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O mosquito que iniciou o surto de zika no Brasil estava erradicado 50 anos atrás

O Brasil se livrou do Aedes aegypti em 1958, quando conseguiu conter a febre amarela. O caos urbano de agora, porém, torna a nova guerra bem mais difícil.

Quando a presidente Dilma Rousseff colocou o Exército Brasileiro na frente da campanha contra o zika vírus, em 2015, ela disse que equivalia a uma "guerra contra o mosquito". Essa é uma batalha que o Brasil já lutou meio século atrás e venceu, temporariamente, quando eliminou o Aedes aegypti do país e colocou a febre amarela sob controle. Mas hoje, segundo os especialistas, o crescimento urbano exige que busquemos novas táticas e armas se quisermos repetir o sucesso. "Atualmente há uma complexidade maior do ambiente urbano, o que torna difícil erradicar o Aedes aegypti novamente", disse Rafael Freitas, entomologista do Instituto Oswaldo Cruz, o líder em pesquisa do mosquito no Brasil. Freitas destacou que as cidades hoje são muito maiores e que o exército não pode ter acesso a casas tão facilmente quanto antes. Na campanha original, disse, as casas eram fechadas e pulverizadas com enxofre para matar os insetos. "Os moradores eram obrigados a sair de casa, sem nenhuma preocupação com para onde eles iriam, fosse a casa de um parente ou para baixo da ponte", ele disse. "Hoje é impossível realizar um procedimento assim por causa dos direitos de propriedade privada, por exemplo." O Aedes aegypti é uma espécie difícil de controlar. Ele se propaga em pequenas quantidades de água parada e se espalha por áreas urbanas, especialmente bairros pobres que não possuem água corrente. Ele também pica durante o dia, o que significa que mosquiteiros nas camas oferecem pouca proteção. O Brasil foi declarado livre do inseto em 1958, mas o bichinho continuou presente em países vizinhos, como Venezuela e Suriname. No final dos anos 60, o controle tinha sido relaxado, as defesas baixaram e, surpresa, o mosquito voltou. Desde então, o Aedes aegypti continua presente em todos os estados brasileiros, carregando os vírus da dengue, chikungunya e agora o zika. O zika foi detectado pela primeira vez no Brasil na primavera de 2015. No final do ano, os médicos começaram a ligar febres baixas e o desconforto causado pelo vírus ao aumento no número de bebês nascidos com microcefalia. A linguagem bélica na campanha do governo contra o zika na época, no entanto, parecia mais um esforço para convencer o público que isso era um problema sério do que qualquer outra coisa. Não havia indício real de uma repressão em grande escala ao mosquito. Servidores públicos ganharam autonomia para forçar a entrada em propriedades abandonadas ou em lugares suspeitos de serem criadores do mosquito se o dono não estiver presente. Mas os mais de 200 mil soldados mobilizados para confrontar a epidemia de zika estão sendo usados em outra tarefa: conscientizar a população dos riscos e encorajar o público a manter suas casas livres do mosquito. Enquanto isso, os pesquisadores destacam métodos mais sofisticados para tentar controlar o mosquito e a doença que ele espalha. Entre os projetos está o programa Elimine a Dengue, onde a bactéria de ocorrência natural wolbachia é usada nos mosquitos para reduzir a transmissão de dengue. A bactéria é encontrada em 60% dos insetos e, quando inserida no Aedes aegypti, se mostrou capaz de bloquear a dengue. Dois lotes de mosquitos carregando a bactéria foram soltos no Rio de Janeiro até agora. Mosquitos geneticamente modificados cujas crias não sobrevivem também foram usados. A empresa britânica Oxitec tem produzido esses mosquitos num laboratório em São Paulo. Eles soltam machos com os genes modificados que cruzam com as fêmeas – apenas as fêmeas picam – em áreas de teste. Mês passado, a empresa anunciou que estenderia os testes. Enquanto isso, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz publicaram a primeira sequência genética completa do zika vírus como encontrado em bebês com microcefalia. A pesquisa contribui com as evidências crescentes da ligação entre o vírus e a microcefalia, que ainda não está totalmente estabelecida. Isso também revelou fortes similaridades entre a cepa de vírus no Brasil e a encontrada num surto de 2013 na Polinésia Francesa, que não foi associado a aumento nos casos de defeitos de nascença. "Apesar de o zika vírus ser o único agente encontrado no fluído amniótico, mais estudos são necessários para confirmar que esse vírus é a única causa de microcefalia nesses casos, mesmo essa sendo a evidência mais forte até agora", disse Ana Bispo, chefe do laboratório do vírus do Instituto Oswaldo Cruz. "Precisamos de estudos urgentes para entender a mecânica biológica envolvida na infecção e sua possível ligação com defeitos de nascença." Enquanto isso, o Brasil se uniu a especialistas do Center for Disease Control dos EUA para estudar mulheres grávidas e bebês com microcefalia no estado da Paraíba para entender completamente a ligação entre as duas coisas. Além do Brasil, o país que lançou a resposta mais vigorosa ao zika provavelmente foi Cuba, onde o estado têm mais poder para exigir a cooperação da população. O presidente Raúl Castro soa mais convincente na retórica de guerra que usou em seu anúncio, mobilizando 9 mil soldados em uma grande operação para fumigar a ilha. "Cada cubano tem que considerar essa batalha uma questão pessoal", escreveu Castro numa mensagem nacional na última segunda-feira, apesar das autoridades de saúde cubanas dizerem que ainda não confirmaram nenhum caso de zika. "Nosso povo vai mais uma vez demonstrar nossa capacidade organizacional para manter os padrões de saúde alcançados pela Revolução", ele continuou. "Devemos ser mais disciplinados e exigentes que nunca diante dessa tarefa."

Alan Hernández contribuiu com esta matéria. Siga a Donna Bowater e o Alan Hernándes no Twitter. Tradução: Marina Schnoor.