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‘Max Payne’ Foi o Jogo Que Entendeu a Minha Depressão

Max Payne, com seu jeito de HQ e video game, permitiu explorar um mundo onde o vício, a ruína e a morte predominavam, um mundo onde não estava tudo bem. Ao jogá-lo, sentia que estava começando a entender muito melhor a vida, meus problemas e minha...

Houve uma época em que eu não conseguia dormir. Tinha 17 anos, estava tendo problemas com a namorada, ansiedade antes das provas – a merda toda. Eu morava sozinho, então, na maioria das noites, era só eu e os meus pensamentos, perambulando pela casa da meia-noite às nove. Tinha alguns filmes que eu reassistia para acalmar os nervos, coisas do tipo Caminhos Perigosos, Oldboy – Dias de Vingança e O Poderoso Chefão, mas eles só tinham algumas horas, e depois de assistir dez vezes cada um, perderam um pouco a graça.

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Pode-se dizer o mesmo da minha coleção de jogos. Lá pelas três da manhã, eu desabava na frente do PlayStation pelo resto da noite. Mas os grandes hits da época — Stranglehold, Resistance: Fall of Man, Dead Rising — não eram muita coisa e, inevitavelmente, minha cabeça começava a divagar. Eu tinha acabado de ser diagnosticado com depressão e estava tomando ISRS (inibidores seletivos da recaptação da serotonina). Nem mesmo a infinidade de distrações oferecidas a um menino branco de classe média estava ajudando.

Com a exceção de Max Payne. Este jogo mais velho, lançado em 2001, dialogou comigo nesse momento da minha vida, primeiro porque o personagem principal, o epônimo Max, estava num período difícil também. Em um exemplo clássico daquele péssimo tropo narrativo "da mulher na geladeira", a mulher e a filha pequena do Max são mortas no início do jogo e ele parte em busca de vingança. É besta, pretensioso e tem um quê de história em quadrinho, e não tinha muito a ver com a vida de um menino adolescente que estava estudando para as provas, mas o Max e eu estávamos, indiretamente, na mesma sintonia. Ele estava sofrendo.

À minha maneira, eu também estava. Além disso, todos os personagens dos outros jogos que eu tinha eram heróis bonitos e descomplicados. Da mesma forma que os adolescentes que estavam sempre trepando e ficando muito chapados de Skins me faziam sentir deslocado, os protagonistas de queixo quadrado de Modern Warfare e Uncharted me acanhavam.

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Max Payne, apesar da narrativa idiota e machista, tinha um pouco de nuance, era um pouco menos exagerado. Não era um jogo em que todo mundo se divertia pra caralho o tempo todo — ao lado do Max, o viúvo ex-alcoólatra, os personagens de Max Payne eram tipos diversos de dependentes químicos, prostitutas e assassinos. Talvez fosse de fato a doença, ou talvez fosse só a adolescência falando mais alto, mas eu me sentia mais à vontade neste mundo virtual. Minha vida não era tão ruim quanto à dos personagens, mas estávamos todos, em nossas respectivas situações, passando por momentos difíceis.

E aí tinha a ambientação. Repito: muitos dos jogos que eu tinha na época, com exceção, talvez, de The Darkness, eram alegres e "divertidos". Até mesmo o hit sanguinolento de ação e terror Gears of War era bem animado – as cores eram deliberadamente sem saturação, mas os monstros eram grandes, as armas, barulhentas e a estética não era tão deprê quanto Max Payne.

Max Payne se passava em casas noturnas, motéis, biqueiras e estacionamentos. Era um jogo para baixo. Um jogo de base. Um jogo sórdido. Pensando agora, a adulteração é forçada, excessiva e um pouco desesperada. Mas se você já teve depressão, sabe que, mais do que melhorar, você quer chafurdar na sua sujeira. É um impulso masturbatório/masoquista, esse desejo de embeber o mundo em toda a sua fecundidade, mas lembro muito especificamente de decidir que, se a minha vida e a vida de muitas outras pessoas era ruim, não fazia sentido fingir que não era — era minha responsabilidade confrontar o mundo e suas várias merdas, e não dar para trás.

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Max Payne, com seu jeito de HQ e video game, me ajudou nisso. O jogo me permitiu explorar um mundo onde o vício, a ruína e a morte predominavam, um mundo onde não estava tudo bem. Ao jogá-lo, eu sentia que estava começando a entender muito melhor a vida, meus problemas e minha doença. Diminuía muito a minha sensação de ter sido especificamente escolhido para sofrer e me fazia sentir que o mundo em geral era apenas um lugar ruim em grande parte do tempo. Não sei se pensar desse jeito necessariamente ajudava ou dava esperança, mas com certeza me ajudou a não me sentir mais sozinho. Pensando agora, vejo que Max Payne não "entende" — ou se preocupa em "entender" — o tipo de mundo que representa, mas certamente me entendeu na minha adolescência e foi uma boa companhia quando eu estava para baixo.

E claro, eu adorava o fato de ser ambientado à noite. Eu jogava Max Payne quando tinha insônia, então a escuridão constante e os comentários do Max sobre não conseguir dormir muito rapidamente me cativaram. Repito, era como se ele existisse para mim — como se o jogo de alguma forma tivesse sido criado para os momentos e os motivos pelos quais eu jogava.

Não quero dar a Max Payne um crédito de muita grandeza ou credibilidade artística, porque é, afinal, um jogo em que você pode usar granadas de mão para explodir viciados ou atirar e matar um homem que está com as calças arriadas. Mas tem uma frase do Alan Bennett que reflete bastante a forma como eu sentia a experiência: "Os melhores momentos de uma leitura são quando você se depara com alguma coisa — uma reflexão, um sentimento, uma forma de se olhar as coisas — que julgava especial ou particular a si. E agora, ali está, escrita por outra pessoa. E é como se uma mão se estendesse e pegasse a sua."

Quando eu ligava Max Payne à noite, estava em uma situação dramática e obscura. Ao desligar, eu tinha visto refletido um lugar que era, de forma semelhante, dramático e obscuro, e já não me sentia tão sozinho. Não vou extrapolar e dizer que Max Payne me curou ou sequer ajudou a me curar da depressão, porque foram os médicos, os remédios e o apoio dos amigos e da família que fizeram isso. Mas naquelas noites longas, ao demonstrar para mim que nem todo mundo era feliz, nem tudo era bom e que eu não estava sendo punido a dedo por ser uma pessoa excepcionalmente ruim, Max Payne foi o jogo que me ajudou a dormir.

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