso foi bastante rude e injusto. E lá fui eu em busca de um lugar para dormir numa noite de domingo.

Busquei pela internet e encontrei alguns aluguéis de quartos em pensões. Foi aí que começou uma dolorosa e exaustiva saga por moradia. A fim de visitar e ver um quarto para passar um tempo, entrei em pensões que mais pareciam filmes de terror… Eram macabras, com andares subterrâneos, quartos sem janelas, banheiros coletivos (nos quais você deveria ser um engenheiro esperto para poder tomar banho sem deixar cair suas roupas ou a toalha no chão). Era nojento e sinistro. Corredores absurdamente compridos e com cheiro de doença. Muita gente que mora nesses lugares são pessoas mais velhas e abandonadas pela família. Há também famílias que nascem e se desenvolvem nesses lugares. Morei em três pensões durante três meses. Em uma delas, moravam, num quarto, uma mãe, um bebê e mais uns quatro filhos.

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O que me vem à cabeça quando relembro desses lugares são principalmente coisas como tosses tuberculosas, rádios evangélicas, sons de mensagem de celular a cada cinco minutos durante toda a madrugada, amargura nos olhos de pessoas com quem eu esbarrava pelos corredores sem claridade, desconfiança, loucura, cheiro de maconha ruim no fim da tarde, brigas de namoradas, música pop sertaneja… Enfim. Eu trabalhava 10 horas por dia e levava uma hora e meia para chegar ao trabalho. Dormia e acordava mal. O cheiro que saía do ralo me doía a cabeça. Não conseguia mais viver sem cozinhar e lavando roupas em balde – o inverno chegou e me fazia mal mexer na água gelada, já que eu trabalhava como ilustradora e minhas mãos viviam machucadas. Foi aí que vi o anúncio de um lugar num grupo de Facebook. Decidi alugar o tal quarto em uma casa com quintal e dois andares. Eram duas mulheres alugando. Fui visitar e, na verdade, eram quatro pessoas morando no lugar. Mas o espaço era grande e perto de onde sempre morei. Elas pareceram muito gentis comigo e, conversando no primeiro encontro, se interessaram pelos meus trabalhos de edição de vídeo e já me pediram um frila: editar uma homenagem de aniversário para um amigo delas. Paguei o mês do aluguel antecipado, mas não descontei o valor do frila. No mesmo dia, fiz o vídeo num bar que não fechava durante noite, pois não tinha wi-fi nem sinal de internet no quarto que aluguei. Era frio e chovia muito. Acabei, enviei e já era quase meia-noite. Na manhã seguinte, no meio de uma reunião com o meu chefe, uma das proprietárias me mandou mensagens pedindo alterações urgentes do vídeo. Fiz as alterações.

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Fui do trabalho para meu novo lar. Elas não estavam, mas havia pombos pela sala! Sim, pombos! Elas criavam pombos e não haviam me dito nada. Eles comiam restos de comida deixados no fogão…

As duas voltaram meia-noite e começaram a gritar e bater panelas. Eu acordava muito cedo para ir trabalhar e não dormi essa noite. No outro dia, lhes escrevi dizendo que não me adaptei e que iria continuar na pensão em que eu estava anteriormente até achar outro lugar.

Quando fui buscar minhas coisas, elas prometeram devolver minha grana cinco dias depois. Esperei chegar o dia e, quando fui pegar de volta o dinheiro, me ameaçaram de morte e quiseram me agredir em público. Foi horrível. Tive um colapso emocional, minha menstruação desregulou com 15 dias de antecedência, comecei a ficar doente e a ir trabalhar muito mal. Durante meu horário de trabalho, duas amigas me mandaram o print de um mesmo post de autoria da pessoa que me alugou o quarto. Ela me chamou de golpista e usou palavras de ódio, distorcendo completamente a história que ocorreu."

Bruna*, artista visual

UM GRINGO LÓKI NUM QUARTO ESCURO EM BERLIM

"Pela internet, reservei um hostel em Berlim. Era um quarto misto para quatro pessoas. Já tinham me falado que um dos caras do quarto estava lá há muito tempo e que ele era muito bizarro. Mas eu nunca o via. Quando eu estava na rua, ele estava dormindo e vice-versa. Ele trocava o dia pela noite. E aí teve um dia que voltei da balada e entrei no quarto. Era umas quatro da manhã. Entrei bem linda, pensando que ia me arrumar e me preparar pra dormir. Havia três beliches no quarto. Eu ficava na cama de baixo. Ele estava em uma beliche que ficava de frente pra minha, só que ele ficava em cima. Achei que estava todo mundo dormindo. O quarto estava todo escuro. Aí eu sentei na cama. Quando olho pra cima, o cara bizarro estava com a lanterna do celular no rosto dele com uma cara diabólica e olhando fixamente para mim. Quando vi aquilo, me caguei inteira. Pensei: "meu Deus do céu, esse homem vai me matar aqui. Serial killer!" Fingi que não vi. Me enfiei debaixo do edredom, de calça jeans e tudo. Peguei todos os meus bens materiais e coloquei debaixo do travesseiro. Quando eu olhava de lado, percebia que ele estava me olhando. Era um cara muito creepy. Ele roncava muito alto e tinha um chulé terrível. O quarto inteiro ficava incensado. Era horrível, podre. Mas nunca mais vi esse homem na minha vida. Fiquei passada de medo."

Anjo da Kelly Key*, designer

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SE PÁ FOI UM FANTASMA QUE ASSINOU O PAY-PER-VIEW DA TV A CABO

"Antes de viajar por três meses, coloquei meu apartamento pra alugar no Facebook com a intenção de que alguém ficasse lá e pagasse as contas mensais. Uma conhecida viu meu post e entrou em contato, dizendo que um amigo precisava de um lugar urgente. Acordamos até um valor menor do que o que eu pagava. Combinamos que todo dia de vencimento de aluguel, condomínio e algumas outras contas, ele me mandaria os comprovantes de pagamentos. Quando chegavam as datas, ele dizia que havia esquecido ou que não tinha dinheiro para pagar. Acabei pagando todas as contas durante a viagem e me estressei muito com isso. Afetou meu planejamento financeiro e ainda me chateou bastante. Além do aluguel, me deparei com uma conta gigante de TV a cabo (ele disse que não foi ele que assinou o pay-per-view). No fim, voltei para casa e fiz várias propostas pra ele, que acabou pegando dinheiro emprestado e me deixou R$ 500 reais. Até hoje ele não me pagou o valor que faltava. A menina que o indicou frequenta o meu condomínio e faz de conta que nada aconteceu. Já o cara me bloqueou em todas as redes sociais. E isso já faz um ano. Fui super de boa fé, considerando que era indicação de conhecido, mas acabei sendo muito prejudicada. O que mais me chateia nem é o dinheiro, e sim a falta de caráter, principalmente quando lembro das trocas de mensagens, mentiras, xingamentos e todo o estresse que passei com isso."

Juliana*, jornalista

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EU, MEU BOY GRINGO, MINHA AMIGA E ADVOGADOS

"Meu boy é gringo e essa coisa de documentação estava um saco. Ficamos quatro meses tentando alugar um lugar em São Paulo e nada virava. Na época, dividíamos apê com uma galera e estava bad lá. Ser um casal e morar com outras pessoas é foda. Nossa última esperança foi um site de aluguel pela internet. Escrevi no Facebook que eu estava atrás de casa e uma amiga me mandou o link do apartamento dela no tal site. Ela viajaria por um tempo. Eu e meu namorado adoramos as fotos e quisemos fechar, mas ela disse que seria melhor fazer tudo por fora, já que o site cobrava uma taxa e tal. Topamos, mas queríamos que fosse o mesmo esquema proposto no site: valor fechado e o proprietário pagando as contas. Depois de um ano morando lá, minha amiga começou a inventar vários reajustes e foi passando as responsas das contas pra gente. Ela aumentou o aluguel e topamos sem reclamar.

Quando voltou de viagem, ela disse que nós havíamos destruído a casa e teríamos de pagar. Ela foi até o apartamento e fez fotos. Queria também que pagássemos multas de contas que ela mesma atrasou. Aí consultamos um advogado pra ver o que poderíamos fazer, porque ela estava doida, ameaçando a gente e querendo nos colocar na rua. Depois de falar com o advogado, vimos que poderíamos usar os e-mails como documentos. E aí ela acabou ficando quieta. Mas saímos antes da data prevista, de tanto que ela encheu o saco. Pagamos a mais, só que bem menos do que ela queria. Entregamos o apartamento 'sujo', porque pagamos taxa de limpeza. Estamos mais uma vez num apartamento sublocado. A proprietária também quis 'fechar por fora', mas não topamos. Foi traumático pra caralho."

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Laura*, publicitária

ALUGARAM MINHA CASA DE PRAIA (QUE NÃO ESTAVA PRA ALUGAR)

"Tenho uma casa de praia que foi comprada recentemente. Fuçando na internet, meu irmão encontrou um anúncio de locação da nossa casa em dois sites diferentes, sendo que nunca alugamos e nem temos a intenção de alugar. Liguei no número do anúncio e descobri o nome da mulher. Ela disse que não alugava mais a casa. Achei estranho. Ao falar com o caseiro, ele me contou que a mulher trabalhava na imobiliária da cidade, que a conhecia e que ela estava na profissão de corretora há mais de 10 anos. Fizemos um boletim de ocorrência e foi aberto um inquérito de investigação sobre o caso de estelionato. Até aí, tranquilo. Estávamos em família, casa cheia, passando o réveillon, quando chega uma caravana de jovens entre 20 e 25 anos na madrugada do dia 30 para 31, dizendo que haviam alugado a casa e que já haviam pago. Para decepção deles tive de contar que a pessoa com quem eles tinham falado não era dona da casa e que eles haviam caído em um golpe.

Ninguém do grupo chegou a ir até a residência antes de fechar negócio. Um deles trabalhava no banco e verificou que a conta do nome da tal 'corretora' que estava no anúncio tinha mais de 15 anos. Ou seja: coisa que estelionatários não fazem. Geralmente, eles abrem contas novas e, quando é depositado o dinheiro, sacam tudo e fecham a conta. Ou seja: provavelmente alguém utiliza o nome dela para aplicar o golpe, mas ninguém sabe quem é. O pessoal que colou tomou um prejuízo de R$ 4 mil."

Chico Leite, administrador

*Nomes fictícios para proteger a identidade de alguns dos entrevistados

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