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‘Dugma: The Button’ mostra a história dos homens-bomba da al-Nusra

O novo filme do jornalista norueguês Paul Refsdal reconta a história de terroristas de uma célula da Al-Qaeda que se explodem em busca de um lugar no paraíso.

Abu Qaswara num caminhão do Jabhat al-Nusra cheio de explosivos.

Esta matéria foi originalmente publicada na_ VICE UK_.

No início de agosto aconteceu o lançamento de Dugma: The Button, um documentário sobre homens que querem se explodir. O filme do jornalista Paul Refsdal acompanha um grupo de combatentes na Síria, parte de uma célula terrorista afiliada à Al-Qaeda, o al-Nusra. Esses homens colocaram seus nomes na lista de mártires e estão esperando para dirigir um caminhão cheio de bombas agindo contra o regime do líder sírio Bashar al-Assad. Chegando nas linhas de frente, eles vão apertar o botão e ir direto para o paraíso.

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Por meio da câmera de Refsdal, temos uma ideia do que se passa na mente desses homens à beira da doce imortalidade. Dois personagens centrais são Abu Qaswara, um saudita fanfarrão que adora frango frito, e Abu Basir, um jihadista britânico que sonha em se apaixonar e formar uma família.

No final de julho, o líder do al-Nusra Abu Mohammed anunciou que o grupo está cortando laços com a Al-Qaeda e mudando o nome para Jabhat Fatah al-Sham. Provavelmente numa tentativa de legitimar suas operações aos olhos do Ocidente, o grupo continua na Síria e seus objetivos — derrotar Assad e controlar o país — não mudaram.

Antes do lançamento, Refsdal — cujos trabalhos anteriores incluem o documentário Behind the Taliban Mask — falou comigo por Skype de sua casa na Noruega sobre as entrevistas com os mártires, humanidade, sequestro e ganhar a confiança da Al-Qaeda.

O trailer de 'Dugma: The Button'.

VICE: Por que você quis fazer esse filme? Você estava tentando humanizar esses futuros mártires?
Paul Refsdal: Não era minha intenção abordar o tema dos homens-bomba quando cheguei lá. Eu só queria fazer um retrato dos combatentes de nível mais baixo do al-Nusra. Eu queria acompanhar esses caras pelo tempo que fosse possível e entender um pouco da psicologia deles. Então a resposta para a sua pergunta é sim, mas fui pra lá com a mente aberta. Se eles quisessem, digamos, fazer execuções na minha frente, eu não teria problema em mostrar isso. Eu não queria que o filme fosse uma coisa Vila Sésamo ou algo assim.

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Como você conseguiu acesso?
Foi como uma entrevista de emprego. Eu tinha lançado um documentário sobre o Talibã em 2010, chamado Behindthe Taliban Mask. Nele eu apresentava um lado mais humano do Talibã, então claro que mencionei isso. Dei minhas referências, como um currículo. O que também me ajudou foi que quando as tropas especiais americanas mataram Osama bin Laden, em 2011, elas encontraram um monte de cartas na instalação dele. Uma dessas cartas era de um escritório de mídia da Al-Qaeda e listava alguns jornalistas recomendados. Meu nome estava lá.

O al-Nusra fez pressão sobre o tipo de conteúdo que eles queriam no filme?
Nem um pouco. Eles disseram "Faço o que você quiser". Eles queriam que o filme fosse objetivo. Por exemplo, tem uma cena na qual a coalizão bombardeou uma área próxima, e um homem nervoso está gritando que eles só estão bombardeando casas de civis. Mas um homem o corrige, dizendo: "Por favor, diga a verdade", porque ali também ficava uma base militar. Aquele homem era um comandante do al-Nusra. Eles poderiam ter usado a oportunidade para fazer propaganda, mas não quiseram. Acho que eles só queriam ser honestos.

Abu Qaswara.

O que chamou sua atenção no personagem principal, Abu Qaswara?
Ele era exatamente o oposto do estereótipo de homem-bomba que você esperaria. Achei que eles seriam caras jovens [Qaswara tem 32 anos], com pouca ideia de como é a vida fora de sua cidade, e talvez um pouco ignorantes. Mas ele é totalmente diferente. Ele é da Arábia Saudita, um cara muito generoso e simpático.

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Uma das partes mais tocantes do filme é quando Abu Qaswara revela que seu pai vai estar ao telefone com quando o mártir estiver no caminhão.
O que você pode não entender é que o pai dele está fazendo muita pressão. Ouvi dizer que isso é muito comum entre os sauditas. Como mártir, ele vai alcançar o nível mais alto do paraíso, mas chegando lá, ele pode levar 70 membros da sua família. Às vezes, a família designa um filho para salvar todos eles no pós-vida. Isso não é dito diretamente no filme, mas indica… O pai queria falar com ele pelo telefone na hora da explosão. Ele mandou uma mensagem dizendo: "Quando você vai morrer?" Então acho que o pai está pressionando ele. Não sei se Qaswara realmente quer fazer isso.

Sem entregar muito da história, mas as coisas não saem exatamente como planejado. Você acha que Abu Qaswara está feliz com como as coisas se desenrolaram?
Recebi uma mensagem no WhatsApp dele ontem. Pedi que ele tentasse ficar seguro, ele disse que ficaria seguro enquanto houvesse galinhas no mundo. Ele adora frango frito.

Abu Basir al-Britani.

E o cara britânico, Abu Basir al-Britani? Ele perdeu o respeito dos irmãos por ter decidido sair da lista?
Bom, foi difícil para o Basir porque ele me disse que seu maior sonho era completar uma operação de martírio, mas não acho que foi um problema porque ele mudou de ideia normalmente. E o caminhão é só uma parte da operação maior; eles mandam o caminhão com o homem-bomba, ele se explode na linha de frente, faz um buraco, as forças principais atacam pelo buraco. Mas eles sempre têm um substituto no caso de o primeiro homem-bomba mudar de ideia. Tem um monte de gente na lista, então acho que ele não ficou com nenhum estigma.

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Como você compara sua experiência com o al-Nusra e filmar o Talibã em Behind the Taliban Mask?
Ah, foi muito mais fácil com o al-Nusra — não só por causa da língua, mas também pelo entendimento cultural. Alguns deles eram de países do Golfo, com diploma universitário. Era muito fácil se comunicar. No Afeganistão, a maioria dos homens eram analfabetos. Eles não tinham a menor ideia do risco que estavam correndo. Eram caras que, às vezes, nunca tinham saído de seu vale — então foi bem diferente.

Além disso, o Talibã sequestrou você enquanto fazia o outro filme.
É o tipo de coisa que acontece lá. O comandante queria casar de novo, então precisava de dinheiro, aí achou que podia muito bem capturar um jornalista. Foi meio absurdo.

Você ficou uma semana no cativeiro. Onde eles prenderam você?
Fiquei na casa de uma família, um homem idoso e os filhos. Eu podia sair da casa para ir ao banheiro à noite, mas o tradutor me disse que se escapássemos, os sequestradores iriam punir a família. Se eu escrevesse um roteiro dessa história, as pessoas não acreditariam. Eles me deram um fuzil Kalashnikov carregado porque tinham medo que outro grupo jihadista me levasse. Eles não tinham crédito suficiente no celular deles. No final, eu é que tive que ligar para a embaixada norueguesa. Eles tentaram, mas não conseguiram passar do atendimento eletrônico. Então liguei, falei em norueguês com o oficial de segurança da embaixada e expliquei onde eu estava, quantas pessoas estavam lá e tudo mais. Foi tipo um esquete do Monty Python. Mas esse é o Afeganistão.

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Tradução: Marina Schnoor

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