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Tecnologia

O Lado Espiritual dos Games

O desenvolvedor Ryan Green criou o jogo That Dragon Cancer, sobre o próprio Green, sua esposa e a luta de seu filho, Joel, contra um câncer terminal.
Imagem do jogo That Dragon Cancer

Apesar da batalha de opiniões que rodeia a questão da intimidade entre a mídia e os desenvolvedores de jogos, devo confessar que estou no meio da PAX Prime, uma convenção de videogame em Seattle, sentindo uma puta vontade de abraçar um desenvolvedor de jogos.

O desenvolvedor em questão é o Ryan Green, criador de um jogo chamado That Dragon Cancer. O jogo é sobre o próprio Green, sua esposa e a luta de seu filho, Joel, contra um câncer terminal. Green começou a desenvolver o jogo um ano e meio atrás, enquanto Joel ainda lutava contra a doença. Joel morreu em março.

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Enquanto converso com Green sobre o jogo e suas origens, fica bem claro que o cara está segurando o choro. No entanto, ele afirma que trabalhar no jogo (no qual o jogador vira o próprio Green, cuidando do pequeno Joel) foi uma experiência de cura.

"Começamos a desenvolver o jogo enquanto o Joel ainda estava vivo", ele diz. "O ato de vencer o dragão é uma forma de mostrar nossa resistência: 'Ainda estamos aqui, ainda estamos lutando'. Mas tem sido cada vez mais difícil vir a essas convenções, porque, bem, o dragão venceu dessa vez."

"Eu tornei o ato de celebrar o meu filho na minha principal ocupação", afirma Green.

O jogo inclui áudios retiradas de vídeos pessoais, com vozes do Joel e do resto da família Green. "Eu quero que as pessoas saibam como o Joel era", ele explica. "Eu queria programar um pedaço dele dentro do jogo."

Apesar de o jogo ser baseado em suas próprias experiências, Green me diz que algumas pessoas têm questionado a razão por trás de um projeto tão incomum.

"Muitas pessoas não entendem porque estamos nos dedicando ao jogo", diz Green, "até elas o jogarem pela primeira vez. Acho que as críticas existem porquem a maioria das pessoas não sabe direito o que estamos criando. É uma reação involuntária. Eu espero que as pessoas entendam que não estamos fazendo algo deprimente. Essa é a história do meu filho. É algo belo."

Green explica que o jogo tem vários momentos bobos e divertidos – o jogador chega a controlar um pato em certa parte do jogo, flutuando em uma lagoa enquanto Green e seu filho conversam na beira da água. Decido testar o jogo.

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FINALMENTE, RECEBO A MISSÃO DE REZAR.

No demo do jogo, controlo Green em uma noite específica, e tenho que cuidar de seu filho. O jogo ainda tem algumas falhas técnicas, como o avatar do jogador se sentando no ar ou ficando preso dentro de uma mesa, mas fica claro que ele representa uma nova vertente no mundo dos games. Finalmente, eu – o Green, na verdade – recebo a missão de rezar.

"Somos cristãos, e não posso separar a minha espiritualidade do resto da minha vida", ele me diz após eu testar o demo. "Mas esse não é um jogo com uma lição de moral."

O salão do PAX Prime não é o melhor lugar para dois homens discutirem sobre Deus, em especial se considerarmos que a alguns metros de distância, homens e mulheres vestidos de texugos e ursos estão se estapeando dentro de uma jaula enquanto dezenas de colegiais mágicas e Judge Dredds vibram com a luta.

O papo sobre Deus me faz lembrar que, no início da convenção, um dos expositores gritou enquanto eu passava pela frente de seu estande: "Jesus te ama!"

Após minha conversa com Green, volto para o estande de Jesus. No caminho, passo por um bar de oxigênio, uma propaganda em tamanho real onde participantes sentam em um círculo, com tubos que exalam ar odorizado em suas narinas. Chegando ao meu destino, começo a folhear o que parece ser uma propaganda de jogo disfarçada de paródia religiosa, incluindo com uma imagem de Jesus usando um headset e segurando o controle de Xbox.

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"Mas espere!", diz o folheto, "Como é possível ser cristão e matar zumbis, soltar feitiços e atirar am alguém?!? Isso não é hipocrisia!?!? É uma pena que essa discussão exista. Somos TODOS hipócritas. Todo e qualquer ser humano."

Espera um pouco. Eu continuo a folhear o livreto…

"Jesus ama os gamers. Jesus veio para PWNAR o Demônio e para salvar o mundo POR VOCÊ."

Puta merda. Isso não é uma propaganda. Isso é pra valer. Estou correndo o perigo de ser eternamente salvo.

"Viemos aqui por dois motivos", disse-me Chris Gwaltney, Diretor de Missão da Gamechurch, do outro lado do estande. "Para distribuir brindes e para dizer que Jesus te ama." Os brindes são as bugigangas de praxe: pingentes, bottons e adesivos – além do livro que eu havia lido: Jesus, FOR THE WIN!

Presumir que os cristãos teriam problemas com a comunidade LGBT parece um pouco injusto, mas uma das primeiras coisas que pergunto é se eles têm algum problema com o Lounge da Diversidade, situado a alguns metros de distância.

"Pensamos em colocar nosso estande lá", diz Gwaltney. "Quem precisa ouvir que Jesus os ama, senão eles, por causa de toda negatividade que eles sofrem? Quem são as pessoas que mais precisam ouvir essa mensagem?

Gwaltney explica que a Gamechurch não está ligada a nenhuma igreja específica. Ela é uma organização de caridade, e os voluntários vêm de diferentes igrejas. Marchar contra a comunidade LGBT não faz parte da agenda da Gamechurch.

"Estamos aqui", diz Gwaltney. "Jesus te ama. Temos brindes. Só isso."

Tradução: Ananda Pieratti