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O Aposentado Britânico que Ensinou a Polícia Brasileira a Lutar

A polícia brasileira não tem a melhor reputação do mundo e, para não fazer feio na frente da mídia internacional, chamaram o Steve Costello, um senhor britânico de 72 anos, para ensinar algumas lições de karatê à Tropa de Choque de São Paulo.

Steve Costello em ação. 

A polícia paulistana não tem a melhor reputação do mundo quando se trata de lidar com o público. Principalmente porque o que ela geralmente faz é atirar muito gás lacrimogêneo e balas de borracha em manifestantes pacíficos. Mas, claro, não é essa a imagem que o governador quer manter; uma polícia hiperviolenta é constrangedor, especialmente quando a mídia internacional está vendo tudo. Então, antes do início da Copa do Mundo, o comando decidiu fazer algo a respeito disso.

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Steve Costello, um senhor de 72 anos e avô de 11 netos de Bolton, Inglaterra, vem ensinando karatê no Brasil há 20 anos. Em meados dos anos 1990, ele foi recrutado para ensinar técnicas de supressão não violentas à polícia, talvez porque eles não quisessem acrescentar mais gente à já extensa lista de civis mortos. Em preparação para a Copa, pediram para que o Steve desse algumas lições de karatê à Tropa de Choque de São Paulo. Então resolvi ligar para ele e saber como foi essa aula.

VICE: Oi, Steve. Como você acabou dando aulas de karatê para a tropa de choque brasileira?
Steve Costello: Isso começou em 1996. Fui o primeiro instrutor de karatê a dar um curso em Curitiba. Era uma aula para crianças, mas o chefe da Tropa de Choque estava presente. Ele me pediu para dar uma sessão de treinamento para as forças policiais, e, depois disso, fui convidado em várias ocasiões para treinar com comandos de elite, a polícia montada, bombeiros e as tropas de cavalaria estaduais. Também tivemos várias sessões de treinamento organizadas com a polícia militar de Curitiba e outras cidades. Eles até convidaram a Tropa de Choque de São Paulo para participar de uma sessão em Curitiba.

O que eles queriam aprender exatamente?
Ensinei a eles a técnica do karatê Ryukyu, que, basicamente, emprega o uso de pontos de pressão, agarramentos e retenção de movimentos na luta com um oponente armado. É mais uma questão de controlar e neutralizar uma situação de modo eficiente, com o mínimo de ferimentos dos dois lados, em vez de usar uma arma letal.

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É muito diferente do que eles fazem normalmente?
O karatê Ryukyu é um estilo de combate, mas é baseado na sobrevivência nas ruas. Os comandantes da polícia que viram meu treinamento gostaram do fato de que havia menos violência do que nas outras técnicas. É possível provocar algumas escoriações em seu oponente, mas não vai machucá-lo seriamente. Um ano ates da Copa, até ensinei à cavalaria técnicas de como sobreviver em combate próximo, no caso de eles terem que lutar no chão. Quando era garoto em Manchester, eu sempre entrava em brigas com os Teddy Boys e os skinheads, o que me ensinou a ser mais esperto nas ruas.

Vocês usam alguma arma durante os treinamentos?
Sim. A polícia usa um tipo de cassetete para se defender de facas – um equipamento de madeira que pode ser estendido com um botão telescópico. O que parece relativamente pacífico, comparando com as outras técnicas que a polícia brasileira tem usado para lidar com tumultos e protestos. Você sabe por que eles decidiram por uma abordagem menos violenta?
Eles queriam demonstrar ao público – especialmente durante a Copa – que eles não têm que usar armas. A polícia tem uma imagem bastante ruim de tumultos anteriores que saíram do controle e acabaram de forma extremamente violenta, especialmente na área do Rio de Janeiro. Em 2011, um garoto acabou baleado. Eles criaram uma imagem muito ruim – o oposto do que eles querem mostrar ao mundo durante a Copa.

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O que eles aprenderam comigo foram técnicas de como controlar uma pessoa que tem uma faca sem apelar para a violência. Eu mostrei a eles como desarmar alguém de uma forma – como você colocou – “pacífica”, em vez de mandar a pessoa para o hospital. Tive oito sessões de treinamento com mais de 80 homens somente este ano. Sempre digo a eles: “Quanto mais você sua no treinamento, menos você sangra no combate”.

E você até recebeu um prêmio por seus serviços, não?
Sim – do comandante da Tropa de Choque, Vladimir Rossini. O prêmio diz: “Por grandes contribuições para a meta estabelecida pela corporação e futuras tentativas de alcançar os ideais em comum dos colaboradores da comunidade da cidade de Curitiba”.

Então, eles pretendem usar essas técnicas mesmo depois da Copa do Mundo?
Ah, sim. Tenho mais treinamentos planejados com a academia de polícia. Eles estão dando duro para melhorar, e todos são muito competitivos – de uma maneira amistosa. É preciso certa mentalidade para o karatê, além da habilidade de se focar, e todos são muito bons nisso.

E como vão indo as coisas por aí desde que a Copa do Mundo começou? Parece que a situação se acalmou desde a primeira partida.
Meu português ainda é muito básico, mesmo depois de 20 anos. Mas pelo que entendi, a maioria dos problemas tem sido de tumultos entre torcedores, em que a polícia teve que intervir, e, em alguns casos, eles usaram as técnicas de karatê. Mas eles deixaram bem claro que o objetivo número um é lidar com essas situações de modo pacífico, “se possível”. Além disso, a polícia militar me informou que alguns dos homens que treinei estão presentes nas ruas das cidades onde acontecem os jogos, o que é uma boa coisa, acho.

Com certeza. Obrigada, Steve.

Tradução: Marina Schnoor