FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

É mais Provável um Homem ser Estuprado do que Falsamente Acusado de Estupro

O ceticismo injustificado sobre acusações de estupro pode desencorajar vítimas a denunciarem seus abusadores.

Ser homem é tão difícil…. Não existem mais trabalhos exclusivamente masculinos, você não pode nem dar um tapa amigável na bunda da sua colega de faculdade de manhã e há sempre o risco de ser acusado de estupro por alguma mulher. Felizmente, o CPS (Crown Prosecution Service), do Reino Unido – principal braço da Justiça penal britânica –, tem o hábito de se vingar furiosamente de mulheres que supostamente mentiram para a polícia sobre abusos sexuais. É bom saber que a Justiça está do lado dos homens ingleses nesses tempos de loucura politicamente correta. Só que não.

Publicidade

Não mesmo: na semana passada, a organização de caridade WAR (Women Against Rape) fez uma campanha no Parlamento britânico para destacar a luta de mais de 100 mulheres processadas por falsa acusação de estupro nos últimos cinco anos. Na visão do grupo, muitos desses casos constituem processos com força excessiva e têm penas muitos altas. A especialista da organização, a professora de Direito de Arkansas Lisa Avalos, disse ao jornal britânico The Guardian: "Durante minha pesquisa, não encontrei nenhum outro país que processe mulheres que deram queixa de estupro do jeito que o Reino Unido faz."

Pior ainda, eles acreditam que, em muitos casos, as mulheres são pressionadas pela polícia para retirar a acusação e depois, processadas.

Vamos colocar isso em perspectiva – estamos falando de 20 processos entre algo como 15 mil relatos anuais. O próprio CPS vem tentando acabar com o mito sobre se "gritar estupro". Uma pesquisa deles, baseada na observação de crimes cometidos entre janeiro de 2011 e maio de 2012, mostrou 5.651 processos por estupro versus 35 por falsas acusações de estupro. Para violência doméstica, há 111.891 processos reais contra apenas 6 de falsa acusação.

A campanha WAR é bem intencionada e destaca um problema verdadeiro, mas provavelmente é injusta com o CPS. Keir Starmer, diretor do Ministério Público, estava certo quando, no ano passado, afirmou que "onde alegações falsas de estupro e violência doméstica realmente acontecem, isso é sério – reputações são destruídas e vidas devastadas como resultado". É justo que as pessoas acusadas falsamente queiram justiça. Mas o que a WAR está destacando é quão fora de proporção é o debate sobre se "gritar estupro".

Publicidade

É impossível ter números exatos, porque muitos desses casos não são reportados e muitos mais continuam sem solução, mas aqui vão as estatísticas cruas: para cada 100 incidentes de estupro relatados, 2 ou 3 são acusações falsas, com talvez outros 600 nunca registrados.

Podemos ficar discutindo sobre os números exatos, mas isso funciona com um punhado de acusações falsas para muitos e muitos incidentes genuínos – ou, para colocar de outra forma, uma mulher tem centenas de vezes mais chances de não dar uma queixa num caso real de estupro do que de fazer uma acusação falsa. Mesmo tirando o gênero da equação e vendo isso de uma perspectiva puramente "e os homens?": com 9 mil deles estuprados no Reino Unido anualmente, estamos mais propensos a ser estuprados do que falsamente acusados de estupro.

É incrível quanta escrita é devotada a algo tão raro e praticamente irrelevante para qualquer discussão sobre abusos sexuais. O que não quer dizer que casos individuais não sejam sérios, mas que são sérios do mesmo jeito que a peste bubônica é séria – é péssimo se você é infectado, mas isso não é uma prioridade para o Serviço Nacional de Saúde.

"Homens estão mais propensos a ser estuprados do que falsamente acusados de estupro."

O problema é que o ceticismo exagerado e injustificado em casos de estupro está tornando as vítimas menos propensas a prestar queixa. Keir Starmer destacou o escândalo Jimmy Savile como um exemplo em que a polícia foi exageradamente cautelosa. E do jeito como a operação Yewtree e outros casos relacionados a abuso sexual foram abordados pela mídia inglesa nos últimos três anos, homens de meia-idade que têm colunas em jornais fazem fila para fazer barulho sobre tudo isso.

Publicidade

Meu exemplo favorito desse tipo de coisa veio de Mick Hume, o editor da Spiked!, que estava terrivelmente preocupado em janeiro de 2013 quando Max Clifford foi preso na Operação Yewtree – ou "caça às bruxas", nas palavras de Hume. O autor via essa prisão como um desenvolvimento sinistro no qual críticos proeminentes da Yewtree estavam sendo silenciados. Dezesseis meses depois, Clifford foi acusado de, entre outras coisas, esfregar seu púbis numa garota de 12 anos e fazê-la masturbá-lo, só parando quando sua filha voltou à jacuzzi que eles dividiam.

Como escrevi na época, o que facilita esse ceticismo é o hábito da mídia de usar eufemismos ou termos legais vagos como "aliciamento", "abuso" e "molestamento". Eles podem ser precisos, mas não capturam o horror dos crimes cometidos. No ano passado, a historiadora Mary Beard abordou isso bem, depois de sofrer diversos abusos online, quando falou sobre o puritanismo da mídia para o New York Times. "Você não sabe como é isso, porque nenhum veículo da mídia mainstream vai publicar as palavras exatas", ela frisou. "Ninguém no rádio vai falar essas palavras, e aí parece que eu fiquei preocupada, porque eles disseram que eu não tinha penteado o cabelo."

Quase o mesmo se aplica a casos de violência sexual. E isso facilita minimizar o que realmente aconteceu: fingir que o que pessoas como Savile ou Clifford fizeram foi um pouco mais que um tapa na bunda. Afirmar, até, que as vítimas são, de alguma forma, culpadas pelo estupro.

Tudo isso contribui para uma situação na qual mais e mais estupros não são reportados e em que não temos literalmente a menor ideia de quantas crianças britânicas sofreram abuso. E esse é um problema muito, muito maior que algumas acusações falsas de estupro.

Siga o Martin Robbins no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor