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Fiz o teste para o MasterChef com ingredientes que achei no lixo de um supermercado

Apresentei um prato normal e feito com comida parcialmente estragada em uma competição cujo objetivo de vida dos participantes é ter uma estrela Michelin algum dia.

Todas as suas fotos são cortesia do autor.

Matéria originalmente publicada na VICE Espanha.

Este ano, fiz o teste para o MasterChef Espanha. Por um lado, achei que seria divertido aparecer na TV, por outro, achei a possibilidade de apresentar a visão culinária do meu país muito emocionante. Sou basco, então estou sempre competindo com os amigos para ver quem cozinha melhor. O MasterChef oferecia uma pressão adicional de ser avaliado por estranhos, a opção de competir com outros semiprofissionais e o risco de perder minha dignidade — mas fora isso, era basicamente a mesma coisa.

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Como toda grande aventura, tudo começou com minha namorada me encorajando a participar do teste, e me inscrevendo ela mesma quando demorei muito para me decidir. Eu não estava muito interessado no programa antes de me inscrever, mas assim que o processo começou, me transformei no Chefzila — um monstro feito de utensílios de cozinha e muita ambição.

Ainda assim cerca de 20 mil pessoas tinham se inscrito para o programa, então eu sabia que minha maior chance era mostrar um prato e ter uma história para contar aos netos. A primeira coisa que tive que fazer foi mandar um vídeo para a produção. Nele, eu preparava uma receita enquanto falava sobre mim. Isso não se mostrou um problema, e eu passei pela primeira rodada.

Fui chamado para um casting regional num hotel em Barcelona. Dessa vez, iria competir com outros 299 paga paus de chef — 300 espanhóis que acreditavam piamente que eram mais bonitos que os outros para a TV, e todos armados com facas de cozinha.

Nessa rodada, tínhamos que trazer uma segunda receita pronta de casa, e servi-la em nossos próprios pratos. Uma hora depois do começo do casting (com as câmeras rodando) um dos chefs do programa ia aparecer e ter acesso aos nossos pratos.

Passei as festas de final de ano pensando no que preparar e como ia apresentar o prato. Para aperfeiçoar minha técnica, cozinhei para minha família por duas semanas direto. O que me caracteriza como cozinheiro é meu gosto por materiais crus e a habilidade de aproveitar ao máximo os insumos que tenho à mão — legado de crescer numa família do pós-guerra, que passou a vida inteiro esperando passar fome ou ter que racionar comida em algum momento.

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Para me destacar, eu estava determinado a cozinhar com ingredientes que eu encontrasse no lixo de supermercados locais. Achei que eu podia pensar numa receita baseada nos produtos que acabam no lixo no final do dia, mas que são a única coisa que muitas pessoas podem pagar. Era uma posição ética, mas eu também tinha uma motivação mais banal e importante: fiquei completamente falido depois do Natal, então decidi economizar de todo jeito possível.

Num beco, encontrei um monte de vegetais (acelga, alho-poró e minipimentões), algumas bandejas de filé de frango (uma cheirando a suor de velho, então deixei lá), pão fatiado e iogurte. Tudo parecia mais ou menos bom para o consumo humano. Até tive a sorte de achar uma bandeja de cogumelos, que acabaram se tornando meu ingrediente-chave. Aí acrescentei alguns filés de bacalhau congelado que minha mãe tinha me dado em sua última visita à minha casa. Meu prato estava completo: Bacalhau confitado, cozido em baixa temperatura, com creme de cogumelos, frutas secas e castanhas. E meu teste não ia custar um centavo sequer.

O casting pareceu levar uma eternidade. Enquanto eu estava arranjando os filés de bacalhau no meu prato da IKEA (da linha 356+), os outros competidores posicionavam filés defumados em placas de ardósia, apresentavam os quatro sabores de puré de courgette (amargo, doce, ácido e salgado) com uma pitada de cinzas por cima, ou serviam uma sopa de peixe numa tigela rococó. Não podíamos levar nada para aquecer a comida — tudo tinha que ser preparado com antecedência e servido frio. Aparentemente, o objetivo do teste era "avaliar o mise-en-scène".

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Falta de sorte. Eu realmente não estava preparado para isso. Como meu prato da IKEA ia vencer louça do século 18 em se tratando de mise-en-scène?

Ainda assim, sei lá como, eu ganhei — junto com a mina da sopa de peixe rococó. Mais importante, fui o vencedor moral indiscutível do dia. Cheguei ao casting final com estilo.

Agora, sem querer ser metido, mas tenho que repetir que levei comida parcialmente podre e apresentei isso de uma maneira não muito artística, numa competição para pessoas que sonham ter uma estrela Michelin um dia. E passei no teste. Não venci com ingredientes de uma fazenda local, mas de um lixo de um supermercado que nem estava familiarizado com o conceito de "orgânicos". O cara que escolheu meu prato é um profissional, que, em teoria, deveria saber disso, mas provou minha comida e apertou minha mão.

De qualquer forma, lá estávamos nós, os 20 finalistas — o crème de la crème. Antes de passarmos para a final, fomos recompensados pela nossa perseverança e sacrifício com uma colher de pau com o logo do programa.

O último teste era preparar um prato com um ingrediente surpresa, que tinha sido escondido numa caixa. No meu caso, um perdiz. Fiz o que pude com o pássaro: enrolei isso em presunto curado e acompanhei com molho de licor reduzido e algumas tiras de batata-doce frita. Chamei isso de "Perdiz ibérica abraça a Catalunha". O chef achou o nome engraçado — uma das coisas mais gentis que ele disse pra todo mundo naquele dia.

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Mas não consegui entrar no programa. Estraguei tudo na entrevista pessoal. Acho que eu estava tão confiante em mim mesmo que não consegui levar a entrevista tão a sério quanto a parte de cozinhar. E parece que combinar as frases "sou um cara legal e preciso do dinheiro" com "e cozinhar sempre foi a minha paixão" não emociona muito as pessoas.

Algumas semanas depois, recebi um e-mail informando que eu não teria a chance de me tornar um MasterChef. Me recuperei da má notícia preparando um cozido de feijão num fogão de acampamento para o escritório inteiro, vestindo uma fantasia da Elsa. Foi quase tão glamouroso quanto vencer o MasterChef.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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