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Namoros, Brigas e Traições: Jogamos Big Brother Brasil

Entramos na maior fábrica de subcelebridades desse país.

No carnaval de 2007, em um acidente ridículo, eu quebrei o meu fêmur e fiquei de cama durante uns meses após uma complicada cirurgia ortopédica que me permitiu não virar um coxo. Com o tempo livre, alternado entre a cama e a cadeira do computador, em vez de estudar lógica e os cadernos de estética do Hegel, como eu havia planejado, fiquei o tempo todo ou jogando videogame – mais especificamente, pesquisando jogos antigos de computador – ou vendo Big Brother Brasil. A minha mãe, com a eterna desculpa de escrever um artigo sobre moral e ética que nunca escreveu, assina todo ano. Para a minha vida de deficiente temporário, era ótimo ver aquelas pessoas toscas agindo toscamente, uma janela perfeita para uma das atividades preferidas do ser humano e tão criticada ultimamente: o exercício da faculdade do julgar.

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Qual foi a última vez em que você colocou um CD-ROM no seu computador e instalou um jogo?

Eu não sabia, até um amigo comentar comigo recentemente, que havia um jogo de computador oficial do Big Brother Brasil. Alguns meses atrás, ele prometeu procurar em sua casa pelo CD e me entregar em mãos para eu ver, e apreciar, essa obra da Brasoft. Logo, eu me obriguei moralmente a não apenas jogar um pouco o jogo, mas, como alguém que já acompanhou o reality show, a GANHAR a maldita competição – mesmo que virtualmente.

Eu já vi, ao menos no começo ou desinteressadamente ao longo da temporada, muitas e muitas edições do programa, que está no ar há 14 anos e já está com as inscrições abertas para a edição do ano que vem caso você pretenda entrar na maior fábrica de subcelebridades do Brasil. Com essa experiência televisiva, embora eu não seja um expert, ao menos sei o que fazer em linhas gerais dentro do “jogo” para você se dar bem com os milhões de pares de olhos julgadores do sofrido povo brasileiro.

Se eu entrasse na casa, uma lei do julgar que me afetaria pessoalmente é a seguinte: o povo desconfia do “doutor”, do sujeito mais intelectualizado que fala palavras compridas que ele não entende; ninguém gosta de alguém que parece se achar melhor do que você e fica usando expressões complicadas demais; isso daqui é televisão aberta e não um artigo acadêmico, caralho. Então, profundidade, ao menos essa conquistada através da intelectualização, não é um dos valores mais importantes para se dar bem lá dentro. Arrumar um(a) namoradinho(a)? É sempre bom. Ser meio barraqueiro dá audiência – e se você estiver com a razão, melhor ainda. Ser uma pessoa sincera e moderadamente justa, porém tendo seus deslizes morais lá dentro, mostrando que você é um ser humano como nós aqui fora? Ótimo. Baseado nisso, eu escolhi o brother Paulinho, um jogador de futebol de 23 anos cujas maiores qualidades, para a minha tática no jogo, eram seu enorme senso de humor apurado; seu emocional lá em cima, que interpretei como ele sendo uma pessoa menos frágil; e a imensa libido para conquistar as gatinhas lá dentro e o coração do telespectador lá na poltrona.

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Não pensem que eu joguei com o coração: Paulinho é frio e calculista; ele é um bloco de gelo; ele é vazio por dentro, o perfeito jogador. Ele ia conquistar o prêmio de R$ 1 milhão e levaria sua namorada artificial consigo. Qual o alvo perfeito para esse manipulador psicótico? Patrícia, a modelo loira de 19 anos, carismática, com caráter, libido lá no alto e emocional lá embaixo: minha musa perfeita.

A técnica do Triângulo das Bermudas consiste em lavar roupa para aumentar a aceitação e higiene; puxar ferro para aumentar a motivação; depois, tirar um cochilo na espreguiçadeira mais próxima para aumentar a energia. PARA SEMPRE.

Cabe agora falar um pouco sobre a mecânica do jogo em questão. Ele parece uma cópia adaptada para o BBB do sucesso de 2000 da Maxis: The Sims. Assim como, em The Sims, o seu personagem tem várias barrinhas de necessidades básicas que devem ser mantidas lá em cima para você não virar um completo fracasso de ser humano, no BBB, o jogo, as barras correspondem a Aceitação, Motivação, Energia, Alimentação e Higiene. As atividades que você escolhe que seu bonequinho faça dentro da casa mais famosa do Brasil aumentam ou diminuem esses atributos de acordo: lavar roupa, por exemplo, aumenta a sua aceitação e higiene ao mesmo tempo em que diminui a sua motivação. Depois de alguns dias dentro da casa, eu desenvolvi uma técnica que gosto de chamar de O Triângulo das Bermudas, que permitia a maior eficiência dentre essas barras com o menor deslocamento possível – tirando os momentos das refeições. Após mais ou menos metade da temporada do BBB, eu já estava começando a ficar louco com essa técnica e com minhas atividades sociais de jogo; tive de pensar em outras maneiras de passar meu tempo, senão eu ficaria louco, literalmente louco, dodói da cuca.

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“Patricia, você conhece a piada do bode?” “HA HA HA HA HA HA HA!”

Logo que o jogo começou, eu já segui meu alvo, Patricia, A Loira, e fiquei puxando papo e contando piadas para ela começar a me achar um cara legal. Conforme você vai aumentando o grau de relacionamento com outro brother, mais ações aparecem na barrinha de interação. As únicas que sempre estão disponíveis são as de Conversar e Xingar. Como o meu personagem tem um apurado senso de humor conforme indicado nas barras que medem seu valor enquanto ser humano, eu insisti bastante na interação Contar Piada. As minhas preferidas são a do papagaio e a do português, simbolizado por um balão de fala contendo bigode preto. No primeiro dia do programa, também já teve a primeira prova do líder, que, apesar de no programa da televisão vir em variados formatos, como prova de resistência, gincana entre times e prova de sorte, no jogo de computador se resume a escolher um objeto e ter sorte o bastante para ter tirado o certo. Na primeira semana, meu alvo Patricia tirou a sorte grande.

Minha tática de ficar contando piadas incessantemente para Patricia e, após conquistar mais sua confiança, dançar do nada com ela, sem motivo aparente, parece ter dado certo. Agora, eu iria para a segunda parte do meu plano: conquistar os outros brothers um a um, a não ser alguns aleatórios que eu tomaria como inimigos. Meu segundo alvo? Marcão, o gigante personal trainer, cujo ótimo preparo físico só fica próximo de sua libido e noção de higiene.

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“Marcones, Marcones! Já te contei a piada do papagaio? HA HA HA HA HA HA!”

Patricia me negando um beijo. Tentei cedo demais.

Nesse dia, eu também tentei dar uma investida em Patricia e tascar-lhe um beijaço, mas não fui tão bem recebido. Como eu sou brasileiro e não desisto nunca, eu persisti e, alguns dias depois, consegui conquistar o coração dessa loiraça, assegurando meu lugarzinho em seu coração e na estima dos milhões de brasileiros que veem o programa. Um pouco decepcionado com meu fora em rede nacional, eu fui tomar um banho de piscina para desanuviar e me concentrar, repetindo meu mantra.

“Paulinho, você não tem sentimentos. Paulinho, você é uma casca vazia.”

Alguns dias depois, a líder, minha pretendente Patrícia, escolheu colocar Natália no paredão; eu já tinha assegurado minha amizade e futuro romance com a líder da semana; então, não fiquei muito preocupado em ser indicado. Eu não ligo para Natália também, eu não ligo para ninguém. Logo após a indicação, consegui conquistar Patrícia com um beijinho gostoso. Muah.

Enquanto, um tempo depois, eu estava contando novamente a piada do bode para minha namorada, Natália, a emparedada, me contou alguma coisa envolvendo Thayná, a estilista de 23 anos que também tem o humor lá em cima; como eu não quero competição na hora de contar a piada do papagaio, do bode, do português e do porco, eu prontamente votei nela para ser eliminada. Apenas mais um degrau humano na minha subida para o sucesso.

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Thayná devidamente emparedada. Quem será o próximo a sair?

O próximo alvo da minha amizade seria Guga, o confiável (por enquanto) estudante de jornalismo, com altíssimo grau de caráter e, em segundo lugar, um belo carisma. A tática foi a mesma: conversar, contar piada, dançar. Se não deu para perceber, o jogo é um tanto repetitivo. Apliquei com ótimos resultados a piada do elefante.

Segui os próximos dias da mesma maneira: trabalhando a minha amizade com Patrícia, Marcão e Guga enquanto descobria a técnica do Triângulo das Bermudas, sem muita alteração. Logo, chegou o dia de eliminação, e a minha rival no stand-up brasileiro, Thayná, foi prontamente eliminada da casa.

O primeiro de muitos inimigos que seriam prontamente eliminados.

Todos ficaram abalados com a primeira eliminação; olhávamos uns para os outros com expressões apreensivas, e ouvi mais de uma vez de pessoas diferentes: “Agora dá pra sentir, o jogo começou de verdade…”. Eu, que já havia entrado no jogo no dia em que nasci, apenas acenava com a cabeça. Eis que vejo uma bela surpresa: ao lado do fogão, meu grande amigo Guga (ou como prefiro chamá-lo, Guguera) havia começado um enlace amoroso com Sheila. Prontamente, aprovei sua união e comecei a me aproximar mais dela nos próximos dias; se ela era boa o bastante para o meu amigão, deve ser uma pessoa ótima. Apelidei esse ótimo casal de Sheiluga.

“Aê, garotão, pegou a gatinha. Uhuuuuullll!”

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“Sheila, Sheila, você já ouviu a do papagaio? HA HA HA HA HA HA!”

Alguns dias depois, teve mais uma prova do líder, e a apagadíssima figura de Nakata, o gerente de hotéis com elevado grau de higiene, venceu. Como eu não tinha trocado sequer uma palavra com o japonês, logo puxei papo e contei altas piadas no intuito de não ser indicado para o paredão. Foi outra coisa que eu notei: depois de alguns dias, meu amigão Guga não estava mais envolvido com Sheila, a entidade amorosa Sheiluga havia morrido. Obviamente, a culpa não poderia ser do meu amigão; então, prontamente fui tirar satisfações com aquela dançarinazinha que quebrou o coração do meu brother. Ao xingar alguém no jogo, aparecem desenhos diferentes nos balõezinhos, como pode ser visto abaixo.

Ela, “SEU SAPO!”; eu, “SUA DINAMITE”, e ficamos de mal para sempre.

O indicado pelo líder da semana, Nakata, foi o também apagadinho Vitor, com quem eu nunca puxei conversa, mas que já tinha tentado se aproximar de mim; eu não poderia ligar menos para esse tal de Vitor, com cara de mafioso.

Já que o primeiro emparedado estava escolhido, era possível, dentre a interação com outros brothers, tentar fazer um complô contra alguém para votarmos todos nele; como eu havia acabado de tretar com a ex-namorada do meu amigão Guga, tentei, sem sucesso, fazer com que a Patrícia votasse nela. Como não deu certo, fui soltar os cachorros de novo em cima de Sheila para ver se, ao menos, a minha popularidade de barraqueiro subia.

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Ela,“BANANA”; eu, “JOGO DA VELHA”, e não serviu nem para aumentar minha popularidade.

De qualquer forma, quem foi indicado pelo pessoal da casa foi a Ana Lúcia, a escritora de 28 anos. E o eliminado posteriormente pelo público foi o Vitor mesmo. Pensando no jogo, eu reparei que Ana Lúcia estava fragilizada com sua indicação para o paredão pelo pessoal da casa; então, claro que eu tinha de arrumar briga com ela, pelo menos para dar uma animada nesse joguinho morno em que ninguém briga com ninguém.

Eu, “COBRA”; ela, “JOGO DA VELHA”: inimigos para sempre.

Agora estabelecidos meus inimigos, já estava mais ou menos no automático o jogo; a tática do Triângulo das Bermudas já estava aperfeiçoada, só me faltava cimentar meu caminho para a vitória, fazendo mais amigos e mantendo as amizades que eu já havia construído. Esse Big Brother estava no papo. Como não se mexe em time que está ganhando, eu segui puxando o saco de quem virava líder.

“Henrique, meu amigão, nem notei que você virou líder essa semana! Já te contei a do português? HA HA HA HA HA HA!”

Mantendo minhas amizades.

“Gugueraaaaaa, já te contei a piada da VAQUINHA MOCOCA? HA HA HA HA HA HA!”

A máquina de sociabilidade em que eu me transformei estava tão eficiente que eu só precisava dar uma dançada e um beijo na minha namorada uma vez a cada três ou quatro dias para manter nossa afinidade lá no topo – e um abraço. Meu puxa-saquismo com Henrique deu certo, e ele indicou minha arqui-inimiga Ana Lúcia para o paredão; por coincidência, minha outra inimiga, Sheila, também foi pra berlinda: estava tudo dando certo. Minha primeira desavença, Sheila, foi eliminada do jogo.

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E o próximo líder foi meu grande amigão Guga.

Repare nessas muitas telas de captura do game que eu venho colocando incansavelmente: aquela barrinha no canto inferior esquerdo indica quanto do dia ainda falta para ele acabar. Como eu joguei tudo certinho e não terminei antes do final da temporada do BBB, eu joguei todos os dias possiveis, e,  pelas opções do jogo, o menor tempo possível que cada dia pode ter é de três minutos. Ao todo, foram 64 dias de jogo, que, vezes três minutos, dá ao todo 192 minutos de jogo ininterrupto. Eu joguei, de uma sentada só, três horas e vinte minutos desse tedioso game de computador; se não deu para entender, eu não recomendo ninguém em sã consciência repetir esse experimento. Por isso mesmo, daqui para frente, seguirei um pouco mais rápido com a narrativa, já que, ao todo, eu tirei 909 print screens dessa maravilha da tecnologia.

Três minutos podem parecer uma eternidade.

O escolhido do meu amigo Guga da semana foi Nakata; eu consegui, com sucesso dessa vez, fazer um complô contra Ana Lúcia, mas o eliminado foi o pobre gerente de hotéis.

O próximo líder finalmente fui eu; obviamente, eu iria votar em Ana Lúcia.

Mas quem foi eliminado não foi Ana Lúcia, mas Natália, aquela sem gracinha que minha namorada escolheu para o primeiro paredão. Depois, Henrique, o ator, virou líder e indicou Ana Lúcia mais uma vez para o paredão, o qual ela disputou com Joana, a Advogada, e GANHOU DE NOVO, continuando no jogo. Um a um, os competidores caíam, mas Ana Lúcia permanecia no jogo; talvez o público achasse divertidas nossas constantes brigas. Eis que o que eu mais temia aconteceu, e Ana Lúcia foi escolhida líder; obviamente, ela me mandou para o paredão. Mas não foi o que mais me cortou o coração aquela semana; meu amigão Guga tinha acabado de ser indicado para o paredão, quando eu vejo uma cena horrível enquanto estava sentado na sala, pensando em cartas de baralho.

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Meu amigo Guga, o jornalista com caráter alto, estava paquerando a minha namorada! Eu mantive o coração tranquilo e não falei nada, não briguei com ele, pois eu tinha uma segurança no meu peito. O BRASIL ESTAVA VENDO TUDO! E, sem errar, quem foi eliminado aquela semana não foi o bom e justo Paulinho, mas Guga, o estudante de jornalismo talarico. Vá com Deus, Guga, lá fora nós vamos conversar sobre isso daí, meu rapaz.

Como a justiça tarda, mas não falha, o traíra foi imediatamente eliminado com 63% dos votos, e eu pude seguir jogando tranquilamente. Seguindo o jogo, minha namorada Patrícia ganhou a prova do líder e eu estava relativamente seguro nessa semana; meus dias estavam alternados entre conversar com os amigos, dançar com a namorada e praticar o Triângulo das Bermudas. Eu estava ficando maluco; eu já estava há quase três horas jogando essa porcaria de game e, mesmo tentando ouvir música para conseguir seguir em frente, parecia não dar certo. Como havia cada vez menos brothers na casa, o tempo de sociabilização também era menor; então, eu comecei a andar em um trajeto retangular no tapete da sala para preencher meu tempo livre. Eu não aguentava mais.

A minha namorada, infelizmente, indicou meu brother Marcão para a eliminação, mas eu consegui fazer um complô com ele e indicar Ana Lúcia para ir junto dele – e, finalmente irmãos, glória, ela foi eliminada!

Finalmente, chegou o momento em que eu teria de votar em algum amigo. Minha princesinha virou líder de novo e novamente indicou Marcão; mais uma vez, mancomunei com meu brother e combinamos votar em Henrique; só haviamos nós quatro na casa, a próxima semana seria a final. Depois de um tempinho, Henrique, através de algum língua solta que não descobri quem foi, descobriu nosso conchavo e veio tirar satisfação. Tarde demais, meu amigo, ou é você ou sou eu nesse injusto jogo da vida.

De qualquer forma, não foi Henrique que foi eliminado pelo público, mas meu amigo de longa data Marcão. Agora era a hora da verdade: só sobramos eu, minha gata e o Henrique no jogo, agora é o momento da verdade. Rufem os tambores… E, com 45%, o Brasil me escolheu! Paulinho, o jogador de futebol, o ciborgue sem sentimentos, o homem de gelo, é o vencedor do Big Brother Brasil! Daqui, eu vou para o abraço da torcida e, logo em seguida, farei um ensaio sensual junto com minha namorada para o site Papparazzo. Estou cobrando R$ 20 mil para colar simpaticão na festa de debutante da sua filha também; minha namorada cobra à parte. Eu continuo vazio por dentro, mas agora tanto faz, pois sou famoso e milionário. Valeu, Bial!

Mas, para mim, o jogador, o verdadeiro prêmio foi ver nos agradecimentos dos créditos do jogo os desenvolvedores colocarem suas bandas preferidas que os ajudaram a seguir em frente nessas noites mal dormidas de programação e sofrimento. Agradeço, junto com eles, a IRON MAIDEN, STRATOVARIUS e METALLICA.

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