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Mais uma Noite de Ação no Rio de Janeiro

Acompanhando o protesto dos Black Bloc chamado “Fora Cabral e a Farsa Eleitoral”

Nesta terça-feira, foi convocado um evento chamado “Fora Cabral e a Farsa Eleitoral”. Desde o início do dia, ônibus parados em fila dupla em frente ao Batalhão da PM de Botafogo já anunciavam a treta. Eu cheguei por volta das 19h30, quando a galera tinha acabado de sair em marcha e já tinha dado merda. Ainda na concentração, no Largo do Machado uma mina foi atingida por um desses projéteis não letais novos e teve traumatismo craniano.

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Desta vez, os BBs faziam um cordão humano não só na frente, como nas laterais da galera, isolando totalmente o bloco negro, impedindo a penetração dos PMs “alfabetas” que, como sempre, escoltavam a manifestação.

Alguns BBs nunca esquecem de demonstrar seu carinho para a imprensa, seja ela qual for.

Sempre que gritam “quem apoia pisca a luz” aparecem umas figuras tipo esse tiozão, que não cabe mais nessa camiseta desde a campanha das Diretas Já!

O brinquedinho novo da vez é essa microcâmera instalada nos óculos de alguns dos PMs que escoltam a manifestação desde o início. Essas imagens são transmitidas ao vivo para uma central de comando, ou seja, se depois das cagadas de hoje nenhum PM for punido, só significa que o comando da polícia é conivente com a brutalidade, crueldade e covardia da PM.

Desta vez, tinha um pouquinho mais de vermelho do que o normal, mas, como sempre, as bandeiras pretas dominavam.

Eis que então, após um confuso trajeto de ziguezague pelas ruas pequenas do bairro, em vez do caminho de sempre pela Rua das Laranjeiras, o Black Bloc finalmente chegou ao Palácio Guanabara…

…que já estava todo cercado com barreira dupla, umas duas fileiras de PMs da Choque e mais um monte deles entocados dentro do Palácio, que já estava às escuras. Além destes, havia vários pequenos bloqueios da PM pelas ruas adjacentes do bairro.

A galera colou na grade e ficou um tempo gritando palavras de ordem até que começaram a forçá-la, e significou a deixa para os PMs que estavam escoltando a marcha flanquearem a galera, sentando o cacete geral.

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A maior parte dos BBs recuou e quem tropeçou ou ficou pelo caminho levou muita cacetada.

Essa baixinha invocada desceu o cacete em vários caras. Será que se ela levasse uma pedrada no supercílio não iam fazer o maior dramalhão? Duas minas levaram um preju nessa noite, vamos ver se não vai dar em pizza como em todas as várias denúncias de abuso policial desde o início da onda de protestos.

A galera se reagrupou perto do viaduto e os PMs recuaram de volta às grades, então, depois de estourar uns morteiros, o Black Bloc avançou de volta, com bandinha tocando e o caralho.

Um taxista vacilão esqueceu de puxar o freio de mão e seu veículo virou escudo do Black Bloc. Alguém argumentou que se tratava de carro de trabalhador, mas como eu já disse anteriormente, a galera não morre de amores pelos taxistas nesta cidade.

Em mais uma manobra suicida, o Black Bloc avançou o quanto pode para cima da barreira policial, que respondia com balas de borracha e gás lacrimogêneo. Até que eles mandaram os veículos da Choque para cima e o povo recuou, uma parte indo em direção ao Flamengo e outra para o Cosme Velho.

Um artefato feito com três pontas de vergalhões soldadas na forma da catedral de Brasília foi o responsável por arriar o pneu desta van da Choque que perseguia a galera rumo ao Flamengo.

A maior parte da galera fugiu rumo ao Cosme Velho, bairro cheio de ladeiras e escadarias escuras que podem tanto facilitar uma dispersão como proporcionar enquadros bem desagradáveis. Lixo queimado, agências bancárias e pontos de ônibus detonados marcavam o caminho do Black Bloc em sua fuga da perseguição da Choque, que, mais uma vez, disparou com munição letal. Pelo menos duas cápsulas foram resgatadas pela galera.

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Seguindo a trilha dos destroços e informações de moradores, fui parar numa escadaria por onde um grupo de umas cinquenta pessoas havia subido. Decidi subir esperando encontrar uma reagrupação do Black Bloc. Junto comigo estava um tiozão que depois se apresentou como advogado, um casal bem jovem e um outro cara com uma câmera que depois disse que trabalhava ali por perto e sempre que podia acompanhava as manifestações. Então depois de subir uns 200 degraus no escuro absoluto, chegamos lá em cima e já tinham dois veículos cheios de caras da Choque nos esperando que, imediatamente, mandaram a gente encostar na parede para uma revista.

O tiozão então se apresentou como advogado e começou a passar umas orientações legais para a gente, deixando claro ali que ninguém se conhecia, para evitar a configuração do crime de formação de quadrilha, caso alguém tivesse algo errado. Fiquei relax porque não tinha nada em cima, mas sei lá, essas revistas são sempre um saco, sempre rola aquela apreensão de que o policial resolva o mistério daquelas cinco gramas de haxixe e meia cartela de ácido que desapareceram dentro da mochila no carnaval passado…

Mas não foi desta vez, eles não eram tão bons assim. Então, depois de implicar um pouco com a máscara de gás que os outros caras tinham (até hoje não comprei a minha) eles fingiram que iam nos liberar, mas, de repente, resolveram que deveriam recolher nossas identificações e endereços. Todo PM tem um caderno sujo onde anota a identidade e endereço das pessoas que aborda ao longo da carreira policial. Muita gente que conheço já deixou o nome nesses caderninhos – logo após liberar uma quantia para ser liberado de um flagrante de porte de drogas, só se por acaso ele resolver fazer uma denúncia de suborno…

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Mas então veio a parte divertida, enquanto o casal entregava seus RGs e endereços, o tiozão, que já tava bastante ofegante desde que subimos os duzentos degraus, sentou no chão e começou a passar mal e disse: “Eu tenho plano de saúde, se acontecer alguma coisa comigo, por favor, me levem a um hospital particular, mas se eu for parar no Souza Aguiar, falem com a Dra. Fulana. Por favor, não me abandonem”. Não sei se o cara tava de caô ou não, mas funcionou, os canas interromperam a função de identificação e nos liberaram na hora, longe deles querer segurar um pepino desses.

Eu já estava na rua filmando desde cedo, então, minha última bateria acabou e eu voltei para casa. Segundo apurei com meu camarada Victor F., uma galera se reagrupou e foi para a 9ª DP, aquela onde a Choque recebeu voz de prisão há duas semanas. A intenção era soltar os detidos e registrar ocorrências de abuso, mas não havia nenhum detido lá. Desta vez, a Choque os levou para a 5ª DP, na Lapa, não muito longe dali, mas bem longe da área das ocorrências e prisões. Um grupo formado basicamente de jornalistas e manifestantes que queriam registrar queixas seguiu rumo a Lapa e foi atacado aleatoriamente no meio do caminho por PMs enfurecidos. Meu camarada Victor filmou a ação que deixou uma mina bem machucada.

Mais uma vez uma noite de protestos foi concluída com vários abusos por parte da PM e da Tropa de Choque, amplamente documentados inclusive pelos próprios. Vários registros estão sendo feitos, o Instituto de defesa dos direitos humanos da OAB pretende mover uma grande ação contra a Polícia. Resta saber se alguém vai ser realmente punido.

Agora, muito se fala sobre o despreparo da Polícia Militar. Pessoalmente não acho que eles sejam despreparados, muito pelo contrário, acho que eles estão muito bem preparados para intimidar, reprimir e machucar. Muito mais preparados do que o exército brancaleônico negro que os combate com paus, pedras e fogos de artifício. Agora, com o emprego dessa tecnologia de monitoramento em tempo real vamos descobrir se a PM também é orientada para ser truculenta, pois, com certeza, muitos abusos foram registrados por essas câmeras também. Será que alguém vai ser afastado? Será que as câmeras vão ajudar a encontrar o Amarildo?

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