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Leah-Lynn Plante e a Resistência Anarquista ao Grande Júri de Portland

O governo federal nunca acusou os anarquistas de Portland de terem cometido nenhum crime.

No dia 1º de maio de 2012, uma marcha inicialmente pacífica em Seattle se transformou num confronto violento quando dezenas de manifestantes vestidos de preto com paus, canos, pedras, bombas de tinta e bombas caseiras se juntaram à manifestação. O prefeito de Seattle, Mike McGinn, declarou estado de emergência civil naquela tarde e, ao final do dia, a briga entre policiais e manifestantes resultou em milhares de dólares de prejuízo a propriedades privadas e públicas e diversas prisões por ataques, interferências de pedestres e vandalismo.

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No dia 25 de julho de 2012, o FBI invadiu três casas em Portland, no Oregon. De acordo com um mandado de busca, os policiais procuravam por roupas pretas, paus, bandeiras, diários sobre os protestos e “literatura ou material antigoverno ou anarquista”. Na esteira dessas varreduras, membros da comunidade anarquista de Portland, incluindo Leah-Lynn Plante, Dennison Williams, Katherine “KteeO” Olejnik e Matt Duran, foram intimados a depor diante do grande júri federal sobre seus conhecimentos quanto às ações do Dia do Trabalho.

O grande júri nos EUA consiste de um painel de cidadãos que decide se as evidências apresentadas tornam “mais provável do que não” que um crime foi cometido. Os membros de um grande júri não são investigados por seus preconceitos e um juiz não supervisiona os procedimentos. As sessões de um grande júri são descritas como secretas porque são fechadas ao público, mas as informações recolhidas podem ser usadas pra atacar a credibilidade de uma testemunha que depois venha a depor num julgamento público. Então, enquanto essas sessões protegem ostensivamente as testemunhas, elas também podem ser usadas pra coagir indivíduos a falar contra sua vontade, com consequências duradouras pra si e pra outros.

O governo federal nunca acusou os anarquistas de Portland de terem cometido nenhum crime — na verdade, Leah-Lynn nem estava em Seattle no dia do protesto. A cada um dos ativistas intimados foi concedida imunidade das acusações criminais, mesmo eles nunca tendo pedido por isso. Essa é uma tática comum usada por investigadores federais norte-americanos. Sem o fantasma do processo criminal, o Ministério Público impede testemunhas “imunes” de invocar a 5ª emenda, o direito de permanecer em silêncio pra evitar se autoincriminarem. É um jeito de fazer as pessoas falarem.

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Mas os anarquistas de Portland, sendo anarquistas, decidiram não cooperar e se recusaram a responder perguntas sobre seus amigos, atividades sociais e crenças políticas. Eles então foram presos acusados de desacato ao tribunal, o que pode levar a penas de até 18 meses em uma prisão federal. Matt está preso desde 26 de setembro; KteeO está na cadeia desde 28 de setembro e Leah-Lynn, que foi presa em 10 de outubro, foi solta no dia 17 do mesmo mês.

Uma matéria de outubro no Seattle Post-Intelligencer revelou que os anarquistas de Portland estavam sob vigilância antes mesmo dos confrontos do Dia do Trabalho. Esse fato, juntamente com a menção à “literatura anarquista” contida nos mandados, indica que o governo está agindo como “polícia do pensamento” em nome do antiterrorismo.

Como o Stranger de Seattle informou, Emily Langlie, do escritório de advocacia do Distrito Oeste de Washington, repetiu várias vezes: “Não estamos perseguindo as pessoas por suas crenças políticas”. Mas Leah-Lynn, a mais visível entre eles, com suas trabalhadas mensagens em vídeo, os cabelos tingidos de preto, sua palidez, seus piercings faciais e tatuagens idealistas (seu antebraço é coberto com as palavras “lutando para sobreviver causando o menor sofrimento possível”), descreveu o processo como uma “caça às bruxas”.

Como qualquer outra comunidade ideológica, os anarquistas são heterogêneos em suas crenças. Apesar de alguns defenderem a derrubada violenta do governo, legiões de outros estão empenhadas em fazer a mudança através de meios pacíficos como comunidades organizadas e resistências. Um princípio básico da teoria anarquista é que sistemas autoritários corrompem absolutamente a liberdade, então liberdades concedidas pelo governo não são liberdades de verdade pra começo de conversa. Então, se por um lado é contraditório criticar o Estado por violar direitos civis que ele próprio estabeleceu desejando simultaneamente sua dissolução, pra muitos anarquistas essa crítica é a chave pra confrontar a falsa liberdade de um sistema autoritário.

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A Leah-Lynn se tornou uma causa célebre entre anarquistas e uma comunidade mais ampla de cidadãos preocupados graças ao Tumblr. Previsivelmente, a cobertura da mídia das acusações do júri e da não cooperação das testemunhas deu mais atenção pra aparência dela do que pra suas bases filosóficas de resistência, ou no fato de que Kteeo e Matt continuam em prisões federais e podem ser mantidos presos até março de 2014. A Leah-Lynn não está falando com a mídia no momento, e as razões pra sua soltura continuam sendo um mistério. Mas conversamos com Chris Marckesano do Comitê Contra Repressão Política, uma organização sediada em Portland que apoia os anarquistas intimados pelo grande júri, sobre os complicados aspectos legais, éticos, filosóficos e políticos do caso.

VICE: Primeiro gostaria de perguntar qual é sua associação com o caso?
Chris Marckesano: Recebi uma mensagem de texto na manhã do dia 25 de julho dizendo que várias casas tinham sido invadidas. Passadas algumas horas, me encontrei com algumas pessoas que queriam apoiar seus colegas depois que o FBI terminasse de vasculhar suas casas. Esperamos até que eles se acalmassem e se reorganizassem, daí pensamos no trabalho que precisava ser feito pra dar o apoio que eles necessitavam.

Quando as invasões aconteceram, estava claro qual era a intenção por trás disso?
Sim e não. Depois que tivemos a chance de ver alguns dos mandados e notar que eles falavam explicitamente em roupas pretas e literatura anarquista, rapidamente ficou claro que eles tinham os anarquistas da área noroeste como alvo.

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Parece que o foco está principalmente sobre Leah-Lynn Plante. Fico pensando no porquê disso, considerando que três pessoas foram presas e duas delas continuam na cadeia.
Acho que isso pode ser uma combinação de fatores. A objetificação de Leah-Lynn é algo fora do nosso controle. Mas desde o primeiro dia, Leah e Dennison, que foram as duas pessoas intimadas em Portland, decidiram que queriam ir a público e ser o mais francos possível quanto ao assunto. Acho que Matt veio a público um pouco antes de ser encarcerado e KteeO esperou até o dia em que soube que seria presa. Há apenas mais construção narrativa no que diz respeito à prisão da Leah.

Você quer dizer da parte dela?
Sim, entre Leah e seus apoiadores mais imediatos. Ela nos deu o aval pra realmente tornar públicos sua história individual e seu nome, o que eu acho que ajudou muito a narrativa geral. Dennison optou pela mesma abordagem, mas logo no começo do processo sua intimação foi derrubada. A princípio, isso pareceu ser uma boa notícia, mas baseado nas perguntas feitas a Leah-Lynn no grande júri, percebemos que isso aconteceu porque eles passaram a ter Dennison como alvo da investigação ao invés de querer que ele testemunhasse.

Eles não queriam garantir a imunidade dele?
Isso. Ele se recusou a aparecer na primeira convocação, então eles derrubaram sua intimação e logo depois ficou claro que ele foi adicionado à lista de alvos.

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O que você quer dizer com “alvos”? Vocês acreditam que essas intimações estão relacionadas com o vandalismo e a violência do Dia do Trabalho?
O governo está dizendo que isso tem a ver com o Dia do Trabalho, mas as pessoas que eles estão perseguindo estavam sob sua vigilância antes disso. O que nos leva a crer que essa investigação visa não a ação de indivíduos, mas as crenças políticas das pessoas em questão.

Sua organização declarou recentemente que não vai mais dar apoio material e organizacional à Leah-Lynn. Por que vocês tomaram essa decisão?
Não posso entrar em muitos detalhes sobre o processo de decisão interno — não podemos dar mais informações. Quando Leah-Lynn foi libertada depois de outra audiência, ela não deixou claro que tipo de questões foram perguntadas ou respondidas. Por causa dessa falta de informações, nós suspendemos o apoio a ela. Estamos suspendendo qualquer apoio de mídia e retirando todas as declarações dela até que tenhamos uma visão mais completa do que está acontecendo. É lamentável, mas somos uma organização pequena e temos mais duas pessoas na prisão e outra intimada recentemente.

Estamos fazendo o possível pra não especular o que aconteceu até conseguirmos mais informações da própria Leah — não queremos que as pessoas façam suposições fantasiosas. Quando as pessoas especulam aleatoriamente, isso só atrapalha a resistência que estamos tentando construir.

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Vocês já tiveram que retirar o apoio a alguém no passado?
Esta é a primeira vez. Já aconteceu com outras organizações de apoio, mas é a primeira vez que tomamos essa decisão.

Você teve alguma comunicação com a Leah depois disso?
Não houve nenhuma comunicação oficial entre a organização e Leah. Não sei se outras pessoas conversaram individualmente com ela.

Se ficar claro que Leah não colaborou com o grande júri, sua organização vai restabelecer o apoio a ela?
Sim, vamos apoiar qualquer um que não estiver cooperando com o grande júri.

Como vocês apoiam essa resistência?
Fazendo trabalhos de imprensa, solicitando doações, mantendo o dinheiro deles como procuradores.

Se ficar claro que Leah foi solta por colaborar com o grande júri, você acha que ela também vai perder o apoio da comunidade?
No passado, informantes já destruíram movimentos inteiros. Então não queremos especular sobre o que aconteceu até algo concreto aparecer.

Você pode nos dar um resumo básico do tipo de anarquismo que vocês defendem?
É difícil, são várias linhas de pensamento diferentes sob o título geral de anarquia: pessoas que se opõem ao Estado; opostas a todo tipo de sistema opressor; anticapitalistas; e outras visões radicalmente diferentes se juntam com base em crenças compartilhadas como oposição a situações hierárquicas.

Você acha que a vigilância, a coleta de informações e a estratégia legal do governo nesse caso foram emprestadas das respostas ao terrorismo islâmico nos EUA?
Se você prestar atenção aos exemplos mais recentes de antiterrorismo, os mais alardeados pelo Estado são baseados solenemente em armadilhas. “Essa pessoa pode ser um terrorista.” Quando, na verdade, já há um agente do FBI tentando achar alguma sujeira. O FBI prendeu um membro de uma mesquita porque ele não desmascarou ativamente um agente do FBI infiltrado. Vimos esse tipo de manipulação acontecer diversas vezes, especialmente em organizações anarquistas, ambientais e dos direitos dos animais.

Voltando à objetificação de Leah-Lynn: isso é consistente com a dinâmica de gêneros no movimento anarquista?
Priorizamos o feminismo e a igualdade, mas não é surpresa que alguns idiotas tenham postado coisas inapropriadas na internet. Infelizmente, é um sinal do sistema em que vivemos.