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Indianas Estão Sendo Encorajadas a Trocar sua Fertilidade por Celulares

Na Índia, a vida de uma mulher vale US$ 3 mil.

Na Índia, a vida de uma mulher vale US$ 3 mil.

É isso que dizem os oficiais da polícia estadual quando um médico estraga uma esterilização, o que aconteceu alguns dias atrás no hospital Nemi Chand, em Chhattisgarh, onde pelo menos 12 mulheres morreram e mais 60 ficaram em estado grave depois que um médico tentou fazer 80 operações num dia.

Os melhores benefícios sociais vão para casais esterilizados. Quer mais terras? Faça uma laqueadura. Quer um empréstimo? Amarre as trompas. Num projeto impulsionado pelo governo, mulheres pobres e desfavorecidas estão recebendo de US$ 13 a US$ 22 por sua esterilidade. Há uma coisa meio parecida com o panfleto de Emma Goldman Como e Por Que os Pobres Não Deveriam Ter Filhos nos métodos de planejamento familiar indiano.

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Em fevereiro de 2013, a NDTV exibiu uma filmagem de um grupo grande de mulheres desmaiadas num espaço aberto ao lado do hospital Manikchak, em Bengala Ocidental. Era o resultado de uma esterilização em massa de 103 mulheres num único dia.

Coisa de pesadelo. E tudo tem a ver com números: o objetivo é colocar a taxa de natalidade da Índia o mais próximo possível do reino da respeitabilidade. O número dourado é 2,1. Isso expressa quantos filhos as mulheres deveriam ter – atualmente, 0,3 abaixo da média nacional.

Em 2000, a Índia abandonou oficialmente os projetos nacionais de controle da taxa de natalidade, mas isso não impede que seus Estados estabeleçam suas próprias metas.

Objetivos climáticos de longo prazo são citados como razões para se causar dor de curto prazo a pessoas vivas. Gastar um pouco mais com igualdade traria o mesmo efeito tão rapidamente quanto o outro método e com menos mortes.

Na busca da Índia pela taxa de natalidade dos sonhos, seres humanos são reduzidos a números, crianças a frações e trompas de Falópio a celulares. Isso vem se tornando um estranho jogo de metas para os Estados, onde a taxa de fertilidade total é calculada, agregada e ranqueada. O Rajastão declarou que iria esterilizar 1% de sua população durante 2011 em troca de celulares e bilhetes de loteria para carros, como um monstruoso Papai Noel da eugenia.

As condições de vida na área rural de Uttar Pradesh. Imagem via usuário do Flickr pingnews.com.

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E os direitos humanos básicos voam pela janela. Em 2012, um único cirurgião, Dr. Rajendra Prasad, conduziu 53 esterilizações em Bihar sem a ajuda de coisas sem importância como água corrente e equipamento de esterilização. Uma mulher estava claramente grávida de três meses e abortou 19 dias depois. Em Uttar Pradesh, você pode trocar sua fertilidade por armas, o que talvez seja o controle populacional mais cínico já concebido: evitar que as pessoas se reproduzam, ajudando-as a se matar. Quem pensou nisso merecia o Prêmio Nobel da Paz.

O que está acontecendo é uma política estranha e repugnante de sexismo e classismo arraigado disfarçada de objetivo nacional. Mas o problema não está só da Índia. É global.

O Reino Unido forneceu US$ 260 milhões em ajuda, dinheiro de impostos posteriormente usado em projetos de planejamento familiar na Índia. Os EUA também ajudaram. Em 2013, 4,6 milhões de pessoas foram esterilizadas no país, o que dá mais de 12.500 por dia.

Considerando que o governo indiano paga 1.400 rúpias (US$ 23) para cada mulher disposta a passar pela operação, colocam-se quase US$ 106 milhões por ano na esterilização de mulheres, um pouco mais do que o país gastou na construção de um "megacercado para vacas" a fim de proteger seus lindos bovinos do mal.

Será que eles ainda não ouviram falar que as vacas são responsáveis pelo aquecimento global?

Devika Biswas, organizadora do Health Watch Forum in India, estava presente na esterilização em massa de Bihar e ressaltou que, se alguém quer realmente ajudar a nação, é bom "promover instalações que forneçam cuidado médico abrangente, incluindo serviços de saúde para impedir mortes de mães na anestesia do parto e outros fatores de risco". As instalações médicas na Índia estão longe do padrão, ela ressaltou, e as mulheres estão particularmente "em risco".

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Conduzida entre 2005 e 2006, a última pesquisa nacional sobre saúde da família no país mostra que a relação laqueadura/vasectomia ficava em cerca de 37,3 para 1, mesmo que a operação masculina seja mais segura, fácil e menos invasiva. Os homens simplesmente não querem fazer operação nenhuma, mas ficam felizes em inscrever suas mulheres, que são drogadas e operadas por uma semana ou duas de salário. Em Chhattisgarh, em 2003, uma profissional de saúde do governo encontrou o mesmo refrão em quase toda casa que visitou: "Leve minha esposa".

Apenas 8,3% da população indiana usa camisinha ou pílulas contraceptivas como método de planejamento familiar apesar de iniciativas para se distribuir esses produtos gratuitamente no país. "A educação sexual é muito pobre", disse Biswas. "É apenas para o Ensino Médio. Na maioria das escolas rurais, as meninas mal frequentam as aulas e só aparecem para as provas. Muitos membros de castas e comunidades tribais abandonam a escola primária aos 11 anos; então, nunca tiveram nenhuma educação sexual."

A propagação de informação e serviços é a chave para resolver essa questão, mas parece que o governo está mais feliz em fazer propaganda. Por exemplo, em alguns Estados, mulheres com mais de dois filhos não podem concorrer para o panchayat mesmo sem possuírem controle sobre o próprio corpo. Frases de efeito como "Um é mais divertido!" ou "Nós dois, nossos dois!" estão por toda parte. De acordo com Biswas, é comum que elas concordem com a esterilização "a contragosto e sob pressão".

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A política social da Índia também não ajuda muito. Há poucas pensões disponíveis, o que força famílias pobres a terem muitos filhos para ajudar os pais na velhice. Essa é a charada: homens não são esterilizados, as mulheres são culturalmente e economicamente inferiores. Eles fazem sexo, elas dão à luz.

Mulheres que têm muitos filhos não podem concorrer a cargos públicos. Portanto, ninguém está lutando politicamente dentro do sistema por elas. É um círculo perigoso de desolação.

Em julho de 2012, o governo indiano anunciou na Cúpula de Londres pelo Planejamento Familiar que estava passando por uma "mudança de paradigma", investindo num bufê de opções contraceptivas. Eles contrataram 860 mil trabalhadores de saúde comunitários para espalhar a notícia. Isso pareceu progressista. Mas não era.

Surgiram evidências de que os funcionários que vão de família em família, promovendo a cirurgia como ferramenta de planejamento familiar, ganham bônus para cada pessoa que convencem a se esterilizar. Parece um pouco aqueles operadores de telemarketing que te ligam de vez em quando oferecendo outra opção para sua operadora de banda larga; eles parecem simpáticos e preocupados com a sua conexão tosca, mas só querem encher os bolsos.

"Pessoas normais pararam de coagir os pobres e marginalizados de seu país a se esterilizar pelo preço de um chocolate."

Um médico admitiu receber US$ 2 a mais para cada operação usando uma anestesia mais fraca e barata. O mesmo profissional falou sobre como o governo julga os médicos por quantas operações eles fazem antes do final de cada ano fiscal, em março. Empregos estavam em jogo. Dinheiro estava em jogo.

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Mas esse não é o caso para as vítimas.

"Mulheres analfabetas são persuadidas ou forçadas a passar pela esterilização", afirmou Biswas. E não só pelo dinheiro. "Como elas acabam dependendo dos funcionários de saúde e se tornam muito próximas deles, elas fazem a esterilização para agradá-los."

Pessoas normais pararam de coagir os pobres e marginalizados de seu país a se esterilizar pelo preço de um chocolate.

Kerala é geralmente citado como um exemplo de Estado com baixa taxa de natalidade. Mas isso provavelmente tem pouco a ver com esterilização e mais com o fato de que 87,7% das mulheres de lá sabem ler – a maior taxa no país. "As pílulas contraceptivas são gratuitas em todas as instalações médicas do governo – mesmo nas áreas rurais. Mas ninguém as promove corretamente", frisou Biswas. "Consumo e medidas de precaução não são especificadas claramente para cada mulher." Presume-se que, se você não sabe ler a embalagem ou a bula, alguém precisa te explicar como a pílula funciona.

O New York Times publicou um artigo em 2001 descrevendo como o político Chandrababu Naidu convenceu um vilarejo inteiro a se esterilizar. "Ninguém vai sustentar vocês", ele disse para um membro da multidão. "Vão imediatamente à [mesa de] operação."

É só se colocar na posição dessas mulheres. O marido não vai fazer a operação. O Estado não vai te educar sobre as alternativas. Bens de consumo fora da sua realidade de compra são oferecidos: liquidificadores, frigideiras, celulares. Tudo por uma pequena operação. Você pode ganhar dinheiro. Sustentar sua família. Ajudar seu país a atingir as metas de taxa de natalidade. Agradar seus amigos.

Durante o período de esterilização compulsória na Índia, 21 meses entre 1975 e 1977, 8 milhões de pessoas foram esterilizadas. Em 2013, 4,6 milhões foram esterilizadas.

Parece que não há realmente escolha.

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Tradução: Marina Schnoor