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Fotos

O Monumental Legado em Livros do Fotógrafo Lee Friedlander

Lee é meu avô. É impossível vê-lo sem uma câmera em volta do pescoço. Muitas vezes, numa reunião de família em casa ou num restaurante, estou falando com alguém e um flash dispara.

Family in the Picture 1958-2013, Yale University Art Gallery / Yale University Press, 2014.

Em maio de 2013, o presidente de fotografia do Pratt Institute, Stephen Hilger, teve uma ideia ousada: colecionar todos os livros feitos pelo fotógrafo Lee Friedlander. Depois de falar com Friedlander, Hilger abordou o diretor de bibliotecas Russel Abell e explicou que ele queria que os estudantes tivessem acesso à bibliografia completa do fotógrafo. Abell não só concordou como levou o plano um passo adiante, sugerindo que a Pratt realizasse uma exposição dos livros no espaço da biblioteca.

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O resultado foi Lee Friedlander: The Printed Picture, uma exposição na biblioteca do campus do Brooklyn da Pratt, que foi de abril a outubro de 2014, com curadoria de Hilder e Peter Kayafas. A exposição contou com uma conversa entre Friedlander e seu time de produção editorial na abertura e culminou no que acadêmicos chamam de Festschrift: um livro curto projetado para acompanhar e celebrar a exposição. A ideia inicial de Hilger era audaciosa, e a aquisição dos livros precisava mesmo ser celebrada, porque Friedlander publicou uma quantidade enorme deles – quase 50, dependendo do modo de contagem – em sua carreira, que vai de 1969 até hoje. ("O livro é mais minha mídia que a parede", ele costuma dizer.) Para a exposição, as capas de todos os livros foram reimpressas no tamanho exato e penduradas junto às escadas da biblioteca, quase como as fotos de família na casa de alguém. A magnitude da produção de Friedlander é impressionante: as capas alinhadas cobriram três lances de escada.

Enquanto a maioria das retrospectivas aborda esse tipo de extensão dividindo a carreira do artista em eras, Hilger decidiu que estava mais apto a organizar a obra de Friedlander em dez categorias temáticas: Autorretratos & Fotos de Família; Trabalho & Colaboração; Flores, Árvores & Troncos; Paisagens; Nus; Músicos; Ícones Americanos; Monumentos; Paus, Pedras & Letras; e Retrospectiva.

Considerando o processo artístico de Friedlander, essa parecia uma maneira mais valiosa de ver seu trabalho. Em sua primeira monografia, Self Portrait, ele diz que as fotos "não eram feitas com uma preocupação específica, mas aconteciam como uma extensão periférica do meu trabalho… elas surgiam lentamente e não com um plano, mas como outra descoberta a cada vez… tento não pensar sobre isso, tento trabalhar intuitivamente". Para Friedlander, que Hilger descreve como um "burro de carga", era fotografar primeiro e perguntar depois. Observando suas folhas de contato, Friedlander vê onde seus olhos o estão levando e agrupa suas fotos em livros, muito similar à maneira como Hilger tentou separar esses livros em categorias. Na sessão de Perguntas e Respostas da conversa de abertura, um estudante de fotografia pediu um conselho a Friedlander. "Vá lá e trabalhe", ele respondeu. "Quando o sol sair." O trabalho, na verdade, não está apenas em tirar as fotos, mas em passar por elas.

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Página 57 de Letters from the People, Distributed Art Publishers, Inc., 1993.

Folheando o Festschrift ou andando pela exposição, que tem vitrines mostrando livros relacionados a cada uma das dez categorias, você vê os temas continuamente oscilando na consciência do fotógrafo – às vezes, com décadas de diferença, ele revisita uma ideia e chega a uma conclusão completamente diferente. Talvez o melhor exemplo disso seja o contraste entre Self Portrait ,de 1970, e o livro de autorretratos de 2000, intitulado Lee Friedlander. No primeiro, um jovem Friedlander insere a si mesmo, às vezes de maneira divertida, no mundo ao seu redor; no segundo, um Friedlander mais velho frequentemente encara a câmera e fecha as lentes, quase como num confronto: mesmo fotógrafo, mesmo conceito, significados drasticamente diferentes.

Quando nos sentamos no escritório de Hilger na Pratt, ele ressaltou "a monumentalidade do projeto inteiro de Lee como fotógrafo", mas também enfatizou que "seus temas são acessíveis: uma parte do cotidiano, assim como uma parte da experiência".

De Factory Valleys: Ohio & Pennsylvania a The Desert Seen, chegando até a The Jazz People of New Orleans, há uma qualidade distintamente americana "de costa a costa" no trabalho de Friedlander. Talvez num extremo desse espectro esteja America by Car, uma coleção de fotos tiradas da janela de um carro, com o cenário constantemente mudando lá fora, uma ode às viagens de carro tipicamente americanas; e, no outro extremo, está American Monument, um livro de estátuas pelo país e possivelmente o trabalho mais famoso de Friedlander, explorando a fascinação coletiva diante da comemoração eterna do melhor de nós em representações estáticas. Tomada como um todo, sua obra pode ser classificada sob o título "A paisagem social" – um termo cunhado pelo próprio Friedlander, apontou Hilger, numa entrevista de 1963 para a Contemporary Photographer. Mas outra categoria do trabalho de Friedlander é mais própria dele como fotógrafo e não se encaixa tão bem nesse título: família.

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Aqui, vou divulgar algo que provavelmente deveria ter dito no começo do texto: Lee é meu avô. Isso não me qualifica como um especialista em seu trabalho, mas fui apresentado a mais fotografias dele que a maioria das pessoas. Não é porque o acompanho quando ele sai para fotografar – só fiz isso algumas vezes –, mas porque ele está sempre fotografando. Sempre. Vê-lo sem uma câmera em volta do pescoço é como ver uma pessoa que sempre usa óculos sem óculos: você nota imediatamente, e não parece certo. Muitas vezes, numa reunião de família em casa ou num restaurante, estou falando com alguém e um flash dispara. Agora, isso não me assusta mais (apesar de poder assustar um amigo ou uma garota num primeiro encontro). Minha única reação é imaginar, por um momento, o que eu estava fazendo que poderia parecer interessante numa fotografia. Em outras vezes, estou falando diretamente com ele, no meio de uma frase, e ele abruptamente coloca a câmera na frente dos olhos e tira uma foto minha, como um pistoleiro de desenho animado num duelo, sem parar a conversa. O que ele vê naquele determinado segundo que o impele a tirar uma foto imediatamente, quase como um reflexo, tem sido uma grande fonte de mistério e maravilhamento por toda minha vida. Um dos benefícios de ser fotografado nesse grau é que, como muitos dos meus amigos comentaram vendo um dos livros de família de Lee, Family (2004) ou Family in the Picture (2014), é que meus álbuns de família são públicos. Mas minha conexão pessoal com o trabalho do meu avô tem mais a ver com as fotos em que não estou.

Em 1993, Lee publicou Letters from the People e dedicou o livro para mim (eu tinha dois anos na época). Essa obra consiste de fotos de letras e palavras coladas ou escritas nas ruas, com as páginas de abertura mostrando várias interações de cada letra do alfabeto. Sempre senti uma forte conexão com esse livro, o que eu não conseguia explicar exatamente. Recentemente, mencionei isso para minha mãe (filha de Lee), e ela riu de mim por não perceber. Ela lembrou que, nas muitas viagens a centenas de jogos de basebol de que participei quando era criança no Brooklyn, eu sempre queria jogar um jogo onde tínhamos de achar as letras do alfabeto, em ordem, nos cartazes e em outdoors (placas de carro não valiam) do caminho. Era uma das poucas coisas que me relaxavam antes dos jogos. "Era o seu Letters from the People", ela frisou.

Entendo minha relação com as fotos do meu avô em momentos como esse: achar um pedaço de mim em seu trabalho e, por extensão, um pedaço dele, além do que paira em sua consciência. Alguns desses momentos são pequenos e singelos, como em Letters; outros são grandes, como em American Musicians e Playing for the Benefit of the Band, feitos depois que decidi largar o basebol para tocar guitarra de blues. Para mim, a questão não é que meus álbuns de famílias são públicos – são esses pequenos fios me ligando ao meu avô, esperando para serem descobertos.

Leia mais sobre Lee Friedlander: The Printed Picture aqui.

Tradução: Marina Schnoor