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O Humor Ofensivo de Pablo Carranza

Cartunista e ilustrador investe em projeto solo com a impagável revista Smegma Comix, cujas histórias não eximem de zoação nem mesmo a tchurminha esperta dos zines e das HQs.

Chiclete com Banana, MAD e Marcatti, para mim, são coisas insuperáveis no universo dos quadrinhos já feitos no Brasil dedicados ao humor crítico, afiado, impiedoso e genial. De tempos em tempos, no entanto, surgem uns lances que chegam bem perto de estar à altura da inteligência feroz com que nos brindaram tais referências - vide a revista Prego e a Tarja Preta. Entre as muitas produções chatas e pretensiosas que costumam despachar aqui pra redação, outro dia fui surpreendido com o número de estreia da Smegma Comix, do Pablo Carranza.

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Seus roteiros são de uma espirituosidade incomum, de onde brotam tirações de sarro que pegam no nervinho da ridicularidade humana. Nesta edição, dá pra destacar a história do caipira Rivalino, que recebe o Luciano Huck em sua casa para tunar um trator caindo aos pedaços; o Playboy de Nazaré, personagem cujas atitudes aglutinam à perfeição diferentes estereótipos daqueles típicos gurizões de apartamento, engolidores de Therma Pro e uísque com energético; além de pérolas como as tiras "10 Pauzinhos", que não poupam de zoação sequer o povo do próprio rolê das HQs. Dei muita risada.

Fora que o traço do cara, as expressões que ele lança nos personagens e a pegada de preenchimento chapado tornam as histórias muito fluentes de se ler e confortáveis aos olhos. Isso é importante, porque tem uma pá de quadrinistas da nova geração que poluem demais os quadros com detalhamentos que só contribuem para que tudo fique muito cansativo. Daí que, em vez de uma simples resenha, achei que valeria a pena trocar uma ideia com o autor pra sacar melhor qual é a dele. Então se liga aí no papo que rolou:

VICE: Qual é a sua idade e desde quando você desenha? Você se lembra das primeiras revistas que leu e achou da hora na vida?
Pablo Carranza: Tenho 28, desenho desde sempre. Claro! Cresci lendo a MAD, era a minha referência de humor e minha "formação", digamos assim. Descobri a Chiclete com Banana mais tarde e pirei. Mergulhei nesse lance de quadrinhos underground e me dei conta de que era isso que eu queria da vida, sem a menor dúvida.

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Como você pegou as manhas do desenho? Fazer cursos pra aprender a desenhar ou roteirizar quadrinhos é uma coisa que pode estragar o estilo e a criatividade narrativa dum sujeito?
Não tenho formação, mas já fiz uma oficina aqui e ali - e, cara, se você for pela linha do cartum, acho que só te dificulta a achar o seu traço. A coisa começa a ficar dura, porque você fica muito preocupado em desenhar "certo" quando o segredo do traço do cartum é justamente o erro. Acho que só comecei a achar um traço meu quando toquei o foda-se pra técnica e comecei a desenhar do jeito que vinha. Aí a coisa começou a engrenar. Acho mais interessante escrever e desenhar instintivamente, porque você acaba criando um estilo próprio. Começar sem nada é mais fácil do que se desfazer do que já foi absorvido.

Por que você enveredou por quadrinhos de humor ofensivo? Seria essa uma forma que encontrou pra criticar as babaquices sociais ou mesmo evidenciar o quanto o ser humano pode ser ridículo?
Eu estava de saco cheio de quadrinhos, porque tudo que eu lia era fofinho e certinho demais, nada me atraía e estava perdendo completamente o tesão na coisa. Achei um caminho que me dá esse tesão e abertura pra fazer algo mais a ver comigo. O ofensivo/agressivo é algo que me atrai, seja em quadrinhos, em literatura ou em cinema. Saber que eu posso fazer algo engraçado e que vai causar um certo impacto ou incomodar algumas pessoas me instiga. Se eu conseguir fazer isso, é porque deu certo.

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Desde quando você se autopublica? Beleléu, selo por onde saiu a Smegma, afinal é uma revista, uma editora, uma distribuidora ou todas essas coisas?
A Beleléu era uma revista e acabou virando uma editora de quadrinhos independentes. Eu me autopublico desde sempre. Ainda acho que esse método de editoras mainstream (e as porcentagens absurdas delas) está fadado ao fracasso. A única vantagem que eles têm é a boa distribuição, mas até isso já estamos conseguindo melhorar. Em 2010, lancei um zine chamado Aprenda a Falar Tudo em Italiano. Em 2012, fui selecionado pelo ProAc (Secretaria de Cultura de São Paulo) e lancei, juntamente com a Beleléu, o livro Se a Vida Fosse Como a Internet. Neste ano, lancei um zine chamado Xingamentos Literais e a revista Smegma Comix, também com a Beleléu.

Quais são os seus autores de quadrinhos preferidos, entre clássicos, contemporâneos, gringos e nacionais?
Peter Bagge, Daniel Clowes, Frederic Fleury, Johnny Ryan, Gary Panter, Allan Sieber, Marcatti, Mike Diana, Ota, R. Crumb, Angeli, Derf, Kaz, etc.

Qual é a sua opinião sobre:

Quadrinhos de super-heróis?
Uma rica fonte de bullying.

Will Eisner?
Foda. Deveria ter sido taxidermizado.

Maurício de Sousa?
Ótimo empresário.

Eu curti muito a primeira edição da Smegma Comix. As histórias do "Playboy de Nazaré", do "Tiozão do Churrasco" e "Lata Velha" são impagáveis. Como essas ideias surgem na sua cabeça?
Maconha! [risos]. O formato me ajuda. Fazer revista me deixa muito mais à vontade do que fazer livro, pois tem mais rotatividade e espaço para experimentar. Eu não quero passar anos pensando em uma HQ perfeita para um livro. Essa pressão me endurece, além de eu acabar enjoando da história no meio do caminho. Prefiro lançar vários números de revista e, se rolar, algum dia compilo em livro.

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A revista traz também uma afiada crítica ao próprio meio editorial em que circula. Acho que um artigo todo retórico não teria a mesma contundência em desbancar a soberba e a pretensão dos fanzineiros metidos a artistas de vanguarda como as histórias "Fag de Com Força" e "10 Pauzinhos". Esse tipo de gente te deixa de saco cheio?
Consegui fazer essa raiva virar algo produtivo. Um dos conceitos da Smegma é o "como não fazer amigos". Com o tempo, estou notando que, na verdade, isso é um ótimo filtro de pessoas. Não tem essa merda de fazer média com ninguém, é isso e foda-se.

O que é aquele lance do "Desafio Malcriado" que está rolando no tumblr? Alguma daquelas ofensas trocadas são baseadas em fatos ou em traços de personalidade verídicos?
Isso é só uma brincadeira. Não é nada que se possa ter alguma pretensão. É uma maneira de trocar, publicamente, ofensas gratuitas com o Tiago Elcerdo (Beleléu), com a esperança de que no final do desafio eu tenha rompido completamente qualquer laço de amizade que eu tenha com ele [risos].

A Smegma Comix vai ter periodicidade? Qual é a ideia aqui? Você vai manter esses personagens, tipo o caipira Rivalino, ou aquilo foi só um recurso pra zoar com o Luciano Huck?
Cara, nada MUITO preciso, mas vou lançar uma edição a cada semestre. A #1 saiu agora no segundo semestre de 2014, então a #2 deve sair no começo do ano que vem, provavelmente depois do carnaval. Escalei o amigo e quadrinista Fábio Lyra pra me ajudar - e, fora ele, é só eu mesmo. Portanto, não dá pra fazer periodicidade maior que a semestral (o que pra mim já tá ótimo!). E, sim, Rivalino é um personagem fixo da revista: muitas HQs dele estão a caminho.

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