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Eu (Italianos) Acredito na Anarquia

Nós, europeus, temos uma maneira muito mais refinada e honrada de fazer com que os porcos capitalistas ouçam nossos gritos.

Carlo Giuliani, um garoto de 23 anos de Gênova, cai depois de ter sido baleado pelos Carabinieri durante um protesto contra o G8 em 2001. Foto cortesia de Alberto Ramella/Black Archives.

Enquanto os americanos protestam contra falcatruas do governo ameaçando assassinar membros do Senado e explodindo criancinhas com bombas caseiras, nós, europeus, temos uma maneira muito mais refinada e honrada de fazer com que os porcos capitalistas ouçam nossos gritos. Já que nossos policiais não têm armas e são bem menos violentos que os tiras americanos, acabamos preservando a tradição do protesto público. Em 2010, a Grécia irrompeu em chamas. O mesmo aconteceu em Londres. Como contamos na edição passada na matéria “Podem Vir, Seus Viados!”, a Europa está se preparando para outra série de manifestações e, para isso, vem treinando sua força policial e a equipando com artilharia pesada, usada anteriormente em países como o Afeganistão e o Irã para libertá-los do sofrimento de não serem países capitalistas ocidentais. Conhecemos alguns anarquistas recentemente e eis o que descobrimos…

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OS ITALIANOS SÃO MELHORES No epicentro dessa nova onda de protestos públicos, estão as organizações anarquistas, cuja principal base de operações fica em Roma. Apesar de muita gente achar que os italianos são um bando de metidos de óculos escuros de $700, a Itália é o lar dos anarquistas mais entusiasmados do mundo. E é exatamente por isso que muitos deles — milhares, na verdade — estiveram envolvidos nas revoltas ocorridas na Praça do Parlamento em Londres no ano passado. “Eles estão anos-luz a nossa frente em termos de agressão”, disse um cara do Green and Black Cross, um grupo anarquista localizado na esquina da rua onde fica o escritório daViceLondres, em Whitechapel. Essas pessoas se empenham tanto em transformar as ruas em campos de batalha que cerca de 200 de seus membros têm treinamento em primeiros socorros. “Enquanto jogamos tijolos na polícia, eles estão detonando bombas”, completou nosso entrevistado. Os anarquistas italianos ficaram conhecidos na comunidade internacional pela luta a favor da liberdade em 1920, quando explodiram o banco J.P. Morgan em Wall Street, deixando um número impressionante de vítimas: 38 mortos e 143 banqueiros gravemente feridos (e curiosos inocentes). Desde então, os italianos foram responsáveis por mais ataques — aproximadamente 150 — do que qualquer anarquista de qualquer outro país. Durante a Segunda Guerra, os anarquistas italianos especialistas em bombas juntaram-se à resistência contra os nazistas e ficaram mundialmente conhecidos comopartigiani(partidários, em português). Após o fim da Guerra, muitos deles se aproveitaram da experiência que adquiriram com o conflito para explodirem cofres e assaltarem pessoas, financiando assim seu movimento e justificando suas ações com a doutrina do “ilegalismo” — a convicção de que todo anarquista pode ser criminoso porque o Estado não pode impor nada a ninguém. O exemplo mais recente disso aconteceu no Natal de 2010, quando italianos atacaram as embaixadas da Suíça e do Chile com caixas de videocassetes recheadas de pólvora e fragmentos de metal detonadas por baterias de 9 volts. Quatro dias depois, uma nova bomba-cassete foi encontrada na Embaixada da Grécia.

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Anarquistas correm pelas ruas de Milão durante um protesto em frente à Universidade Cattolica, 1970. Foto cortesia de Benzi/Contrasto.

ELES TÊM SLOGANS LEGAIS As bombas foram obra da Lambros Founas, uma célula daFederazione Anarchica Informale(FAI), batizada em ho-menagem a um anarquista grego morto durante um tiroteio com a polícia em março de 2010. “Decidimos fazer nossa voz ser ouvida por meio de palavras e ações”, dizia uma nota veiculada pela agência italiana de notícias ANSA. “Dei-xe-nos destruir o sistema de dominação! Vida longa à FAI!” Você até poderia achar que pessoas que explodem coisas não se irritam à toa. Ou que qualquer um que tenha entendido a cena deA Vida de Briancom a Frente Popular da Judeia e a Frente dos Povos Judeus não permitiria que tal confusão gramatical prejudicasse seus objetivos revolucionários. Mas nada disso! Os anarquistas italianos são extremamente propensos a brigar entre si. As iniciais FAI são um grande motivo de discórdia, pois não só representam aFederazione Anarchica Italiana(um grupo “oficial”), como aFederazione Anarchica Informale(um grupo “não oficial”) e, ainda, aFederación Anarquista Ibérica(uma organização espanhola fundada há mais de 80 anos). Foi o grupo “não oficial” italiano que assumiu a autoria das explosões recentes — a FAI “oficial” gosta mais de pensar do que de agir e alega que os ataques e a violência só fazem com que a polícia retalie os anarquistas. Já o talvez extinto grupoBlack Dogdiz que a discussão dos anarquistas sobre a necessidade do uso da violência (pelo jeito eles pensam que ela é necessária) acabou levando o Estado a “dividir e conquistar”, fazendo com que os “bons” anarquistas da FAI “oficial” se voltassem contra os “maus” e explosivos membros da FAI “não oficial”. Como um governo pode considerar qualquer grupo anarquista “bom” nós não sabemos, mas achamos que quando tem gente tentando explodir você pelos ares isso é meio relativo.

Dois policiais prendem um garoto durante o protesto na Universitá Cattolica em Milão, 1970. Foto cortesia de Perrucci/Contrasto.

A CIA FINANCIOU UMA REVOLTA NEONAZISTA CONTRA ELES Os desentendimentos constantes entre os grupos durante os protestos públicos às vezes resultam em ataques dos anarquistas “maus” contra os anarquistas “bons” — que são grandes fontes de diversão para os policiais, que normalmente estariam ocupados desviando de blocos de concreto e de coquetéis molotov enquanto pessoas gritam em um italiano melódico: “A guerra é o Estado! A liberdade é uma aventura! A rebelião é uma alegria!”. Esses pequenos detalhes ideológicos podem parecer apenas pequenos detalhes ideológicos, mas a verdade é que os anarquistas italianos têm bons motivos para suspeitarem uns dos outros. Durante as décadas de 1950 e 1960, a OTAN e a CIA formaram um exército secreto de combatentes europeus da resistência que só se manifestaria caso a União Soviética decidisse invadir ou dominar o continente. A OTAN só conseguiu recrutar malucos e neo e ex-nazistas — muitos dos quais viviam na Itália. Surpreendentemente, a OTAN deu a esses fascistas italianos um monte de armas e bombas. A CIA os ensinou como explodir prédios e matar pessoas. Como bem sabemos, a União Soviética desmoronou e a invasão nunca se concretizou. Na Itália, os fascistas passaram a mão nas armas da OTAN e atacaram seus arqui-inimigos, os anarquistas. Eles também se envolveram com atentados terroristas de bandeira falsa — mataram civis aleatoriamente e jogaram a culpa nos anarquistas. O pior exemplo desses ataques aconteceu em 1980, quando uma bomba explodiu na estação de trem de Bolonha, matando 85 pessoas e ferindo 200. Inicialmente a culpa foi atribuída aos anarquistas (e comunistas), e a prisão deles exigida por fontes privilegiadas, assim como a formação de um governo autoritário simpático aos EUA. Mas a polícia italiana ficou desconfiada, pois sabia que os anarquistas preferiam ataques planejados que atingiam agentes do Estado, como policiais e políticos, ao contrário de atos que matavam civis indiscriminadamente. Eles estavam certos. Acabaram descobrindo que as atrocidades tinham sido planejadas pelo grupo fascista NAR (Nuclei Armati Revoluzionari), que agiu em parceria com gângsteres e oficiais corruptos. Mais tarde, dois neonazistas, Valerio Fioravanti e Francesca Mambro, foram condenados à prisão perpétua. O grão-mestre maçom Licio Gelli, o ex-espião Francesco Pazienza e os membros da Inteligência Italiana, Pietro Musumeci e Giuseppe Belmonte, foram acusados de acobertar a ação e de obstruir as investigações. Durante o julgamento, promotores revelaram que o intuito foi o de manchar a re-putação de anarquistas inocentes e promover o pânico, para que a população se jogasse nos braços de um grande líder. ELES QUEREM DOMINAR O MUNDO Uma década atrás levaria mais de cinco anos de planejamen-to e coerção para juntar 100 anarquistas em uma mesma sala. Mas agora, graças a um novo grupo subcultural cha-mado “pessoas que fumam maconha o dia inteiro assistem a vídeos de teoria da conspiração na Internet”, é possível fazer isso em um dia. E o mesmo vale para grupos de toda a Europa, principalmente de cidadezinhas de merda como Whitechapel, Turin e Dresden, ou de países como a Lituânia e bairros como o Exarcheia, em Atenas. Se você levar em conta o fato de que a anarquia prospera em lugares de merda, e depois pensar no colapso econômico em curso na Europa e em como isso transforma lugares de merda em merda ainda piores, e como isso leva ao surgimento de novos lugares de merda ao redor do mundo, então, o que nosso amigo do Green and Black Cross disse faz total sentido: “Os anarquistas italianos retomaram a luta para ‘compensar’ a desilusão dos jovens em relação ao Estado”, ele explicou. “Os protestos na Grécia serviram de inspiração para eles voltarem à ativa e agora eles estão vendo todas essas manifestações acontecendo. Eles vão aproveitar a oportunidade para voltar com o máximo de violência e determinação possível. Esses grupos já foram muito hostilizados e ridicularizados, mas agora eles podem mostrar ao mundo ao que vieram. Na manifestação da Praça do Parlamento um deles me disse: ‘Estamos vivendo um momento muito especial’.”