A manifestação contra tarifa no Rio abriu o ano letivo de luta na cidade das Olimpíadas

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A manifestação contra tarifa no Rio abriu o ano letivo de luta na cidade das Olimpíadas

O espírito contestador do jovem carioca se manifestou novamente e teve bomba de tudo que é lado no pé do Morro da Providência.

Ninguém no Rio se surpreendeu com os miados "fogos olímpicos" deste ano-novo né? No final do ano passado, todos os servidores públicos do estado do Rio, põe aê o "baile todo", doutores, professores, canas, todo mundo mesmo levou um calote do Pezão. O Governador, ao invés de pagar o devido 13º da servidoria pública, o parcelou em 5 vezes. E tem também a crise da saúde, que pra vocês terem ideia, foi fechado o Rio Imagem, aquele super hospital com um moisaco lindão assinado pelo Romero "é show" Brito. Várias outras unidades do estado fecharam as portas devido a essa crise na saúde que atinge até as forças de repressão — até o hospital da PM foi alvo de uma investigação que derrubou várias cabeças no comando da caquética instituição. Mas o cambalacho não para por aí; existem pela tal da interweb provas de que o rango da PM é arroz com salsicha. Porra, arroz com salsicha? Sério, lek?

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O ano virou reforçando o coro de "sempre a mesma merda". No primeiro domingo do ano, aquele que lança suboficialmente o carnaval de rua, a Guarda Municipal desceu a porrada em ambulantes, dando o recado que este verão vai ser suado. Seja no asfalto, ou na favela, especialmente em territórios de UPP (a tal da " pacificação"), gente morre dia sim dia não, ora é cana, ora é o tal do "bandido", mas na maioria das vezes é inocente mesmo. Enfins, no meio desse cenário os governantes ainda tem a audácia aumentar a passagem… Não demorou para o evento "traga sua indignação pra rua" ser convocado nacionalmente.

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Eram 18h e a Cinelândia já tava bombando. Militantes uniformizados, bandeirinhas, carros de som, e muitas, muitas câmeras. Não parava de chegar gente e toda hora era um joinha de longe, dois beijinhos ou um abracinho, toda vez que re-encontrava um colega de manifestação. Tava o maior clima de volta às aulas, com uns papos indo rapidamente do "há quanto tempo hein?" pro "e ae? Começou denovo né?". Quando o bonde finalmente saiu foi aquilo — os tartarugas ninja envelopando na frente e os busões e demais viaturas na retaguarda. Anarquistas na frente e a micareta partidária na cola. Sempre a mesma merda. Quando a manifestação chegou à ALERJ, a galera vestida de preto cantou o clássico "..tomou à Alerj, de pedra e pau", e saiu saindo, enquanto o resto fazia selfies. Foi o tempo em que chegou o carro de som e puxou uma assembleia para decidir o destino do ato; voltar pra Cinelândia ou seguir pra estação de trens Central do Brasil?

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Claro que o espírito contestador do carioca venceu a pelegagem. Algumas coisas não mudam nunca, o trajeto rumo Central e o fuzil apontando pra fora do carro em qualquer, repito qualquer, viatura da PMERJ. Quando a manifestação fechou metade da avenida Presidente Vargas deu pra se ligar que era gente pacas. Mas diferente do esperado, ninguém invadiu a Central do Brasil (que já tava com o comércio fechado e cheia de policiais do choque bem antes da galera chagar, tipo armadilha mesmo). Acontece que ali, em frente a entrada principal da estação de trem, tem um cercadinho que abriga uma base da Guarda Municipal que já foi palco de muitas covardias contra vendedores ambulantes do centro. Não demorou pra voar gás lacrimogêneo de um lado e cabeção de nêgo do outro.

Num primeiro momento, a PM só ficou observando, deixaram a Municipal atirar um monte de bombas e gás lá de dentro do seu cercadinho, várias delas caindo dentro da estação de trem inclusive. Teve uns punks que resistiram, sempre, do inicio ao fim, mas a maior parte do bonde correu em direção a área do antigo camelódromo da Central, no pé do Morro da Providência, uma das favelas mais antigas do país.

Essa região, como todas as outras do centro do Rio, estão cobertas de tapumes, buracos e focos de dengue (mó zica), deixados pelas obras olímpicas. À medida que a repressão ia avançando rumo ao extinto camelódromo, isso mexia com as pessoas daquelas comunidades. Uns caras aparecem do nada e tentam prender outro cara, então eu e outros malucos partimos pra cima, mas o cara tem uma arma. Ele diz que é policial. Um monte de câmera e mão pesada cercam esses caras. Eles empurram o "até então detido" e saem saindo, graças à cobertura de jato de spray de pimenta lançado por algum covarde colega do outro lado da grade. Sério, se liga só no vídeo:

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Aí tem sempre aquele momento em que algum lóki tenta mandar um CV e sai VC!

Do outro lado da obra, a porrada continuava — "Daqui eles não passam", me assegurou um cara que não era líder nem porra nenhuma, mas estava lá no meio dos moradores e camelôs que trocavam pedra com os policiais da Choque. Até que num devaneio medieval a PMERJ resolveu chamar a cavalaria. Foi surreal.

A essa altura do campeonato, depois que tiros e gás lacrimogêneo subiram à comunidade, um ônibus foi atravessado no meio da via e de trás dele rolou uma resistência. Os PMs da linha de frente ora avançavam, ora recuavam, mas estavam muito acuados. Atrás deles uma legião de moradores e midiaitivistas observavam as suas manobras desastrosas.

Por trás do "vidro fumê" daqueles cascos dava pra ver um olhar aterrorizado, de quem tem agora a certeza de que pode ser cercado, acuado, perdido, fudido, etc… O olhar amedrontado de quem sabe que tá em menor número… De alguém que não tem amigos! Que novidade? Com cada bombinha dessas da Condor arremessada pra Bangu daria para pagar milanesa e arroz a piamontese pro batalhão inteiro. E ainda assim… Centenas de bombas a cada ação e arroz com salsicha no rancho! Vai vendo!

A vida segue normalmente na comunidade. Afinal, é sexta, e nada como um dia após o outro dia. Quis colar junto pra fazer uns cliques e até botar um Pablo pra tocar na Jukebox, mas esse mano lançou um dedo logo de cara e fiquei com preguiça. Aí eu voltei pra casa.

Na hora de ir embora um menor me pediu um trocado. Ele tinha um par de cartuchos da Condor na mão.

— Troféu de guerra né lek?
— Isso aqui é alumínio, tio…

É lek! Acabaram as férias, o ano letivo de lutas começou.