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O Capitalismo Acabou com o Parque Aquático Comunista da Minha Infância

O capitalismo, mesmo na versão dos Balcãs, transformou a piscina da minha infância em um lugar incrível. No final das contas, como não amar um regime que te oferece variações infinitas de chocolate?

A cidade inteira marinando numa sopa morna de suor de bunda a 31º C. 

Nasci em Petroșani, uma pequena cidade da Romênia. (Para relembrar como eram as coisas na Romênia durante a Guerra Fria, clique aqui.) Quando me mudei para a cidade de Oradea, no noroeste do país, fiquei extasiada. O que eu mais gostei lá foi o resort spa termal Băile Felix, que ficava a alguns quilômetros da cidade. Aquele lugar era tudo pra mim, mas nessa época eu também curtia enfiar pepino em conserva nos buraquinhos do muro e comer insetos.

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Aí eu cresci e percebi que esses parques aquáticos eram essencialmente trincheiras soviéticas cheias de carne. O cheiro rançoso de protetor solar, a imagem dos pais tirando piolho da cabeça dos filhos nas piscinas e as rosquinhas quase transparentes, que eram basicamente o único alimento disponível ali, eram algumas das memórias que eu associava ao turismo de spa romeno.

Mas um investimento recente de 3 milhões de euros prometia transformar Băile Felix da desolação pós-apocalíptica da minha infância num parque cheio de turistas que acham que brincar na água pode curar doenças do fígado.

Então visitei o novo rosto capitalista do mais comunista dos playgrounds para ver se a fauna local tinha mudado.

Capitalismo 2 x 0 Comunismo. As lojas da entrada do parque estavam repletas do melhor que a indústria petroquímica chinesa tem a oferecer. Primeiro, achei que essa moça de papelão atrás dos bronzeadores era um espelho, depois percebi que eu ainda estava vestida e que meus peitos não são assim tão grandes.

O lugar agora tinha até uma praça de alimentação, onde os vendedores confiavam quase que inteiramente em sua sensualidade. Do Adônis de azul à esquerda até a garota da propaganda abocanhando sugestivamente aquele milho, senti que a inocência da minha infância comunista tinha se perdido para sempre.

Lá dentro, sentei numa espreguiçadeira e observei as pessoas que tinham vindo a Băile Felix satisfazer intelectualmente sua libido: 50% dos presentes estavam lendo 50 Tons de Cinza, enquanto o resto admirava suas toalhas piratas da Disney ou dos Looney Toons. A senhora na foto acima alternava entre as duas coisas.

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Usuários de sunga chamam essa posição de “O Farol”. Ela ocorre quando o macho começa a secretar feromônios das glândulas sexuais localizadas embaixo dos seus peitos, e isso pode causar orgasmos espontâneos nas fêmeas que estiverem ao redor. Uma das moças da foto teve que sentar para recuperar o fôlego enquanto tentava se lembrar de como era sua vida antes desse incidente.

Nas quatro horas que levaram para eu quase apanhar por estar fotografando gente seminua, a tia dessa imagem teve tempo de ler os quadrinhos da parte de trás desse saquinho de Cheetos.

Ver as tatuagens à beira da piscina foi como um passeio pelas partes mais selvagens do cérebro humanos. Esse leão/águia nas costas desse cara é um símbolo do nacionalismo romeno. Vi muitas cruzes de Malta também, além de tatuagens com com frases pedindo que metade da Romênia fosse anexada pela Hungria.

Acima você vê uma lista de tatuagens temporárias não relacionadas ao nazismo. E você podia fazer a sua enquanto comia dobradinha na praça de alimentação local.

Se os ocidentais usam camisetas espirituosas para expressar seus gostos e desgostos, os romenos usam toalhas de praia toscas. Dínamo é um time de futebol muito popular aqui, que deve ter rendido alguns sorrisos para esses tios no passado. Outros banhistas cuspiam nessas toalhas quando passavam, porque torcedores de futebol são a mesma coisa em qualquer lugar do mundo.

Deu para perceber que o spa é um lugar descolado hoje em dia, porque eles têm até um bar de sucos e frutas – basicamente o auge do imperialismo alimentar ocidental. O proprietário até decorou o lugar com alguns modelos bacanas, para ajudar os provincianos ignorantes a entender o conceito de fruta, tipo essa bananona pendurada na parede.

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Os principais clientes de qualquer piscina pública obviamente são as crianças, então Băile Felix tem um canto abandonado cheio de monstros mecânicos que encaram as reentrâncias escuras da sua alma. Eu quase podia ouvir esse pato estranho dizer: “Sua mãe nunca quis ter você…”

Não é de se admirar que não vi nenhuma criança por lá. Todas elas estavam ralando os bumbuns nesse tobogã anticlimático. Se vocês pudessem ver a carinha desapontada delas toda vez que caíam de nariz…

Apesar de tudo, passear por uma versão bombada das minhas memórias de infância foi interessante. O capitalismo, mesmo na versão dos Balcãs, transformou a piscina da minha infância em um lugar incrível. No final das contas, como não amar um regime que te oferece variações infinitas de chocolate?

Tradução: Marina Schnoor