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Na Real, os Políticos Estão Cagando pras Jornadas de Junho

Conversamos com cinco cachorros grandes de partidos da esquerda e da direita, mais um punhado de analistas, para saber o que sobrou daquela onda toda.

A VICE traz um espaço de interação com o leitor no rodapé dos textos. Se você é xarope, xinga lá. Mas se você tem se perguntado onde foram parar todos aqueles protestos de junho de 2013 que não pediam menos que a mudança no eixo de rotação do Planeta Terra, responda: cadê?

Com o fim da Copa e o início da campanha eleitoral, muita coisa miou e a força brutal da inércia pôs de novo em seu leito o imenso, sujo e caudaloso rio da política.

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“Há um momento de refluxo”, reconheceu o cientista político Pedro Fassoni, professor da PUC-SP. “Os protestos de junho reuniram 200 mil pessoas em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte; depois voltaram novamente com a Copa, mas agora definitivamente há um refluxo.”

É difícil medir o sucesso ou o fracasso de manifestações que falavam sobre tudo e sobre nada ao mesmo tempo: o que Fassoni e outros chamam de “sentimento difuso de descontentamento”. Seja como for, os políticos incorporaram pouco do que estava no ar – além da retórica em suas campanhas.

“Essas manifestações convocadas pelas redes sociais sem liderança definida, que não deram seguimento a reivindicações específicas, são as responsáveis pela inexistência de resultados concretos. As iniciativas isoladas acabaram não andando, se perderam no tempo”, resumiu Antônio Augusto de Queiroz, do Diap (Departamento Interssindical de Assessoria Parlamentar), órgão que desde 1983 faz o monitoramento do Congresso Nacional para um grupo de 900 entidades sindicais de trabalhadores.

“Aqui em Brasília, as coisas só funcionam sob pressão: direcionar recursos e esforços para um assunto significa tirar recursos e esforços de outro assunto. Nada acontece por geração espontânea na capital. Quando a pressão cessa, o movimento é interrompido também”, explicou o analista político, que é também autor de clássicos da literatura parlamentar como Por dentro do governo – como funciona a máquina pública, Cabeças do Congresso Nacional e Por dentro do processo decisório – como se fazem as leis.

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“A história de que o gigante acordou é evidentemente falsa”, complementou Fassoni. “Para o pessoal sem-terra, sem-teto, negro, de periferia, LGBT, a luta não começou em junho nem terminou na Copa. Eles continuam aí.”

Falamos com cinco partidos (PT, PSDB, PTB, Psol e PSTU) para saber o que eles acham disso – incluindo o candidato à vice-presidência pelo PSDB, Aloysio Nunes Ferreira, o candidato do Psol ao Governo do Estado de São Paulo, Gilberto Maringoni, e a candidata ao Senado pelo PSTU, Ana Luiza de Figueiredo Gomes. Dessa vez o MPL (Movimento Passe Livre) e o MEPR (Movimento Estudantil Popular Revolucionário) não quiseram falar.

Coronel Telhada viu a Câmara de São Paulo balançar com a destruição dos vidros da fachada em protestos, mas acha que a onda já passou. Foto por Felipe Larozza. 

“As manifestações não tiveram, infelizmente, impacto nenhum. A maioria das pessoas já esqueceu tudo aquilo. Aliás, muitos não sabem até hoje o que estavam reivindicando. Foi tudo fogo de palha”, cravou o Coronel Telhada, vereador em São Paulo pelo PSDB e um dos expoentes da bancada da bala, que concorre a uma vaga na Assembleia Legislativa em outubro. “Para ser bem sincero, esta é primeira entrevista sobre este assunto que eu respondo em uns seis meses”, refletiu. “Na época, a mídia nos procurava muito para comentar, mas atualmente nem os jornalistas comentam mais as manifestações.” Telhada é representativo de um setor importante dos protestos: a polícia. Foi eleito vereador com 89 mil votos colando sua imagem à do setor.

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Outra voz do tipo é a do capitão Conte Lopes, que está em seu oitavo mandado legislativo. Entre os linhas-duras, é o mais elogioso aos protestos. Estivemos com o capitão na Câmara no dia cinco de setembro. Logo depois, publicamos um polêmico perfil dele na VICE. Conte reconheceu que as manifestações “assustaram muita gente do meio político”, incluindo ele mesmo. Disse ainda que os revoltosos “conseguiram o que queriam, os governos recuaram. Da presidência da República aos governadores dos Estados, passando pelas prefeituras, todo mundo sentiu a pressão. O Brasil balançou do mesmo jeito como o Lula fez balançar o ABC 40 anos atrás”, exagerou.

Não apenas os dois oficiais da reserva sentiram a pressão. O prédio da Câmara onde ambos trabalham, em São Paulo, teve a fachada destruída durante os protestos e foi preciso uma obra de mais de R$ 1 milhão para blindar os vidros e proteger os parlamentares da maior cidade do Brasil.

A resposta não tardou a chegar em forma de um Projeto de Lei Municipal que proibia o uso de máscaras em manifestações na cidade de São Paulo. Logo depois, foi a vez de a Assembleia Legislativa repetir a dose aprovando uma lei semelhante para todo o Estado sob os auspícios do governador tucano Geraldo Alckmin. (Desgosto eterno para os manifestantes é o fato de o governador colher em alto número de votos o lucro da mão dura contra “os protestos violentos”. Se a eleição fosse hoje, os tucanos ganhariam mais quatro anos em São Paulo, com quase 50% dos votos).

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Vice de Aécio, Aloysio Nunes, em coletiva de imprensa em São Paulo: “Reação dos manifestantes foi contra todos os políticos”. Foto por Helena Wolfenson. 

No front federal, outro tucano faz coro com Alckmin. Candidato à vice-presidência na chapa encabeçada por Aécio Neves, Aloysio Nunes Ferreira afirma que “a voz das ruas reclamou da falência dos órgãos públicos, da falta de gerenciamento, da falta de infraestrutura. O cidadão se sentiu a pé. A reação da população não foi contra A, B ou C. Foi contra todos”. O tucano foi militante comunista e participou de ações armadas contra a ditadura, mas o pessoal mais jovem talvez só conheça ele pelo vídeo em que aparece xingando um repórter-militante nos corredores do Congresso: “Vai pra puta que te pariu!”, grita no vídeo. Firmeza.

“Não é preciso mais um comando centralizado para chamar uma manifestação. Concordo com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) quando ele afirma que a internet é um fio desencapado. Pega fogo fácil. E nós, políticos, só temos a aprender com isso”, frisa Aloysio Nunes.

Muitos políticos e analistas acham que os protestos se esvaziaram com a onda de violência. A condenação aos Black Bloc (chame isso de tática ou grupo) não vem apenas dos tucanos e dos ex-policiais, mas também dos partidos de esquerda.

Breno Altman questiona o “superindividualismo” de alguns manifestantes. Foto por Helena Wolfenson. 

“O Black Bloc está para a política como a Atlética está para o movimento estudantil”, resumiu Breno Altman, de 52 anos, um dos militantes históricos do PT, além de comunista, judeu, jornalista e talvez o melhor amigo do ex-ministro da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, preso na cadeia da Papuda, em Brasília.

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“Vejo o Black Bloc como um grupo ligado ao anarco-liberalismo, ao anarco-capitalismo e a um superindividualismo. Acho que não têm nada a ver com o tronco fundamental das esquerdas”, destaca.

Altman acha que a violência da juventude de hoje não é comparável à violência de parte da juventude dos anos 70, que chegou a tentar derrubar a ditadura pelas armas, formando guerrilhas e sequestrando um embaixador americano. “A resistência armada no Brasil nunca foi anarquista; ela queria a conquista do poder do Estado, não a extinção do Estado”, disse, tocando numa das diferenças fundamentais entre a geração mais velha, dos políticos, e a parte anarquista da mais nova: a crença no Estado. Muitos antissistêmicos frequentemente veem o governo como algo a ser combatido; os políticos, como algo a ser conquistado.

Ana Luiza fez uma pausa no comício da Paulista para analisar os protestos. Críticas ao Black Bloc e à “falsa horizontalidade” dos jovens líderes. Foto por Helena Wolfenson. 

Isso ficou ainda mais claro na análise de Ana Luiza de Figueiredo Gomes, líder sindical e candidata do PSTU ao Senado por São Paulo. Enquanto militantes chacoalhavam bandeiras vermelhas e gritavam no megafone num típico dia de campanha eleitoral na Avenida Paulista, ela explicou: “Nós também queremos que as estruturas do Estado se dissolvam, mas isso passa por uma luta organizada. O Black Bloc não tem essa organização. Você sequer sabe quem faz parte dele. Tem até polícia no meio.”

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Ana Luiza crê que os partidos políticos são mais democráticos que muito movimento de rua: “Essas organizações se dizem horizontais, mas é uma minoria que decide: não é uma democracia. São jovens que se acham acima dos trabalhadores.”

Candidato ao governo de São Paulo, Maringoni reconhece importância das manifestações, mas se opõe à violência organizada. Foto por Helena Wolfenson.

Mas ninguém foi mais duro que o candidato do Psol ao governo do Estado de São Paulo, o cartunista e professor universitário Gilberto Maringoni, de 56 anos. Sua avaliação sobre os protestos é positiva na maior parte do tempo, mas, em setembro, ele mandou um dos artigos mais odiados pela moçada, na revista Carta Capital, dizendo que o Black Bloc não passava de “grupelho leviano e superficial de meninos e meninas pretensamente rebeldes que cobrem os rostos para parecerem malvados ou misteriosos”. Maringoni completava dizendo que eles “não organizam nada, não querem nada e podem fazer com que as manifestações maciças virem nada”. Dito e feito?

Definitivamente, a faceta mais radical dos protestos não seduziu os velhos membros dos tradicionais partidos de esquerda. Prova disso foi a articulação entre os governos estaduais e federal (de partidos diferentes) para enquadrar os protestos durante a Copa – nenhuma divergência ideológica foi profunda o bastante para impedir os políticos de esquecerm o que os separa e apostar na violência policial como fator de união contra a moçada. Os governadores dos Estados e suas polícias militares bateram com a conivência de Brasília.

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A juventude do Psol panfleta na Paulista, apoia os protestos, mas diz que é preciso construir o novo, não apenas destruir o velho. Foto por Helena Wolfenson. 

Thiago Aguiar, de 25 anos, é candidato a deputado federal pelo Psol. Formado em Sociologia pela USP, passou três anos no Centro Acadêmico e foi, de 2011 a 2014, diretor de Relações Internacionais e de Direitos Humanos da UNE (União Nacional dos Estudantes).

“Não sou um político tradicional”, explicou. “Eu estive com o movimento, junto, nas ruas, desde o primeiro ato. Estive até na Grécia e na Turquia, fazendo intercâmbio político. Entendo quem critica o sistema partidário. Uma parte da construção do novo é a negação. Falta agora construir o novo”, pontuou.

O novo para ele é algo parecido com o Juntos, um satélite jovem do Psol, que mistura a identidade dos protestos e das ruas com a via partidária (o movimento se diz apartidário).

Desde a volta das eleições diretas para presidente do Brasil, em 1989, não houve outro momento em que os jovens tenham estado tão descrentes e críticos dos partidos. O curioso é que o movimento de contestação começou a hibernar justamente quando teve início a corrida eleitoral, o ápice do momento político.

No ápice dos protestos, a presidente Dilma Rousseff foi à TV responder às demandas das ruas (e condenar a violência dos manifestantes em duros termos, sem sequer mencionar a violência policial). A presidente captou que a manifestação “quer escolas de qualidade; ela quer atendimento de saúde de qualidade; ela quer um transporte público melhor e a preço justo; ela quer mais segurança. Ela quer mais. E para dar mais, as instituições e os governos devem mudar.”

Como resposta, anunciou: “primeiro, a elaboração do Plano Nacional de Mobilidade Urbana, que privilegie o transporte coletivo. Segundo, a destinação de 100% do petróleo para a educação. Terceiro, trazer de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do SUS.”

Para Fassoni, “faltou apoio do Congresso” para fazer tudo isso. “O problema não está apenas na resistência da oposição, porque muitos aliados do governo puxaram o freio e impediram avanços também”, disse. O principal entrave, segundo ele, é a reforma política, que não saiu do papel. Apesar disso, o professor lembra que está sendo realizada uma campanha nacional para a convocação de uma assembleia constituinte à revelia dos políticos. Ele também lembra que a redução da tarifa de ônibus não foi pouca coisa e que se os royalties do petróleo não foram inteiramente para a educação, tampouco houve um fracasso com o arranjo de 75% para a educação e 25% para a saúde.

Não apenas o presente é complicado, mas o futuro também se anuncia sombrio para a expectativa dos que foram às ruas: “Se você pegar as propostas de governo dos três candidatos que lideram as pesquisas de intenção de voto atualmente, vai ver que muito pouco do que era pedido estará ali”, destacou o professor.

A onda de manifestações passou tão repentinamente quanto surgiu. Os coletivos que propunham uma cobertura jornalística independente tiveram seu momento de glória, mas logo voltaram ao perfil mais discreto ou aderiram (como coletivos ou indivíduos) a algumas campanhas. Líderes subiram e desceram, siglas surgiram e sumiram. O Brasil perdeu de 7x1, a Copa até que foi bacana e a vida seguiu com sua tradicional inviabilidade. Depois de tudo, a solidez dos partidos e dos políticos tradicionais é que parece não ter sido abalada.