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Comida

Uma Mosca Bem Passada, Por Favor!

A comissão de População e Desenvolvimento da ONU estima que 9,1 bilhões de pessoas estarão perambulando por esse planeta superlotado em 2050, então é bom começarmos a nos familiarizar com alternativas de consumo de proteínas

Insetos descongelados prestes a virar janta. Da esquerda para direita: larva de mariposa, bicho de farinha, grilos de três semanas de idade, gafanhotos e uma caranguejeira.

A comissão de População e Desenvolvimento da ONU estima que 9,1 bilhões de pessoas estarão perambulando por esse planeta superlotado em 2050. Milhões já passam fome atualmente e, com as mudanças climáticas destruindo terras cultiváveis e o crescimento acelerado da população, o número de pessoas permanentemente famintas vai aumentar consideravelmente. Então é bom começarmos a nos familiarizar com alternativas de consumo de proteínas, como a entomofagia (ou seja, a prática de comer insetos).

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Aparentemente, as mais de 1.500 variedades comestíveis de insetos são geralmente mais ricas em proteínas, vitaminas e ácidos graxos essenciais que a maioria das carnes que estamos acostumados a comer. E, mais importante que isso, criá-los para o consumo exige apenas uma fração dos recursos naturais necessários para a produção de gado e plantações.

Como acho que o nosso iminente futuro culinário é de revirar o estômago, decidi desafiar meu conceito ocidental de nojeira convidando amigos para um banquete de insetos de lamber os beiços. Fiquei tentando me convencer: “Não tem nada de mais, essas criaturinhas são ingeridas na maior parte do mundo, até mesmo os franceses devoram formigas au chocolat e escargô”.

Sem saber se deveria comprar os insetos mortos ou vivos ou como cozinhá-los, pedi conselhos para David George Gordon, o famoso chefe de insetos e autor de The Eat-a-Bug Cookbook (O Livro de Receitas Para Comer Insetos).

A autora cortando uma antena de grilo. Se você comer uma antena de mais de meio centímetro, vai ter a impressão de que engoliu cabelo.

O David me falou que o motivo pelo qual a maioria dos ocidentais acha comer insetos estarrecedor é porque não crescemos com esse hábito. “Se me oferecessem um ovo e eu nunca tivesse comido, acharia estranho”, ele disse. Considerando que ovo é menstruação de galinha, seu argumento faz sentido. Depois de me passar instruções sobre como cozinhar insetos, nossa conversa terminou com ele contando como acha que vamos nos adaptar à culinária de minhocas, gafanhotos e aranhas. “Provavelmente consumiremos produtos à base de proteína de inseto, similares aos produtos de soja disponíveis hoje”, disse. “As carnes de vaca, frango e porco que comemos são produtos de centenas de anos de criação seletiva. Podemos, de forma semelhante, cultivar insetos supergrandes com mais carne e menos casco.” Imagine-se comprando um saco de baratas gigantes criadas para consumo como se fossem batatinhas chips. Você pode achar nojento agora mas, num futuro próximo, humanos insetívoros não vão resistir a uma guloseima dessas. Não vai demorar para a cena do jantar de O Templo da Perdição deixar os espectadores com água na boca.

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O David me disse que a maneira mais fácil de conseguir insetos é na loja de animais mais próxima que venda comida viva para répteis e outros animais exóticos. O jeito mais humano de matar essas criaturas de sangue frio é enfiando-as no freezer por 48 horas, onde adormecem tranquilamente em um sono congelado do qual nunca mais acordarão.

Enquanto eu ia para a loja, tentei inventar histórias convincentes para explicar porque precisava de tanta variedade de insetos, além da maior caranguejeira disponível. Mas chegando lá, a mulher atrás do balcão agiu como se meu pedido fosse a coisa mais natural do mundo e disse que eu deveria ir até as prateleiras dos fundos da loja. Para chegar lá, tive que passar pelos répteis. Vi horrorizada um gafanhoto inteiro ser engolido de uma só vez por uma salamandra grande e feia, que depois ficou me olhando com aquela carinha esquisita de morta prensada contra o vidro. Se eu já não estivesse perturbada, essa cena teria dado conta disso.

Segui até as caixas de plástico transparente com comida viva empilhadas em uma prateleira. Elas estavam cheias de bichos de farinha, grilos, gafanhotos e larvas de mariposa se arrastando pela serragem. Tentei ficar calma e me concentrar em escolher as caixas com a aparência mais saudável, como faço quando compro frutas -- mas era repugnante. Acabei pegando uma caixa de cada e voltei para o balcão. “Vou levar isso e aquela caranguejeira grande ali”, disse à atendente. Ela me deu seu cartão e disse para eu ligar caso precisasse de instruções para cuidar aranha, o que fez eu me sentir culpada.

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No ônibus de volta pra casa, sentei e coloquei o saco plástico entre os pés, tentando combater pensamentos de que os insetos estavam subindo pelas minhas pernas, o que me fez esfregar as panturrilhas o tempo todo.

Ao chegar em casa, eu estava quase chorando. “Vamos dar uma olhada neles antes”, disse meu namorado quando eu estava prestes a enfiar o saco no freezer. Coloquei as caixas na bancada da cozinha. A caranguejeira, provavelmente suspeitando de seu destino, escondeu a cara atrás das perninhas peludas. Por um segundo, cheguei a pensar em mantê-la como bicho de estimação.

CHOCOLATE DE LARVA DE MARIPOSA COM CHAMPANHE E MORANGO 20 larvas de mariposa descongeladas
½ barra de chocolate amargo
1 xícara de morango picado
½ taça de champanhe
1 colher de chá de menta picada Asse as larvas em forno pré-aquecido a 350º por cerca de 10 minutos. Derreta o chocolate em uma tigela umidificada com água fervente. Mergulhe as larvas no chocolate derretido e refrigere por pelo menos uma hora e meia. Regue os morangos e a menta com champanhe e sirva tudo junto. RISONI DE ORTHOPTERA 1 xícara de risoni
3 xícaras de caldo de verduras
½ xícara de cenoura ralada
½ xícara de pimentão vermelho e amarelo cortados em fatias finas
1 colher de sopa de manteiga
1 dente de alho moído
½ xícara de cebola picada
1 xícara de grilos de duas ou três semanas de idade descongelados
2 colheres de sopa de salsinha picada Ferva o caldo, em seguida misture com risoni e cozinhe por 10 minutos. Escoe o líquido que ainda houver e misture com a cenoura e o pimentão. Em outra frigideira, derreta a manteiga e adicione o alho, a cebola e os grilos. Salteie até a cebola ficar transparente. Misture tudo, tempere com salsinha e sirva.

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Dois dias depois, era chegada a hora de preparar o banquete de insetos. Quando espiei o freezer, os bichinhos estavam cobertos de gelo, mas uma vez descongelados pareciam bem vivos, só que imóveis. Dois amigos curiosos vieram ajudar e ofereceram apoio emocional em forma de Sauvignon Blanc, que vai bem tanto com insetos quanto com frutos do mar (os dois são parentes próximos). Depois dos “EEEEECAs” iniciais, enxaguamos os insetos descongelados na pia. Só de tocá-los senti uma mistura de coceira na garganta e ânsia de vômito. Ficamos repetindo para nós mesmos que “gafanhoto é camarão, só que menos nojento porque não come merda”, mas não estávamos realmente convencidos disso.

É preciso queimar os pelos da caranguejeira antes de comê-la, senão eles farão cócegas desagradáveis na sua garganta. Caranguejeira tem um gosto estranho, parecido com o de tubarão, e a carapaça está recheada de carne macia e gostosa. Já as pernas são recheadas de uma gosma esbranquiçada e são difíceis de mastigar.

O menu começou com uma entrada de bicho de farinha assado e tempurá de gafanhoto. O prato principal foi risoni de Orthoptera, e a sobremesa larvas de mariposa cobertas de chocolate.

Como qualquer outra carne, insetos precisam ser cozidos para evitar o consumo de parasitas. Começamos cobrindo os bichos de farinha de pesto, cheddar e pimenta malagueta em pó. Uma vez no forno, eles soltaram um cheiro suculento, mas quando os tiramos de lá, eles ainda estavam se mexendo por causa do calor (calma, eles estavam mortos) e eu quase derrubei a bandeja no chão. Meu amigo Tobias agarrou o bicho e seu “Hmm!” convenceu o resto de nós a fazer o mesmo. Os bichos de farinha têm uma aparência horrível, mas na verdade são crocantes e têm um gosto estranho de amêndoa e batata que ficou ótimo com os temperos.

Encorajados pelo gosto dos petiscos de bicho de farinha, mordemos os tempurás de gafanhoto sem muita frescura – foi como comer camarão empanado, mas com casca comestível. O próximo prato consistia em risoni, verduras e grilos. Infelizmente, não foi tão apetitoso, principalmente porque parecia com um prato de comida que ficou fora da geladeira tanto tempo que agora estava infestado de insetos. Foi difícil distinguir o sabor dos grilos, então comemos um sozinho e tem um gosto meio parecido com frango, só que mais tenro. Cuidado: as pernas tendem a ficar presas entre os dentes!

Antes de mergulhar nossa sobremesa no chocolate, provamos uma larva de mariposa assada au naturel. Se você conseguir ignorar sua desagradável aparência de verme, é como comer um pistache macio e doce. Na verdade fica até mais gostoso sem o chocolate. No geral, o tempurá de caranguejeira e o bicho de farinha assado foram os pontos altos do menu, mas a larva de mariposa também ficou boa. Não lambemos o prato, mas pelo menos sabemos o que esperar quando tivermos que comer insetos.