FYI.

This story is over 5 years old.

Outros

Jesus Era Gay?

De acordo com um teólogo, Jesus Cristo era ativo e passivo.

Imagem modificada via usuário do Flickr Waiting fot the World .

Depois da decisão histórica da Suprema Corte norte-americana sobre o casamento gay, parece que todo cristão homofóbico orgulhoso saiu de seu esconderijo para falar que ainda odeia gente gay. Sendo um judeu hétero, a homofobia entre os seguidores de Jesus sempre me surpreendeu: cultuar um homem seminu pendurado numa cruz me parece pelo menos um pouco homoerótico. Mas é o próprio Jesus que acende meu gaydar como uma árvore de Natal. Um rapaz magrelo, cercado por vários caras, dizendo que todo mundo tinha que amar o próximo, e que depois apanhou pra burro de um grupo de conservadores cabeçudos que morriam de medo de mudança.

Publicidade

Acontece que essa não é uma teoria única. O Dr. Reverendo Bob Shore-Goss, um pastor abertamente gay, já escreveu vários livros sobre o tema, incluindo Queering Christand e Jesus ACTED UP: A Gay and Lesbian Manifesto ("Purpurinando a Cristandade" e "Jesus AGIU: Um Manifesto Gay e Lésbico", não publicados no Brasil). Ele tem um doutorado em Religião Comparativa em Harvard e atua no Conselho Nacional do Centro de Estudos Lésbicos e Gays em Religião. Ah, e ele acredita que Jesus era gay. Entrei em contato com o Reverendo Goss, que deu evidências bíblicas e explicou sua teoria mais detalhadamente.

Imagem do usuário do Flickr Waiting for the World .

VICE: Jesus era gay?
Bob Shore-Goss: Eu espero que ele seja. Eu projeto que ele seja. Da minha própria espiritualidade, eu adoraria ir pra cama com Jesus. No mínimo, Jesus era queer. Isso quer dizer: ele desobedeceu às regras de sua cultura, da heteronormatividade. Ele subverteu códigos de masculinidade e de gênero em sua cultura. Queer não significa necessariamente orientação sexual, mas pode incluir isso. São Paulo, eu diria, provavelmente seria descrito como um homossexual enrustido hoje, mas eles não tinham esses termos na época.

Como a homossexualidade era percebida na época de Jesus?
Não havia conceito de orientação sexual, mas havia o conceito de gênero. Então, na Bíblia, quando um homem dormia com outro homem como uma mulher, era uma abominação. Veja, a ênfase é num homem traindo seu status: ele está se feminilizando. Então é uma violação de gênero em vez de uma violação sexual. O código da masculinidade era muito forte no mundo antigo. Agora, relações homoeróticas no mundo antigo eram muito comuns, especialmente nos mundos grego e romano.

Publicidade

O próprio Jesus chegou a abordar isso?
Na verdade, um dos milagres de Jesus foi curar o rapaz do centurião. Isso está em Mateus e Lucas. Mateus usa a palavra "pais" – pederastia vem daí, significa juventude – para descrever esse rapaz, que é essencialmente um concumbino do centurião. É um relacionamento erótico. Ele vai até Jesus e pede que ele cure seu rapaz. E Jesus pergunta se ele deve curá-lo, e o centurião diz: "Não sou digno de te ter embaixo do meu teto, mas diga a palavra e meu rapaz será curado". Jesus fala da fé do centurião, que tem um relacionamento homoerótico, que "não há maior fé que eu tenha encontrado em Israel".

O que é incrível sobre isso é que toda vez que comungam no domingo, milhões de católicos dizem: "Deus, não sou digno de te receber, mas diga a palavra e serei curado". Eles repetem essa frase pronunciada por um centurião num relacionamento homossexual com um jovem. Nós sanitarizamos isso e esquecemos esse tipo de coisa com o tempo. Mas uma igreja do século dois entenderia isso como um relacionamento homossexual e isso não era um grande problema.

E que evidências há na Bíblia de que Jesus era homossexual?
Há dicas e há leituras disso. As dicas vêm do evangelho de João com o "amado discípulo". Ele e Jesus tinham um relacionamento íntimo, mas há dúvidas de quem seria realmente esse discípulo. De qualquer maneira, o discípulo amado está deitado no peito de Jesus na última ceia e supostamente está usando sua "túnica interna", que é o que chamaríamos de roupa íntima hoje. É um gesto muito íntimo e um gesto especial de afeto entre os dois.

Publicidade

Eu imagino que Jesus amava todos seus discípulos, quer dizer, ele disse para amar o próximo. Então, destacar uma determinada pessoa como "amada" parece significativo.
Sim. Jesus chama apenas uma pessoa de amada e é Lázaro. Também há um trecho descoberto nos anos 60 por um professor de história e estudos antigos, Morton Smith, um grande estudioso. Ele encontrou dicas de um evangelho secreto, que as pessoas datam de algum lugar na última parte século um. Há um trecho que descreve um rapaz nu que vem até Jesus tarde da noite, e passa a noite lá para uma "iniciação". O fragmento é controverso, claro. Mas isso mostra que havia algum tipo de relação homoerótica, uma relação de amor.


Se Jesus era gay, ele com certeza não ia curtir a ideia de terapia de conversão gay. A VICE investigou a prática de "curar" homossexuais através de aconselhamento religioso e restrições de comportamento.


Parece que todo mundo pode tirar suas próprias conclusões de qualquer parte da Bíblia, incluindo que Jesus era gay. Quer dizer, ele é essa figura queer, nunca se casou –
Isso, na verdade, é significativo. Jesus era um rabino, um professor, e praticamente todo rabino na época era casado. Mas não há testemunhos de um casamento de Jesus. Há algumas teorias interessantes, Jesus poderia ser bissexual e ter um relacionamento com Maria Madalena e o amado discípulo. Talvez ele fosse intersexual ou trans, porque nasceu sem um pai, portanto nasceu mulher e tomou o fenótipo de um homem. Virginia Mollenkott argumenta sobre isso em seu livro Omnigender. É um argumento meio engraçado. O que estou dizendo é que as pessoas veem isso como algo muito importante. Uma vez, uma estudante lésbica me disse: "Jesus não era gay, ele era perfeito". O que isso diz sobre a maneira como ela via sua sexualidade? A posição católica diz que Jesus era perfeito, portanto ele é intrinsecamente bom e intrinsecamente ordenado. Agora, o que dizem sobre os gays é que somos intrinsecamente maus e intrinsecamente desordenados. Mesmo evangélicos vão dizer que Jesus era perfeito, então, para ser salvo para os evangélicos, você precisa ser heterossexual.

Publicidade

Mas se Jesus era gay, e ele era perfeito, então, na verdade, só as pessoas gays vão para o céu, certo? Isso seria deliciosamente irônico.
Sabe, acho que há uma imagem maior de quão universal Jesus é. Jesus tinha uma sexualidade. Eu costumava pensar que tudo em Jesus era perfeito. Aí, no meu primeiro ano de faculdade, eu estava lendo um livro de John A. T. Robinson, um bispo anglicano e estudioso do Novo Testamento, The Human Face of God, e havia uma nota de rodapé que me perturbou. Isso dizia que Jesus peidava. E eu disse "Meu deus!" Então pensei "Bom, OK, ele era humano". E isso levou a "Se ele era humano, será que ele tinha ereções à noite? Ele tinha polução noturna? Todos os homens passam por isso". E isso foi tipo uma erosão nos meus fundamentos católicos ao redor de Jesus. E o próximo passo foi pensar: "Jesus era sexual?". E depois "Com quem?". Então pensei "Isso realmente importa?". E eu acho que sim.

Se Jesus era totalmente humano, ele deve ter sido totalmente erótico. Isso significaria que a sexualidade é uma coisa positiva, porque temos que reclamar o fato de que a sexualidade é incrível e algo bom, seja qual for a sua sexualidade. Você vê onde quero chegar? Quero dizer que todas as sexualidades são uma benção original, porque somos feitos à imagem de Deus.

O que eu estou entendo é que Jesus, como um ser humano queer, se identificaria com as lutas dos homens gays – se sentir uma pária, enfrentar violência por ser como é, coisas assim.
Sim, eu diria que você está num terreno absolutamente sólido aí.

Mesmo que Jesus não fosse gay, imagino que ele sentiria mais afinidade com a minoria dos homossexuais do que com os cristãos heteronormativos que pregam o ódio.
É engraçado; os fundamentalistas interpretam mal essas coisas e ficam histéricos porque não entendem o contexto histórico. Eles abusam disso e deturpam sua própria ideologia. E muitas vezes eles são tão veementes sobre isso porque têm muita homofobia internalizada, o que indica que eles têm a mesma atração pelo mesmo sexo que precisam eliminar nos outros. Jesus não era um fundamentalista. Ele não era um literalista. Ele falava em parábolas, metáforas e histórias.

Jesus era passivo ou ativo?
Versátil.

Siga o Jules Suzdaltsev no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor