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O Budista Totalitário que Terminou ‘SimCity’

Vincent Ocasla passou quatro anos chafurdando em equações e papel quadriculado, construindo uma paisagem totalitária infernal, juntando uma população de seis milhões e dizendo ter vencido um jogo impossível de se vencer.

Sou inglês, mas, quando eu tinha doze anos, morei na Carolina do Norte e estudei numa escola do interior parecida com a que aparece no The Wire. Só tenho duas memórias dessa época: a polícia prendendo um dos meus colegas de classe no meio da aula de Estudos Sociais (nunca mais vi o cara de novo) e das aulas de tecnologia em que sentávamos em dois num computador e jogávamos o SimCity original – provavelmente para fazer com que a gente parasse de brigar entre si uma hora por dia.

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Essa foi a primeira vez que joguei SimCity. Mais tarde, ganhei meu primeiro computador com SimCity 2000. Brinquei com isso por cerca de uma semana até perceber que preferia matar nazistas em Spear of Destiny a colocar encanamento de esgoto para cidadãos silenciosos.

Mas Vincent Ocasla, não. Vincent passou quatro anos chafurdando em equações e papel quadriculado, construindo uma paisagem totalitária infernal chamada Magnasanti em SimCity, juntando uma população de seis milhões e dizendo ter vencido um jogo impossível de se vencer. Assista ao vídeo e tenha medo:

Assisti a esse vídeo bizarro um mês atrás, mas só agora consegui encontrar o Vincent no Facebook. Ele é um estudante de arquitetura de 22 anos que mora nas Filipinas, e me senti um pouco melhor em descobrir apenas um cara normal, não o Krang das Tartarugas Ninjas.

VICE: Acho que a inclinação da maioria das pessoas ao ver seu vídeo é de admiração; em seguida, de medo.
Vincent: Estou de acordo. Essa é parte da intenção do vídeo, [ele é] para aqueles que conhecem, jogam e amam esse jogo.

Não que eu ache que você não tenha se divertido construindo e desenvolvendo Magnasanti, mas, pela sua abordagem de SimCity, parece que você não encara isso mais como um simples jogo.
Para mim, SimCity 3000 é mais do que apenas um jogo. Isso evoluiu para se tornar uma ferramenta ou um meio de expressão artística. Enquanto a maioria dos jogos hoje se foca em destruir coisas e matar outros jogadores, SimCity permite que a pessoa exercite sua imaginação, que crie, que expresse. Muitas pessoas dizem que "é só um jogo", mas estão enganadas.

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Koyaanisqatsi, de Godfrey Reggio, parece ter sido uma grande inspiração.
Sim. Assisti ao filme em 2006. O filme apresenta o mundo de um jeito em que eu nunca tinha pensado, e isso me cativou. Momentos assim me compelem a expressar fisicamente progressões do meu pensamento, e acabei fazendo isso através da criação de cidades em SimCity 3000. Eu provavelmente teria feito algo similar – retratado a incrível regimentação e brutalidade da nossa sociedade – com uma série de pinturas ou modelos arquitetônicos horríveis. Mas não seria o mesmo que fazer isso no jogo, porque eu queria magnificar as ambições doentias de ditadores políticos ególatras, comandando arquitetos, planejadores urbanos e engenheiros sociais insanos.

Citando um dos seus status no Facebook, "O escravo econômico nunca percebe que é mantido numa jaula, rodando e rodando sem ir a lugar nenhum com milhões de outros". Você acha que isso resume a vida dos cidadãos de Magnasanti? (E acho que seria bom você colocar seu Facebook como privado.)
Precisamente isso. Tecnicamente, ninguém está saindo ou chegando à cidade. O crescimento populacional está estagnado. Sims não precisam viajar grandes distâncias – eles podem caminhar até seu trabalho. Na verdade, eles não precisam nem sair de seu quarteirão. Aonde quer que eles vão, é como ir ao mesmo lugar.

Pesado.
Há muitos outros problemas na cidade escondidos sob a ilusão de ordem e grandeza. Poluição do ar sufocante, alto desemprego, a falta de bombeiros, escolas ou hospitais, a vida é regimentada: esse é o preço que esses sims pagam por morar na cidade de maior população. É um objetivo doentio e distorcido. O mais irônico disso é que os sims em Magnasanti toleram essa vida. Eles não se rebelam, causam uma revolução ou o caos social. Ninguém considera [a hipótese de] desafiar o sistema por meios físicos, já que um estado policial hipereficiente os mantêm na linha. Todos foram idiotizados, se tornaram doentes, foram escravizados e controlados o suficiente para manter o sistema funcionando por milhares de anos – 50 mil anos, para ser exato. Eles estão presos no tempo e no espaço.

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Como foi o ano e meio que você demorou para completar a teoria por trás de Magnasanti?
Durante o estágio de planejamento da cidade, eu também estava ocupado construindo outras cidades em larga escala, o que gerou muita da teoria de Magnasanti. Novas maneiras de fazer as coisas ainda não estavam desenvolvidas até que eu fizesse experimentos dentro do jogo para verificar ideias, e anotações tinham de ser feitas junto com cada experimento, além de imaginar novos experimentos para descobrir as melhores maneiras de se resolver um problema. Construir cidades e fazer experimentos no jogo para obter os resultados desejados levou tempo. Além disso, eu tinha outras coisas para fazer, eu só trabalhava nisso no meu tempo livre; então, isso foi um desenvolvimento gradual, não algo que eu estava fazendo 24 horas por dia, 365 dias por ano.

Você falou que o design de Magnasanti se baseia na Bhavacakra, a roda da vida e da morte no Budismo. Você é um budista praticante?
Ex-budista. A Roda da Vida, também conhecida como Roda do Tempo e Roda da História, pode ser encontrada na maioria das religiões, filosofias e culturas que consideram noções cíclicas de tempo, que consiste de eras que essencialmente se repetem. Sou particularmente fascinado por geometria sagrada. A simetria da cidade usa uma versão modificada do símbolo que representa a intenção sinistra de escravizar todos os seus cidadãos pela eternidade. Mas, quanto ao que acredito, hoje me considero simplesmente um livre pensador.

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Você joga algum outro jogo fora SimCity? Odeio imaginar o que você faria com uma família em The Sims.
Eu costumava jogar outros jogos quando ainda estava no colégio: Populous, Age of Empire e alguns MMORPGs, como Galactic Conquest. Quanto a The Sims, gostei desse jogo também, apesar dos sims geralmente ficarem loucos e morrerem horrivelmente nas minhas mãos depois de alguns minutos. Hoje, já não jogo mais. Não vejo mais o objetivo.

De acordo com os gráficos de Magnasanti, nenhum dos cidadãos vive mais de 50 anos.
A saúde dos sims não era uma prioridade, considerando o objetivo principal. Eu poderia ter criado estabelecimentos de saúde que aumentariam a expectativa de vida, mas decidi não fazer isso por razões práticas. Isso mostra que, se focarmos em apenas um objetivo, isso pode acabar negligenciando, ou recorrendo ao sacrifício, de outros elementos importantes. De modo similar, [no mundo real] se tornamos a maximização de lucro o objetivo principal, não levamos em consideração as consequências sociais e ambientais.

Você gostaria de acrescentar alguma coisa?
Se alguém ficou imaginando, não sou autista, sábio, nem tenho TOC ou sofro de qualquer outra doença mental.

OK, obrigado.

MIKE STERRY

Tradução: Marina Schnoor