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Entretenimento

Meu Encontro Supersecreto com um dos Maiores Barões do Silk Road

Com um histórico impecável de ópio e haxixe puro nas mãos, uma posição confiável no Silk Road original e contato com os associados de Dread Pirate Roberts, a Scurvy Crew conseguiu resistir a cada tempestade da Deep Web.

Um pouco do ópio espanhol da Scurvy Crew.

O Dread Pirate Roberts capitaneava um navio que muitos acreditavam ser impossível de afundar. Mas quando o FBI apreendeu o site Silk Road original em outubro de 2013, prendendo o suposto chefão –  Ross Ulbricht, 29 anos – o império on-line da droga começou a afundar. Suas centenas de milhares de clientes se espalharam pela Deep Web, e mais de sete vendedores conhecidos do Silk Road foram identificados e presos.

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À medida que o caos se desenrolava no mainstream e histórias sobre os supostos assassinos contratados por Dread Pirate Roberts (DPR) chegavam às manchetes, um importante sindicato da droga do Silk Road estava tranquilo em sua casa na Europa, sentado ao lado de um monte de ópio e com uma decisão a tomar – eles deveriam aceitar suas perdas e desaparecer no éter, enquanto ainda estavam na frente, ou continuar gerenciando sua lucrativa rede de drogas on-line, bem no meio de toda essa atenção extra?

E esse sindicato das drogas, conhecido na Deep Web como Scurvy Crew, decidiu voltar ao trabalho. Para eles, isso significava lavar Bitcoins, embalar drogas a vácuo e atravessar a fronteira com o Marrocos levando um saco cheio de droga pura. O Silk Road teve uma morte súbita nas mãos das autoridades, mas como um dos mais bem cotados vendedores até o fechamento do site pelo FBI, a Scurvy Crew viu o desaparecimento do site como uma oportunidade para diversificar.

Depois de seis meses de negociação, através de e-mail criptografado e muitas ligações de chips há muito descartados, o chefe do Scurvy Crew concordou em me encontrar. Ele disse que poderia me explicar os processos internos de seu empreendimento na Deep Web, de seu começo humilde até os quase um milhão de dólares de lucro que isso gera atualmente. Conhecido por mim pelo pseudônimo “Ace”, o chefe afirmava representar um novo tipo de traficante de drogas.

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“Não faço isso só pelo dinheiro”, ele me escreveu por e-mail. “Eu gosto de fornecer um serviço de qualidade.”

Ace concordou em me encontrar, ele queria provar que o mundo do tráfico de drogas da Deep Web é uma rede de operações complexa, única e até respeitável – não o submundo de assassinatos por encomenda e golpes de Bitcoins que a mídia geralmente mostra. Eu queria escrever sobre como alguém se torna um empresário de sucesso no Silk Road, e Ace era exatamente isso. Também descobri que ele foi, provavelmente, a última pessoa a se comunicar com Ross Ulbricht, minutos antes de ele ser preso em outubro numa biblioteca em São Francisco.

Fui orientado a viajar até um lugar do continente europeu, mas eu tinha que ser investigado antes de encontrar Ace. Ele pediu meu nome completo, data de nascimento, número do voo, hora de chegada, número do passaporte, endereço do hotel e até que meios de transporte eu iria usar para ir do aeroporto ao hotel. Dei as informações que ele pediu e me disseram que associados da Scurvy Crew estavam verificando minhas informações.

Depois de alguns dias de silêncio, a Scurvy Crew me contatou novamente. Quando a mensagem que eles me enviaram foi decodificada, as únicas palavras eram: “Não saia do aeroporto até receber instruções”. Parecia um pouco sinistro, mas decidi pegar o voo para o local combinado e esperar.

Chegando ao aeroporto, fiz o que me mandaram, esperando pela ligação da gangue que, nos primórdios do Silk Road, era supostamente responsável por 30% do dinheiro que fluía pelo site. Depois de 20 minutos, meu telefone tocou. Era o Ace.

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“Vá até a estação de trem mais próxima”, ele disse. “Meus amigos estão por perto.”

Saí do aeroporto e cheguei à estação. Lá, Ace me ligou de novo, para confirmar que seus homens tinham me visto entrar no trem e tudo estava correndo perfeitamente bem.

“Meu pessoal está no trem com você.”

Cinco minutos depois, outra chamada. Ace me instruiu a descer na próxima estação e andar até uma praça próxima. Sentei ali por alguns minutos e tentei adivinhar quem, das centenas de pessoas andando ao meu redor, era o cara da Scurvy Crew que me seguia.

Outra chamada, Ace.

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“OK, estou te vendo agora”, ele disse. “Quando eu andar até você, diga apenas 'oi' e me siga.”

Um minuto depois de desligar o telefone, um cara alto, porém, indescritível, branco, de uns 35 anos, se aproximou e acenou com a cabeça.

“Ace?”, perguntei.

O homem sorriu e apertou minha mão, enquanto eu pensava que ele parecia mais um contador de ressaca do que o arquétipo de barão do tráfico.

Segui o Ace por uns 15 minutos, enquanto andávamos até uma área mais isolada da cidade, e chegamos, por fim, num barzinho sujo, onde havia algumas mesas no andar superior. Ace pediu que eu esvaziasse minha bolsa em cima de uma das mesas. Abri o zíper da mochila e derramei minhas coisas. Ele vasculhou minhas camisetas amassadas, meus blocos de notas e o forro da bolsa, depois me pediu para entregar meu passaporte e telefone. Ele tirou a bateria do meu celular e escaneou meu passaporte, provavelmente para verificar se o número que eu tinha dado antes batia.

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Depois de alguns minutos de conferência de segurança, Ace ficou satisfeito em ver que eu era quem dizia ser.

“Nada pessoal”, ele disse. “Mas preciso ser cuidadoso demais nesse jogo.”

Mas seria ele o verdadeiro Ace, ou só um de seus homens tentando me enganar?

Para provar que era quem dizia, ele pegou um pequeno laptop e logou usando a mesma chave PGP que usamos para nos comunicar durante meses. Ele também se logou na conta de usuário da Scurvy Crew no novo Silk Road – Silk Road 2.0, uma réplica lançada no dia 6 de novembro, supostamente gerenciada pela mesma equipe do site original. E mesmo servindo a seu propósito, o Silk Road 2.0 está cheio de erros, ladrões de Bitcoins, drama interno e hackers à espreita.

No entanto, o site continua sendo o ponto principal de negócios para o tráfico de drogas na Deep Web, o que ficou rapidamente claro quando Ace me mostrou sua lista de pedidos, aparentemente infinita, do dia – pedidos de ópio espanhol, haxixe marroquino, cristais de LSD se empilhavam enquanto ele rolava a tela para baixo.

Eu queria saber como um cara normal acabou nesse caminho, que acabou levando-o à notoriedade do Silk Road e a um negócio próspero de tráfico de drogas internacional. Ace arregaçou as mangas, olhando ansiosamente em volta, depois sentou em minha frente. Quando ele começou a me contar sua história, seu comportamento mudou; ele entrou no papel de profissional, como quando um apostador explica as minucias de sua técnica vencedora.

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Um pouco do LSD da Scurvy Crew.

Acontece que Ace começou sua carreira em narcóticos de uma maneira mais tradicional: como um traficante de meio período nas ruas. “Eu e outros caras estávamos [traficando drogas] para uma cidade europeia, uns quatro anos atrás”, ele me disse. “Vendíamos o que todo mundo queria – pó, erva, pílulas. Éramos quatro, e eu os organizava e recebia a reposição de estoque. No fim, um dos caras foi preso, depois outro. Então, pensamos que era um muito arriscado fazer as coisas desse jeito. Demos um tempo. Cada um seguiu seu próprio caminho e começamos a tentar ganhar a vida de um jeito mais legítimo.”

Mas o caminho legítimo se provou entendiante para Ace, que resolveu viajar com o dinheiro de seu negócio anterior. Em 2011, alguns anos depois de sair de viagem, ele foi atraído de novo para a venda de drogas depois de descobrir o Silk Road com um grupo de australianas que ele conheceu na Espanha.

“Na Austrália, é difícil conseguir drogas boas a preços decentes, então essas garotas usavam muito [o Silk Road]”, ele disse. “Resolvi investir na ideia [de traficar na Deep Web]. Fiz uns quatro meses de pesquisa. Comprei várias coisas e vi que essa era uma opção viável. Então comecei a pensar no que eu poderia vender. Eu estava na Espanha, e todo mundo sabe que a Bayer cultiva ópio lá, em campos altamente controlados e vigiados por militares.”

Ace estava se referindo à empresa farmacêutica alemã Bayer, cujos químicos foram, ironicamente, os primeiros a produzir e comercializar heroína para as pessoas no final dos anos 1890. Ace afirmou que a empresa ainda cultiva ópio de alta qualidade na Espanha, que é usado como ingrediente de alguns de seus produtos. Quando tentei confirmar as alegações de Ace com especialistas, um pesquisador me disse que isso não é totalmente improvável; empresas farmacêuticas, através de partes terceirizadas, supostamente comprariam papoulas de todo o mundo para extrair ópio para uso científico e medicinal. E quando contatei Julien Little, o porta-voz da Bayer no Reino Unido, ele me disse que, apesar de a empresa não cultivar ópio, é “possível que a Bayer use fazendas altamente monitoradas contratadas” para cultivar o produto.

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Então, o Ace pode mesmo ter tropeçado na plantação de alguém. E, levando em consideração o ópio de inacreditável qualidade e os guardas armados que ele disse ter encontrado nesses campos de papoulas, ele tem certeza que encontrou um campo de fornecimento farmacêutico profissional, mesmo sem poder verificar isso com certeza absoluta.

“Para encontrar esses campos, você tem que estudar os artigos que saem sobre isso. Aí você tem que subornar os repórteres pela informação da localização ou conhecer certos fazendeiros”, ele disse. “Assim que chega na área, você vê o campo em plena floração e tem que voltar dois meses depois, quando as papoulas estão verdes, mas as pétalas já caíram.”

Equipado com seu conhecimento recém-adquirido no Silk Road, um facão e um saco, Ace decidiu, numa noite de 2011, arriscar e tentar entrar num desses campos. Depois de uma noite inteira se arrastando na terra entre os caules de papoula, ele chegou em casa com uma quantidade considerável de ópio para extrair e foi rapidamente vender seu produto no Silk Road, colhendo lucros modestos, porém, estáveis. Para evitar chamar a atenção de sua nova linha de trabalho, ele montou um pequeno negócio de fachada para lavar seus Bitcoins. Depois do primeiro mês, Ace estava convencido. O Silk Road se tornaria o campo de batalha em sua guerra contra a Guerra às Drogas.

Para acompanhar a demanda, ele acabou contratando alguns amigos locais para ajudar com o cultivo de papoula. Nesse ponto, enquanto as pessoas estavam confortáveis em casa pedindo o ópio de Ace pela internet, o perigo dessa nova linha de trabalho se tonou bem real. Uma noite, enquanto Ace e seus associados se arrastavam pelos campos de ópio, colhendo cabeças de papoula maduras, eles ouviram tiros à distância. Balas zuniram sobre suas cabeças, rasgando as plantas. Os seguranças estavam chegando.

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“Pensei comigo: 'Eles não podem estar atirando na gente'”, disse Ace, lembrando da noite com certo terror. “Então, começamos a engatinhar. De repente, meu amigo gritou. Ele tinha levado um tiro na perna.”

O amigo estava se contorcendo no chão com um buraco de bala quente na coxa. Ace e outro associado o agarraram e arrastaram através do campo de papoulas: “Estávamos rezando para que os putos não vissem as papoulas se mexendo”, ele disse.

Com a adrenalina alta e com medo de levar uma bala, Ace e seus amigos conseguiram correr a curta distância entre o campo de papoulas e o carro. “Jogamos ele na parte de trás do carro”, ele relembra. “Dirigimos com os faróis apagados até o final dos campos de oliveiras. Meu amigo sangrando atrás no carro. Decidimos levá-lo a um veterinário que conhecíamos, assim ele podia levar alguns pontos sem que tivéssemos problemas.”

O amigo sobreviveu. Ace ficou pensando por um momento e disse: “Não acho que [os seguranças] acreditavam que tinha alguém no campo… eles só estavam se divertindo atirando nas papoulas.”

Essa experiência fez Ace perceber que era preciso se arriscar para conseguir as melhores drogas. Então, em vez de amarelar, ele decidiu que uma tripulação de trabalhadores confiáveis era necessária para atingir o alto nível que ele buscava.

“A Scurvy Crew começou propriamente com uma leva de haxixe do Marrocos, que levamos até o sul da Espanha”, ele disse. “Basicamente, eu me juntei a um grupo de amigos que decidiu ver qual era o hype disso, porque todo mundo estava contrabandeando haxixe do Marrocos e fazendo pequenos lucros. Como eu vinha do negócio de cocaína e MDMA, eu não tinha uma clientela prévia para vender grandes quantidades de haxixe, ou mesmo compras únicas –  mas agora eu tinha o Silk Road. Então, usei isso para vender o que tinha trazido do Marrocos.”

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Ace estava no topo da Scurvy Crew, o que permitiu que ele não só governasse com punho de aço, mas também demonstrasse a integridade que ele acreditava que devia ser aplicada ao jogo das drogas, tudo isso exclusivamente pelo Silk Road. Logo, a equipe se tornou um nome confiável no Silk Road. Julgando pelo feedback, é possível ver que seu “ópio Bayer”, a marca registrada do grupo, era o melhor no mercado. E ninguém mais estava vendendo isso – e provavelmente por uma boa razão. Como Ace disse: “Não é todo mundo que tem colhões para entrar num campo vigiado e roubar ópio”.

O dinheiro aumentou, a Scurvy Crew amadureceu. Ace contava agora com fornecedores e embaladores trabalhando para ele; dentro de seis meses, ele foi de um cara se arrastando na terra sozinho para um time de pessoas que o ajudavam a comercializar seu produto. O ópio e o haxixe saíam quase tão rápido quanto entravam. Ace não conseguia mais lidar com todo o volume sozinho, então, comprou duas casas seguras para processar seu produto. Logo, o negócio era uma máquina bem lubrificada, com cada vez mais membros dedicados à equipe.

“Temos um time nos campos de papoula. Eles colhem o ópio e o secam, que é um processo de uns dez dias – você tem que manusear isso o tempo todo, como uma massa, para tirar todo o ar. Aí você tira a umidade. Quanto mais seco o ópio, maior sua qualidade”, explicou Ace.

“Depois, dentro dessas casas, o ópio é aquecido, aberto numa camada fina com uma máquina de fazer macarrão, e sai da espessura de um papelão. Assim que fica pronto, nós o cortamos em blocos. Usamos uma guilhotina para fatiar tudo – cada bloco pode ser de uma, cinco ou dez gramas. Assim que os pedidos chegam pela manhã [através do Silk Road], o endereço é impresso para aquele pedido. E depois isso vai em duas camadas [para ser embalado]. Uma é a camada selada a vácuo, a outra é uma camada MBB [moisture barrier bag ou embalagem de barreira de umidade]. Depois, mandamos isso por carta para o mundo todo. É uma linha de produção. E, considerando que enviamos, digamos, mil gramas por semana, talvez perdendo 10 ou 20 gramas [para a alfândega], definitivamente, vale a pena.”

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Levando cerca de US$14 de lucro por grama, a Scurvy Crew faz hoje cerca de US$14.000 por semana, somente com o ópio.

Por isso, no final de 2012, depois de menos de um ano de negócio, Ace estava fazendo “dinheiro demais” para lavar em sua pequena companhia de fachada. Normalmente, para encontrar um contador desonesto o suficiente para lavar tanto dinheiro, Ace teria que se misturar em círculos nos quais ele não está disposto a entrar, mesmo se quisesse. Mas, de novo, graças às conexões infinitas do Silk Road, Ace estava a apenas alguns cliques de distância de alguém que poderia dar uma mão.

“Encontrei um falsificador muito bom, que sempre ajudou a Scurvy Crew com um ótimo serviço de saque”, disse Ace. “Ele criou contas nos Estados Unidos, Suíça… e o que ele faz é utilizar os três principais meios de troca de Bitcoin [para vender Bitcoins]. O dinheiro vai diretamente para as contas falsas na Suíça e nos Estados Unidos.”

Com o dinheiro entrando rápido, a Scurvy Crew leva uma vida mais confortável. Eles comem bem, compram propriedades e viajam com frequência. Mas graças à ética de Ace, segundo ele, as pessoas de quem ele compra o haxixe também prosperaram.

Um pouco do haxixe marroquino da Scurvy Crew.

“Com o passar dos anos, estabelecemos relações pessoais com os fazendeiros [de haxixe] no Marrocos”, disse Ace. “O que notei é que havia muitos fazendeiros completamente desamparados – eles não tinham nem banheiro. Eles simplesmente cagavam num buraco cavado no chão.”

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Enquanto viajava por Ketama e Azila, nas montanhas marroquinas, para comprar seu haxixe de altitude, Ace decidiu que tinha que dar algo em troca aos fazendeiros que o ajudaram a fazer sua pequena fortuna. “Fizemos acordos de exclusividade com os fazendeiros, por causa da quantidade que compramos. Então, decidimos dar a eles uma quantia inicial para ajudá-los a melhorar suas condições de vida”, ele disse.

Um acordo de ajuda mútua ficou em sua cabeça: “A mulher de um dos fazendeiros estava muito doente e não podia pagar por ajuda médica, então fizemos um acordo no qual pagamos pela assistência médica dela e por algumas reformas básicas, já que ficava realmente muito frio lá em cima no inverno. Instalamos aquecimento básico, construímos um banheiro, levamos a mulher dele ao médico e demos um dinheiro extra para um sistema de irrigação. Então, quando a primeira colheita aconteceu, depois de três meses, ficamos com ela em troca do que tínhamos feito anteriormente. Agora, temos uma ótima relação de trabalho lá, e assim que a colheita é feita, temos uma cara que busca tudo e paga pelo produto na hora. Tudo vai indo bem há dois anos.”

Com o ópio e o haxixe fluindo, milhares de clientes do Silk Road compravam regularmente da Scurvy Crew e deixavam um feedback positivo, recomendado as drogas do grupo e elogiando sua descrição e velocidade na entrega. Os negócios iam bem, as avaliações eram excelentes e o próprio Dread Pirate Roberts estava feliz com o progresso de Ace. Os dois se falavam com frequência. Era uma “relação de trabalho”.

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“Tínhamos uma boa relação”, disse Ace.

A primeira vez que vi o nome de Ace no Silk Road foi nos fóruns que surgiram depois da prisão de Ross Ulbricht. Esses fóruns foram apagados, mas Ace – até onde pude ver – foi a primeira pessoa a levantar uma bandeira vermelha sobre Dread Pirate Roberts, antes que as notícias de sua prisão chegassem à mídia. No dia 1º de outubro de 2013, Ace comentou: “Acho que alguma coisa está errada com DPR”. Uns 30 minutos depois, os fóruns foram inundados com notícias da suposta captura de Dread Pirate Roberts.

Naturalmente, Ace foi cauteloso quando perguntei sobre isso. “Senti que alguma coisa estava acontecendo”, ele disse.

A julgar pela hora e dia em que Ace estava falando com Dread Pirate Roberts, ele acredita que eles estavam literalmente “no meio de uma conversa quando [Ross] foi preso”.

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“Acho que uma das mensagens que mandei a DPR foi respondida por ele, e a seguinte, um minuto depois, por um agente do FBI”, ele explicou. “Foi a coisa mais estranha. Estávamos discutindo sobre acrescentar novas características ao site – tenho certeza de que era ele mesmo, era o jeito normal dele – aí a próxima mensagem veio escrita de maneira completamente diferente.”

Ace disse que Dread Pirate Roberts pediu, de repente, uma cópia da identidade dele. Isso não seria tão estranho, já que sabe-se que DPR coletava informações pessoais daqueles que trabalhavam em seu círculo interno, mas jogar isso aleatoriamente numa conversa foi o que perturbou Ace.

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“Cortei a conversa ali. Naquela hora, fui aos fóruns e disse: 'Gente, acho que tem algo estranho acontecendo'. O esquisito foi que [a mensagem] estava criptografada com a chave PGP [do DPR], e seu anel de chave ainda estava aberto, então, naquele momento, eu soube que eles estavam no computador dele.”

Esse também foi o momento em que o negócio de Ace bateu nas pedras. O Silk Road original foi apreendido pelo FBI e todos os Bitcoins que ainda estavam no serviço de custódia foram engolidos com ele. Cerca de $28,5 milhões de espólios do Silk Road foram tomados pelas autoridades.

“A Scurvy Crew perdeu mais de $500.000 na queda do Silk Road 1”, disse Ace, parecendo ainda perturbado com as perdas da época. “Mas os problemas [da apreensão do Silk Road] não duraram muito”, ele continuou. “Dentro de duas semanas, já estávamos em pé de novo e funcionando nos dois outros mercados.”

Os “outros mercados” eram bazares de droga on-line alternativos que funcionavam na época: Sheep Marketplace e Black Market Reloaded. Os dois vinham operando ao mesmo tempo em que o Silk Road, mas ficavam à sombra de Dread Pirate Roberts e seu mercado superior. No entanto, com esse navio afundado, os usuários do Silk Road migraram para os competidores. O influxo foi quase impossível de manejar.

Backopy, o fundador do Black Market Reloaded, fechou os novos registros por três dias, depois que seu tráfego aumentou de cerca de 2 mil usuários por dia para mais de 5 mil. O Sheep Marketplace foi de 500 anúncios de drogas para 1.500 em apenas alguns dias. Os dois mercados, no entanto, caíram de volta no abismo. O Sheep Marketplace desertou com milhares de Bitcoins dos usuários e o Black Market Reloaded fechou completamente em 23 de dezembro de 2013. A desculpa de Backopy foi que seu mercado não podia “aguentar outra onda de refugiados”, depois que o Sheep Marketplace desapareceu. Ele disse, nos fóruns do Black Market Reloaded, que “o Tor não suporta nenhum site desse tamanho”, dando tempo para que seus 30.755 usuários registrados fugissem com seus Bitcoins.

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Sheep Marketplace, uma das alternativas ao Silk Road.

Com um histórico impecável, ópio e haxixe puro nas mãos, uma posição confiável no Silk Road original e contato com os associados de Dread Pirate Roberts, a Scurvy Crew conseguiu resistir a cada tempestade da Deep Web excepcionalmente bem. A equipe agora está no Silk Road 2.0, reconstruindo sua clientela (boa parte dela seguiu o grupo por toda a Deep Web) e está se ramificando para vender outras drogas.

A posição atual de Ace como chefe significa que ele raramente tem que sujar as mãos. “Levanto de manhã e confiro o monte de mensagens que sempre tenho”, ele riu. “Passo pelos pedidos e crio uma lista de trabalho que divido em duas parte, porque o ópio e o haxixe estão em casas seguras diferentes. Mando a lista do ópio para um lado, o que significa que todos os pacotes têm que estar prontos para aquele mesmo dia. Mando a lista do haxixe para o outro, e espero que as duas listas de pedidos sejam postadas até às quatro da tarde do mesmo dia. Então, o ciclo se repete. Passo o resto do dia conversando com meu time e organizando os negócios.”

Nesse ponto, Ace demonstrou (talvez para provar que não estava mentindo) que ele “vive mesmo essa vida”, passando pelos enormes pedidos que ele tinha acabado de receber no Silk Road 2.0. Nesse momento, eu tinha poucas dúvidas de que Ace era quem dizia ser. Ele parecia alguém de verdade, e se mostrou ansioso para me mostrar provas de suas declarações. Ele tinha, claramente, muito orgulho do negócio que construiu e do dinheiro que gerenciava.

“Você sabe o que é acordar de manhã e poder decidir que você quer jantar em Paris?”, ele me perguntou. “Ou comprar um carro novo porque você enjoou do velho, ou ter casas em um monte de lugares diferentes? É uma coisa que nunca pensei que teria.”

Ele disse isso sem se gabar, mais como se estivesse maravilhado. Senti que era catártico para o Ace ter alguém com quem conversar de forma honesta sobre seus negócios. Ele era genuinamente impulsionado pelo trabalho, mas as manchas escuras ao redor dos olhos davam uma pista do preço que todo esse segredo cobrava.

“A parte ruim são as mentiras”, ele disse. “Tem dias em que eu preferia ter um trabalho normal, em vez que ter que olhar o tempo todo para trás, me preocupar constantemente com quem está batendo na porta, ou aonde posso ir, ou mesmo se alguém está me seguindo na rua. Não sei que detalhes o FBI tem sobre mim – tudo o que sei é que devo continuar assim e me divertir; ou nada disso vale a pena.”

Ele terminou a entrevista com uma ressalva: ele disse ter mais medo de perder a batalha contra as autoridades do que de passar a vida na cadeia. Depois de falar com uma boa porção de criminosos, já ouvi essa conversa centenas de vezes – mas acho que Ace estava dizendo a verdade. Ele não parecia estar se gabando ou se enganando, ele soava honesto. Ele acreditava no que fazia.

Depois de duas horas de conversa, era hora de partir. Peguei minhas coisas e agradeci ao Ace, e mesmo existindo a possibilidade de estar sendo vigiado, tive a permissão de sair do bar sem escolta.

Quando finalmente encontrei o caminho de volta à estação de trem, algo chamou minha atenção. Olhei para cima e vi um grande sinal em néon da Bayer.

Não sugerimos aqui que a Bayer compra ópio para propósitos ilegais ou que comercializa qualquer droga ilícita.

Também não estamos sugerindo que a Bayer sabia sobre o tiroteio narrado por Ace ou que aprova tais atividades.

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