O caso do caminhoneiro vampiro de Minnesota

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O caso do caminhoneiro vampiro de Minnesota

“Se existe uma profissão ideal para um serial killer, provavelmente é a de motorista de caminhão.”

Timothy Jay Vafeades e a estrada que leva ao posto de pesagem Red River, onde ele foi preso em 2013. Fotos via Escritório do Xerife de Minnesota e Departamento de Transporte de Minnesota.

Matéria original da VICE US.

Era um pouco antes das 17 horas de 26 de novembro de 2013, quando Timothy Jay Vafeades chegou ao posto de pesagem Red River, nos arredores de Moorhead, Minnesota. A paisagem de fazendas de Red River Valley é pacífica — plantações de beterraba, soja e milho se espalhando por quilômetros em Dakota do Norte e Minnesota. Só aqui, saindo da I-94, o silêncio é quebrado pelo barulho dos motores a diesel e os assovios dos freios dos caminhões de 18 rodas estacionando no posto de pesagem. Aproximadamente 1.300 caminhões passam pelo posto todo dia, segundo números do Departamento de Transporte de Minnesota obtidos pela VICE.

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Na hora em que Vafeades chegou naquela noite, os dois inspetores veiculares de serviço já tinham verificado os documentos de centenas de motoristas, geralmente cansados depois de dirigir por milhares de quilômetros. Mas não Vafeades. O homem não conseguia parar de falar, como uma das inspetoras, Cynthia Harms, lembraria depois em seu testemunho no tribunal. No meio da tagarelice, ela não conseguia parar de olhar para coisas pontudas saindo da boca dele — algo parecido com presas.

Vafaedes deixou uma sensação desconfortável nos inspetores, assim como a adolescente sentada ao lado dele, que se recusava a fazer contato visual e parecia ter um hematoma no rosto. Quando os inspetores lançaram os dados do motorista no computador, eles encontraram uma medida cautelar de 1999 que impedia Vafeades de ter contato com a garota no banco do carona. Harms ligou para a polícia estadual de Minnesota. Mas isso foi só o começo para Vafeades, agora com 56 anos, que logo ganharia notoriedade como o "caminhoneiro vampiro", que por anos escravizou e torturou mulheres em seu caminhão.

Naquela noite, enquanto Vafeades estava preso na cadeia de Clay County, a garota — identificada nos documentos do tribunal como Vítima A — contou aos detetives locais uma história chocante sobre os seis meses que passou com Vafeades. Segundo seu testemunho, ele prometeu à garota um trabalho de verão simples e lucrativo, mas em vez disso a estuprou e torturou repetidas vezes na cabine do seu caminhão, que ele chamava de Expresso Crepúsculo. Ele também a obrigava a usar um par de dentes falsos de vampiro, e mais tarde usou uma furadeira para afiar os dentes dela como presas.

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Quando Vafeades foi preso em 2013, a notícia ganhou as manchetes nacionais. A prisão também revelou outra vítima — Vítima B nos documentos do julgamento — que conheceu Vafeades numa parada de caminhão em Salt Lake City em 2012. Ela disse que Vafeades prometeu levá-la para jantar, mas a fez refém no Expresso Crepúsculo, onde ela sofreu meses de violência física e sexual, incluindo ter sido despida e espancada com um cinto. (O defensor público de Vafeades não quis comentar a história para esta matéria.)

"Se existe uma profissão ideal para um serial killer, provavelmente é motorista de caminhão." — FBI

Em março de 2014, Vafeades recebeu multiplas acusações de sequestro e tráfico sexual relacionadas às vítimas A e B. Em novembro de 2014, os documentos do julgamento mostram que os promotores se encontraram com quatro outras supostas vítimas, uma delas tendo sido atacada por Vafaedes em 1994 (mas não em seu caminhão). Duas das novas vítimas tinham histórias idênticas às de A e B — enganadas para viajar com ele, espancadas e estupradas, e tendo os dentes lixados como presas.

O que lança a dúvida: Como um caminhoneiro obcecado por vampiros, que carrega suas vítimas na cabine de seu caminhão, escapou do radar das autoridades por quase uma década?

Foto cortesia do Departamento de Transporte de Minnesota.

Em 2004, o FBI começou a notar um padrão perturbador: corpos estavam aparecendo, com relativa frequência, em trechos da Interestadual 40 ligando Arkansas, Texas e Oklahoma. Os corpos eram principalmente de prostitutas, com poucas coisas em comum entre si fora o estilo de vida perigoso e o local de descanso final sendo as valas da beira da estrada.

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O FBI e investigadores locais compartilharam notas de dezenas de casos de assassinatos parados, e em 2009, analistas tinham identificado 500 vítimas — principalmente ao longo das rodovias nacionais. A colaboração era parte de um reboot digital do Violent Criminal Apprehension Program, ou ViCAP, uma base de dados de várias jurisdições americanas com informações sobre crimes violentos. O ViCAP existe desde os anos 80 como um gigantesco catálogo de papel de casos de toda a nação, mas em 2009, o programa foi digitalizado para permitir a troca de informações valiosas sobre crimes em série, homicídios, estupros e casos de pessoas desaparecidas e restos não-identificados, permitindo aos policiais ligar os pontos entre casos de várias jurisdições.

Christie Palozzolo, uma analista do FBI trabalhando no ViCAP, disse a VICE que o programa foi criado com crimes violentos em mente — especialmente caos difíceis de resolver, como a fonte dos cadáveres nas estradas — em 2009, o ViCAP introduziu a Highway Serial Killings Initiative, um programa visando crimes com alta mobilidade, especificamente cometidos por caminhoneiros. Como o FBI disse numa declaração sobre a iniciativa, "Se existe uma profissão ideal para um serial killer, provavelmente é a de motorista de caminhão".

Não há evidências sugerindo que caminhoneiros são mais inclinados a se tornarem serial killers ou estupradores que outras pessoas, mas eles têm melhores chances de fugir porque estão constantemente em movimento.

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"Eles conhecem suas rotas, sabem escolher as vítimas, e onde deixá-las — ou seja lá o eufemismo que você queira usar — quando terminam com elas", Palozzolo disse a VICE. "Eles não têm laços nos lugares onde pegam e deixam suas vítimas, lugares onde talvez eles só passem uma vez. Isso gera anonimato."

Eric Witzig, detetive de homicídios veterano que se juntou ao Critical Incident Response Group do ViCAP em 1995, disse que a combinação de mobilidade e anonimato torna essas mortes nas estradas um desafio inacreditável para os investigadores.

"Se o suspeito está a centenas de quilômetros de distância e você nem sabe onde foi a cena do crime, muitas autoridades vão dizer 'Não temos nada a não ser uma vítima de homicídio'", disse Witzig.

E como os crimes geralmente acontecem dentro dos caminhões, segundo Palozzolo, o motorista tem o controle da cena do crime do início ao fim.

"Eles conhecem suas rotas, sabem escolher as vítimas e onde deixá-las — ou seja lá o eufemismo que você queira usar — quando terminam com elas." – Christie Palozzolo

Esses desafios explicam por que tantos assassinos caminhoneiros só são presos depois que confessam, ou por sorte dos investigadores.

Em 1998, o caminhoneiro Wayne Adam Ford entrou no Gabinete do Xerife de Humbolt County, Califórnia, e confessou ter matado quatro mulheres. Como prova, ele trouxe vários seios cortados no bolso.

Keith Hunter Jesperson, outro caminhoneiro, também se entregou durante uma confissão voluntária no meio dos anos 90. Na época, Jesperson afirmou ter matado mais de 160 vítimas, mas depois voltou atrás e confessou ter assassinado apenas oito mulheres em cinco estados. Ele seguia um método simples, segundo a mídia: estrangular uma estranha, desovar o corpo num lugar distante, voltar para a estrada.

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Ele só quebrou essa regras algumas vezes, como quando deixou uma mulher para quem tinha dado carona usar seu cartão de crédito para fazer uma ligação numa parada de caminhões. Mais tarde, a mulher o acordou no meio da noite, Jesperson "ficou nervoso e ela morreu", segundo uma matéria do Pittsburgh Post-Gazette. Como o telefonema o ligava à moça, Jesperson destruiu as provas amarrando o corpo dela do lado do seu caminhão e o arrastando por dezenas de quilômetros na Interestadual 80, até que não sobrasse nada.

Mas os criminosos são apenas metade da equação. Palozzolo diz que as vítimas desses crimes geralmente são fugitivas ou prostitutas de parada de caminhão, o que torna ainda mais difícil identificar quem está desaparecida. Essas complicações podem confundir até as autoridades mais calejadas, daí a importância de programas como o ViCAP.

O problema é que o ViCAP é negligenciado, segundo aqueles que o usam. Witzig disse a VICE que a maioria das autoridades nem sabe que o programa existe, e que segundo estimativas do próprio FBI, apenas metade das agências da lei da nação devem submeter informação para a base de dados este ano. Sem dados na base é impossível progredir nas investigações de crimes móveis, deixando mais vítimas apodrecendo na beira da estrada.

Robert Ben Rhoades (esquerda) e Keith Hunter Jesperson (direita). Fotos via Departamento de Xerife de Millard County e Departamento Correcional do Oregon.

Em julho de 2015, uma matéria da revista de jornalismo investigativo ProPublica abordou a agência sobre sua ineficaz base de dados. A matéria apontava que a agência recebia informações de apenas 1.400 das 18 mil agências da lei do país, com menos de 1% do número nacional de crimes violentos entrando no sistema.

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A matéria também destacava uma das maiores falhas do ViCAP — o programa é voluntário. Iniciativas similares, como o Violent Criminal Linkage Analysis System (ViCLAS) do Canadá, exige que todas as agências da lei do país entrem com informações sobre crimes violentos no sistema, o que garante mais dados no geral. No Canadá, o ViCLAS já ajudou a ligar os pontos entre 7 mil crimes não resolvidos desde 1995, e tem mais de meio milhão de perfis de casos; o ViCAP tem 80 mil.

Palozzolo disse que desde a investigação da ProPublica ano passado, a agência tem treinado mais agentes locais para usar o ViCAP. "Isso é algo que estamos constantemente tentando melhorar, a participação na nossa base de dados, mas estamos nos concentrado em treinamento agora", ela disse a VICE.

Mas outros documentos contam uma história diferente. Relatórios do FBI mostram que em 2016, a agência estima apenas 5 mil das submissões de agências da lei — menos que a metade das submissões estimadas em 2010 — e que "das aproximadamente 18 mil agências da lei elegíveis para submeter casos, apenas de 30 a 50% realmente vão introduzir informações no ViCAP". Em 2010, o FBI informou que o programa custaria $976.029 mais os salários de aproximadamente 20 funcionários em período integral anualmente; em 2015, o FBI disse a ProPublica que a equipe mal chegava a 12 pessoas e que o orçamento era de cerca de $800 mil.

Segundo Gregory Cooper, um analista de comportamento criminal do FBI aposentado, a agência mudou o foco para outras questões, principalmente o terrorismo. "Crimes violento fora do terrorismo não são mais o que você chamaria de prioridade", ele disse a VICE.

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Durante seu tempo no FBI, Cooper supervisionou o programa ViCAP e diz que não fica surpreso que a base de dados tenha tão pouco resultado, já que "uma base de dados é tão boa quanto as informações que você coloca nela", e que os oficiais simplesmente não submetem dados.

Especialmente com as mortes nas estradas, em que as pistas podem ser tão poucas e tão distantes que diferentes jurisdições precisam se comunicar ou fica impossível juntar as peças. Além do mais, como Cooper apontou, a maioria dos casos parados não focam na jurisdição federal, então o FBI raramente se envolve sem que a agência local peça ajuda.

Um caso em particular explica como o ViCAP pode ajudar, segundo Cooper: O caminhoneiro Robert Ben Rhoades foi preso em Casa Grande, Arizona, em 1990, depois que um patrulheiro por acaso usou sua lanterna para iluminar o fundo de seu caminhão. Lá o oficial encontrou uma mulher acorrenta e gritando, nua exceto por um par de pantufas de leão. As autoridades acreditam que ela era a última das mais de 50 mulheres que Rhoades prendeu em sua câmara de tortura, onde as vítimas eram acorrentadas, açoitadas, espancadas e estupradas.

Rhoades pegou prisão perpétua em 1992 pelo assassinato de Regina Walters, uma adolescente que estava pegando carona, e foi encontrada morta e se decompondo num celeiro em Illinois. Investigadores encontraram fotos dela com Rhoades, incluindo uma de Walters muito pálida, parada no mesmo celeiro onde foi encontrada, usando um vestido preto longo, com o olhar apavorado e as duas mãos esticadas para frente, como tentando parar algo que estava vindo em sua direção.

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Como parte da equipe de perfis do FBI, Cooper falou com Rhoades na prisão na esperança de conseguir informações sobre as outras possíveis vítimas, mas não conseguiu nada. Quando Cooper, frustrado, disse a Rhoades que sabia que mais vítimas surgiriam, Rhoades jogou o telefone da prisão no chão e foi embora.

Mas um ano depois, quando Cooper discutia o caso de Rhoades em uma apresentação para autoridades de Utah, um xerife local mencionou um assassinato não resolvido em seu condado que parecia coincidir com os registros de viagem de Rhoades. O xerife não sabia sobre Rhoades e o FBI não sabia sobre o assassinato não resolvido. Segundo Cooper, a colaboração entre o xerife local e as autoridades federais levou a evidências necessárias para ligar outro caso a Rhoades.

Cooper diz que esse caso mostra como a colaboração funciona entre jurisdições. De que outro jeito as autoridades federais juntariam os detalhes relevantes sobre o assassinato de uma mulher do Texas, desovada em Utah por um caminhoneiro do Illinois, que foi preso originalmente no Arizona? O ViCAP foi pensado para promover esse tipo de colaboração, para resolver casos que de outro jeito não seriam solucionados. Se o ViCAP funcionasse a pleno vapor, segundo Cooper, ele seria revolucionário.

O posto de pesagem Red River, onde Vafeades foi preso em 2013. Foto cortesia do Departamento de Transportes de Minnesota.

O julgamento de Vafeades deveria acontecer este mês em Salt Lake City, mas alguns dias antes de ir ao tribunal, ele aceitou um acordo com a promotoria. Se declarando culpado por duas acusações de "transporte para atividade sexual ilegal" — se referindo aos estupros das vítimas A e B e cruzar as fronteiras dos estados com elas na cabine — as acusações de sequestro foram dispensadas.

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Há uma foto perturbadora na internet de Vafeades em seus dias de caminhoneiro, com braços bronzeados, anéis prateados nos dedos e as presas aparecendo num sorriso. Mas no tribunal, durante a audiência preliminar em maio, Vafeades estava pálido e emaciado, com os ombros curvados para frente. Se não fosse pelo uniforme listrado, as correntes e a sugestão das presas pontudas, ele poderia passar por um funcionário público de meia idade, não o infame "caminhoneiro vampiro".

Mesmo que Vafeades não vá a julgamento, a audiência preliminar pintou um retrato grotesco do que as vítimas A e B passaram durante seu tempo no Expresso Crepúsculo. Os depoimentos por escrito da Vítima A indicavam surras regulares, às vezes enquanto Vafeades usavam pulseiras de prata que ele chamava de seus "braceletes de escravas". A Vítima B disse ter sofrido espancamentos similares, e sobre ter pensando em se jogar do caminhão em movimento para tentar fugir.

Mas estranhamente, nos dois casos, as vítimas pareceram ter desenvolvido um relacionamento próximo com Vafeades. A Vítima A se agarrou ao braço dele momentos antes da polícia de Minnesota separá-los, segundo os documentos do julgamento. O Dr. Frank Ochbert, especialista em trauma e o expert consultado pela promotoria, chama isso de "laço de trauma", causado por meses de controle violento.

"Uma [das vítimas] se referiu a ele como 'aquele cuzão', a outra como 'monstro', mas mais tarde, falaram sobre sentimentos positivos [com relação a Vafeades]", disse Ochberg na audiência. O tormento, segundo ele, tornou as vítimas "irracionalmente obedientes" às exigências de Vafeades.

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"Elas se culpavam mais do que culpavam o perpetrador", testemunhou Ochberg.

"Para cada agressor que comete um crime com sucesso, as chances dele cometer outro crescem significantemente." – Gregory Cooper

Desde 1980, mais de 216 mil americanos foram vítimas de homicídios não resolvidos segundo o Murder Accountability Project, uma organização sem fins lucrativos que usa a base de dados do FBI para encorajar mais queixas de homicídio, comandado pelo ex-detetive de homicídios Witzig. Isso é mais que o número de mortes em ações do exército americano desde a Segunda Guerra Mundial.

Para Cooper, o agente aposentado do FBI, isso é inaceitável. Ele se juntou a vários colegas para formar a Cold Case Foundation, uma organização sem fins lucrativos que une especialistas forenses aposentados, que tentam ajudar agências da lei a esclarecer casos parados desafiadores através de treinamento, consultoria ou o que mais precisarem, sem cobrança. Witzig também quer desencalhar casos parados tornando a base de dados do FBI disponível para mapear mortes, assim o público pode ver se realmente há um assassino em série operando na sua área e exigir o foco das agências da lei.

"Isso não significa envergonhar a polícia – é exatamente o oposto", Witzig disse a VICE. "É fazer com que a polícia consiga os recursos que precisa para encerrar casos de assassinato."

"Essa situação não está melhorando, na verdade, ela fica pior quando fracassamos em resolver mais crimes", Cooper disse a VICE. "Para cada agressor que comete um crime com sucesso, as chances dele cometer outro crescem significantemente." Ele diz que isso é especialmente verdade para os criminosos em trânsito, como caminhoneiros.

Vafeades, pelo menos, vai ficar fora das ruas por um bom tempo. No dia 2 de novembro, o caminhoneiro vampiro receberá sua sentença num tribunal federal e pode passar os próximos 20 anos atrás das grades, numa cela não muito maior que a cabine do Expresso Crepúsculo.

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Tradução: Marina Schnoor

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