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O Dia Depois do Juízo Final: O que os Pregadores do Apocalipse Fazem Quando o Mundo não Acaba?

Deve ser uma barra difícil de segurar quando suas previsões apocalípticas não acontecem mesmo.

O pregador Harold Camping. Foto: via Wikipedia.

A gente tem muita sorte. Só neste século já sobrevivemos a pelo menos 20 apocalipses – e escapamos por bem pouco no mês passado. No dia 7 de outubro, o mundo deveria ter sido consumido pelas chamas, com a maior parte da população virando cinzas, já que Deus é conhecido por ser muito muquirana na hora de distribuir seus bilhetes dourados.

Essa profecia tão legal foi feita por Chris McCann, líder do grupo religioso da Filadélfia eBible Fellowship, que disse ao Guardian: "Segundo o que a Bíblia apresenta, parece que o sétimo dia de outubro é o dia de que Deus falou: o dia em que o mundo vai acabar".

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Bom, o dia passou e ninguém viu as tais chamas. Nenhum cavaleiro fantasmagórico chegou arrancando as pessoas do ônibus no caminho do trabalho e jogando-as no inferno.

A maioria das previsões fracassadas do fim do mundo só serve para o pessoal do Twitter fazer a mesma piada, depois esquecer a história e continuar com a vida. No entanto, para as pessoas que realmente acreditavam que era hora de dizer adeus para seus entes queridos, ver que Jesus novamente não abriu os portões de pérolas do Paraíso para elas provavelmente não é algo fácil de esquecer. Mas o que acontece realmente com quem acreditava? Como essas pessoas conseguem continuar acreditando em algo depois de uma profecia dessas fracassar publicamente?

O arrebatamento, como qualquer boa festa, exige muita preparação. Primeiro, é preciso entregar os convites. Em 2011, por exemplo, o pregador da End Times Harold Camping usou sua estação de rádio, a Family Radio, para espalhar a notícia de que o juízo final ia acontecer no dia 21 de maio daquele ano – uma data que ele revisou depois para 21 de outubro, quando as chamas do inferno não se materializaram.

Aí, dependendo do seu pregador, você pode ver uma corrida real. David Berg, fundador do movimento religioso Meninos de Deus (mais tarde rebatizado de Família Internacional após uma série de polêmicas e acusações de abuso sexual infantil dentro da seita), teve uma abordagem mais prática a fim de fazer seus seguidores se prepararem para os vários eventos apocalípticos que ele previu.

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Flor Edwards, quando ela era parte do movimento Meninos de Deus.

Flor Edwars cresceu no movimento Meninos de Deus nos anos 80 e 90; portanto, mandei um e-mail para ela logo depois que a previsão de McCann não rolou, perguntando como é a vida depois de uma profecia fracassada. Ela me disse que, na preparação para o fim dos tempos, os homens do acampamento onde ela morava invadiram seu dormitório inesperadamente no meio da noite.

"O arrebatamento seria precedido pela Grande Tribulação ou 'Os Últimos Dias'. Os homens entrando eram parte do exército do Anticristo, pelo menos foi o que pensei", ela afirmou, explicando depois que aquelas pessoas entrando em seu quarto com armas e cassetetes na verdade estavam imitando essa suposta força militar.

Perguntei se não foi assustador encarar a perspectiva de morrer tão jovem. "Claro que foi assustador", ela frisou. "Achávamos que seríamos salvos, mas o limiar disso seria a morte, e talvez tivéssemos de encontrar nosso destino como mártires. Naquela época [1993, o ano do suposto apocalipse], eu era uma pré-adolescente vivendo nos EUA. Eu não tinha medo de morrer."

Inevitavelmente, há vários obstáculos que um grupo encara diante de uma profecia que não se cumpre: primeiro, vem a realização do grande elefante do apocalipse na sala. O que ninguém pode esquecer, claro, é que Deus nunca está errado – um erro de julgamento do juízo final é um erro humano, não divino. (Deuteronômios 18:21-22: "E, se disseres no teu coração: Como conhecerei a palavra que o Senhor não falou? Quando o profeta falar em nome do Senhor, e essa palavra não se cumprir, nem suceder assim; esta é palavra que o Senhor não falou; com soberba a falou aquele profeta; não tenhas temor dele".)

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Logo, o que pode parecer uma desculpa para você ou para mim é um erro honesto sobre os ombros do profeta. O profeta vai voltar para a Bíblia e achar mais pistas de quando o juízo final vai realmente acontecer, apesar de muitas pessoas – inclusive o apóstolo Mateus, que inicia o Novo Testamento – dizerem que é um erro tentar determinar isso. (Mateus 24:36: "Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, mas unicamente o Pai".)

Depois que isso fica esclarecido, vem o controle de danos. Admitir logo de cara o erro ameaça a estabilidade de um grupo; assim, muitos profetas simplesmente mudam a data do arrebatamento para o futuro, embora eles mantenham a coisa um pouco vaga. Segundo Flor, depois que 1993 passou sem um único apocalipse, o fundador dos Meninos de Deus começou a distribuir uma newsletter para seus seguidores intitulada, de maneira bem ambígua, "Isso Pode Acontecer Neste Ano".

Esse foi o começo do desmoronamento do grupo? Perguntei a Flor. "Definitivamente, foi o 'desmoronamento do grupo'", ela admitiu. "Havia quase um senso de humilhação de que as previsões do 'profeta' não se cumpririam. Foi um remédio difícil de engolir para a maioria dos seguidores."

Quando coisas assim acontecem, alguns, como Flor e sua família, deixam o grupo. Depois de 1993, Berg tinha insistido que eles se mudassem da Tailândia, onde eles moravam na época, para os EUA a fim de continuar a evangelização. Entretanto, eles se sentiam decepcionados e saíram do grupo em 1996. "Você tem de entender que o pastor David não lançou essas ideias para os seguidores logo de cara", ela me contou. "Isso começou como um movimento meio hippie muito inocente. Pessoas jovens que queria tornar o mundo um lugar melhor."

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Porém, para aqueles que decidem partir, sempre há muitos outros escolhem ficar. Seguidores não perdem a fé assim tão facilmente. Como Abraão, muitos acreditam que estão sendo testados por Deus; então, cada fracasso é uma oportunidade de demonstrar sua lealdade. Ou seja, eles continuam: fazem campanhas, praticam o proselitismo e oram mais do que antes. Sempre vai haver uma nova data para o arrebatamento, porque, se não houver nada para esperar, o grupo se desfaz. Essa centelha de esperança, não importa quão vaga seja, permite que os profetas continuem seu trabalho sem enfrentar muita pressão.

Camping, por exemplo, previu seis apocalipses sem ser considerado uma fraude; agora, mesmo depois de sua morte, a Family Radio continua.

O próprio Chris McCann é um seguidor dos ensinamentos de Camping. Sua eBible Fellowship – que, como ele aponta, é uma organização da internet, não uma igreja real, mesmo fazendo reuniões mensais – também conseguiu manter um número grande de seguidores depois da previsão de 7 de outubro.

A eBible Fellowship não quis falar comigo para esta matéria, me enviando a seguinte resposta por e-mail quando perguntei o que eles fazem quando o mundo não acaba: "Temo que daríamos uma resposta chata para sua matéria. Simplesmente nos voltamos para a palavra de Deus, a Bíblia, e continuamos estudando isso".

'Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse', de Viktor Vasnetsov. Imagem via Wikimedia.

No entanto, o site deles, oct7thlastday.com, afirma: "E Bible Fellowship [sic] estava incorreta a respeito do dia específico do fim [do mundo], mas não estamos incorretos quando dizemos que o fim virá em breve… [o mundo] tende a ver uma 'data passada' para seu fim como um tipo de vitória e comemora isso como se significasse que ele nunca vai acabar. E, ainda assim, a verdade é que o mundo está em seu leito de morte… é só uma questão de quanto isso ainda vai durar".

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Até o momento, previsões do fim do mundo têm uma taxa de fracasso de 100%. Só que, como me disse Lorenzo DiTommaso, professor de religião da Concordia University, não é tão simples fazer os seguidores desses cultos verem a luz. "Como qualquer visão de mundo arraigada, a visão teológica de uma pessoa é a expressão de suas crenças mais centrais", ele atestou. "As pessoas geralmente não escolhem ou mudam seu sistema de crenças como se estivessem comprando frutas no mercado."

Religião e o relacionamento de uma pessoa com ela são coisas complexas e elásticas; portanto, o juízo final continuará sendo previsto e as pessoas vão continuar acreditando nele. E, mesmo que você queira desconsiderar a opinião de quem acredita tão fervorosamente em algo assim, pouca gente pode dizer que nunca acreditou em algo vagamente similar. Todo mundo já acreditou em algo absurdo: uma vez, gastei US$ 27 em cartazes do Kony 2012, acreditando que isso teria algum impacto nas decisões éticas dos exércitos de guerrilha em Uganda. Fiquei envergonhada com o que aconteceu depois? Sim, mas sobrevivi.

E, apesar das previsões desses profetas do apocalipse, parece que os seguidores deles vão sobreviver também.

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Tradução: Marina Schnoor.

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