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Metal Aborígene

Há dois anos, a imprensa australiana noticiou uma pequena comunidade aborígene isolada nas profundezas do Norte da Austrália, região que também é conhecida como "casa do cacete" e "cu do mundo".

Há dois anos, a imprensa australiana noticiou uma pequena comunidade aborígene isolada nas profundezas do Norte da Austrália, região que também é conhecida como “casa do cacete” e “cu do mundo”.

Distúrbios violentos irromperam entre duas das maiores gangues da cidade e o governo australiano chegou a cogitar o envio de tropas do exército para acabar com a briga. Mas o que realmente nos impressionou foi que a cidade, que se chama Wadeye, estava dividida entre gangues cujos nomes eram homenagens a bandas de heavy metal, como Judas Priest, Evil Warriors, Slayer Mob, entre outras. Resolvemos ir até lá para ver isso de perto. Nada no mundo poderia ter nos preparado para o que encontramos lá.

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Mais da metade da população da cidade tem menos de 20 anos. Some isso ao fato de que até poucos anos atrás não existia ensino secundário na cidade (mesmo hoje, a frequência escolar é abaixo de um terço da população em idade escolar) e você tem um monte de adolescentes entediados vagando pelas ruas com merda nenhuma pra fazer a não ser fazer merda por aí. A solução da comunidade? Contratar uma caminhonete com uma jaula na caçamba que roda a cidade recolhendo a molecada. Quando isso não deu em nada, construíram uma piscina e criaram a regra “sem escola, sem piscina”. As coisas melhoraram por um tempo, até que a escola ficou superlotada—as classes eram pequenas demais para lidar com a enxurrada de estudantes que queriam nadar. A nova solução? Desencorajar os adolescentes a frequentarem a escola. Bem-vindo a Wadeye.

Tudo que é banco, parede e porta—independente de ser dentro de uma casa ou na parte externa do prédio da câmara de vereadores—tem os nomes, marcas e lemas das gangues arranhados ou rabiscados. Em todos os bairros, ruas inteiras estão marcadas com enormes “Iron Maiden” e “Judas Priest” para deixar bem claro no pedaço de quem você está.

Havia um clima dissimulado de opressão entre as garotas e as mulheres de Wadeye. Elas eram muito mais tímidas e inibidas do que os homens, mas a impressão que dava é de que eram extremamente delicadas. Com o alto índice de violência contra a mulher notificado na cidade, eu não podia deixar de me perguntar quantas das várias garotas e mulheres que conhecemos haviam sido, ou ainda eram, vítimas de abuso físico e sexual. A garota que segura sua filha nessa foto tinha 17 anos. Ela morava na mesma casa que sua prima, que aos 24 anos já era avó.

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Conhecemos os membros mais jovens da Slayer Mob no pátio da escola. Eles estavam no telhado tentando acertar papagaios no alto dos galhos dos eucaliptos com estilingues feitos com câmara de bolas de futebol. Esse papagaio teve o azar de sobreviver ao impacto, e os meninos disseram que iam levá-lo para casa e domesticá-lo. Levando em conta a quantidade de penas verdes brilhantes e carcaças depenadas espalhadas pelo chão daquela área, eu não apostaria na sorte do bicho.

Esses eram alguns dos membros mais velhos da Slayer Mob na sede da gangue. Eu sou fã do Slayer, mas prefiro não ter nada em comum com esses caras. Perguntei sobre as disputas entre as gangues rivais que geraram aquele tumulto enorme. A resposta, sem um pingo de ironia, foi que aquela confusão gigantesca começou porque membros da gangue Judas Priest afirmaram que o Rob Halford era o melhor cantor de heavy metal de todos os tempos. Você consegue imaginar esses caras brigando com os Judas Priest durante uma tempestade de raios no deserto no meio da noite enquanto o Angel of Death toca a todo volume de algum alto-falante mágico no céu? Talvez seja viadagem minha ficar imaginando essa cena… mas acho que não.

Nos anos 30, quando foi fundada como uma missão católica, Wadeye chamava-se Port Keats. A cidade ainda mantém as tradições católicas, mas também pratica as crenças espirituais aborígenes. Isso pode confundir um forasteiro. Jesus é negro e a molecada usa camisetas satânicas de heavy metal e rosários pendurados no pescoço. Uma das coisas mais estranhas que vi enquanto estávamos lá foi durante o batismo de um recém-nascido na igreja local. O heavy metal vindo da vizinhança abafava a bênção do padre, e o pai da criança estava usando uma camiseta do Anthrax escrito “Siga-me e morra!”.

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Empilhar 12 pessoas de uma gangue heavy metal aborígene em um carro alugado e dirigir pela floresta por algumas horas ao som de Judas Priest é pedir para arranjar confusão. Para a nossa sorte, os únicos que se deram mal nessa brincadeira foram o canguru Skippy e o jipe. Assim que atropelamos o bicho, os membros mais novos da gangue correram até ele. A primeira coisa que passou pela minha cabeça foi: “Que merda! Será que tem um hospital veterinário por aqui?”. E a primeira coisa que passou pela cabeça desses moleques de dez anos foi: “Vamos esmagar a cabeça desse canguru com uma pedra e depois cortar os bagos dele fora”.

Nos disseram que já fazia um tempo que não tinha nenhuma briga de gangues em Wadeye, mas mesmo assim ficamos apreensivos quando nos convidaram para ir a uma festa onde estariam todas as gangues rivais da cidade. Em vez de brigarem ou ficarem cada um na sua se encarando, cada gangue levou para a festa seu disco preferido de suas respectivas bandas e entregou para o DJ na entrada. Então, quando tocava Run to the Hills, por exemplo, toda a gangue Maiden corria para o gramado em frente à festa para fazer air guitar e dar moshes diante das outras gangues para provar sua lealdade à gangue e à banda.

Esse cara era incrível. O nome dele era Sebastian e, apesar de ser um membro da gangue Judas Priest ele contou que não gostava de heavy metal, que preferia rock ‘n’ roll e country. Quando chegou a vez dele de cair na pista, todas as gangues abriram espaço e ele apareceu do nada e deu um show. Quando a música dele acabou ele simplesmente virou as costas e foi embora da festa.

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Essas fotos foram tiradas dentro da casa da família de dois irmãos da gangue Slayer. Dá para ver como as paredes estão todas rabiscadas. Fora isso não tinha absolutamente mais nada nos cômodos: nem mesas, nem cadeiras, nem sofás, nem mesmo camas.

Cartazes alertando para os perigos de inalar gasolina e fumar maconha estão espalhados por toda a cidade. Não vimos ninguém inalando gasolina, mas vimos bastante gente fumando maconha.

A criançada de Wadeye é su-peramigável e autoconfiante. E todos gostam pra caralho de heavy metal.

Esse porco bebum estava na parede de um bar em que paramos no caminho de casa.

Para uma cidade tão obcecada por música, era estranho que esses cinco CDs fossem os únicos disponíveis na única loja da cidade. E, como tudo que está à venda em Wadeye, eram bastante caros—quase o dobro do que custariam numa cidade grande. Quando perguntamos, a maioria das pessoas disse que comprava discos em Darwin, que fica a seis horas de carro de Wadeye.