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O MPL Acabou?

O texto de Lucas Legume, dissidente, supõe que sim. O MPL diz que não.
Foto: Felipe Larozza/VICE

Na semana passada, o texto de um dissidente do Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL-SP) deu uma estremecida nos movimentos sociais e na imprensa. Lucas Monteiro, conhecido como "Legume", elencou alguns motivos que justificaram sua saída depois de 11 anos de militância no grupo pautado pelas questões do transporte coletivo. Entre elas, estão os caminhos que o MPL seguiu depois de conquistar a revogação do aumento das tarifas em diversas cidades pelo país durante as Jornadas de Junho, há dois anos.

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"O sucesso das mobilizações de 2013 teve como uma de suas consequências o efeito de nos apaixonarmos por nós mesmos: as relações de amizade, amorosas e sexuais voltaram-se para dentro do próprio movimento", descreve o texto "O Movimento Passe Livre Acabou?", publicado no site Passa Palavra. "Considero que o MPL, ao não se pensar como um movimento inserido nas dinâmicas de lutas mais amplas dos trabalhadores e trabalhadoras, foi incapaz de superar seus próprios limites", escreveu. Procurado pela reportagem da VICE, Legume informou que prefere não falar sobre o assunto que virou até meme nas redes sociais.

Na publicação, ele ressalta também o rompimento do movimento Luta do Transporte no Extremo Sul e "a saída de mais uma dezena de militantes do MPL".

Para Nina Cappello, integrante do MPL que, ao lado de Legume, concedeu entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em junho de 2013, a atitude do ex-parceiro de luta é "bastante saudável". Por telefone, ela falou à VICE. "Isso acontece em todos os partidos políticos, em todos os movimentos sociais. Militantes deixam de participar por divergências políticas. Movimentos sociais se reestruturam constantemente. Sempre tem novas pessoas entrando e pessoas saindo." Sobre um provável fim do MPL, Nina nega, dizendo que "isso não está nem em questão".

Para Legume, a busca pelo consenso dentro do próprio movimento e as decisões "barradas por um grupo pequeno de militantes irredutíveis" do MPL fizeram com que a construção coletiva interna levasse o grupo à práticas que sempre criticaram.

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"Isso não está nem em questão", frisou Nina Cappello, integrante do MPL, sobre a possibilidade de o movimento ter acabado.

Em fevereiro deste ano, publicamos uma reportagem falando sobre os rumos que o MPL estava tomando, o que icluía a estratégia de criar comissões regionais e se concentrar na luta pelo transporte em bairros específicos. "A dinâmica de funcionamento dessas comissões nunca foi realmente plena", atestou Legume em seu texto. Ele também expôs que existiam dois lados discordantes no grupo: o primeiro "defendia manter o trabalho em escolas e os atos centrais que o MPL estava acostumado a fazer". Já o outro lado "defendia a organização de um trabalho exclusivo nas periferias".

Ato do Movimento Passe Livre em 2015. Foto: Felipe Larozza/VICE

No sexto ato do MPL neste ano, questionamos um dos integrantes sobre a baixa aderência de manifestantes, já que a bola levantada pela grande imprensa era sempre a eterna comparação com os atos de 2013. De fato, a quantidade de pessoas nas ruas não era a mesma – além disso, a revogação do aumento não aconteceu. Mas isso não impediu o MPL de continuar focado em seu trabalho de base, principalmente na periferia – o que foi ensejado por Nina ao telefone. "O MPL está nas ruas, está nas lutas. Inclusive, estou saindo de um ato que fizemos hoje (12) na periferia, no M'Boi Mirim", relatou.

Para Pablo Ortellado, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do livro 20 Centavos: a Luta Contra o Aumento, o título do texto de Legume foi "um pouco infeliz". "Ele obviamente só queria dizer que esse problema das estruturas de poder informais era um limite para a experiência do movimento, e não que o movimento tinha acabado com a sua saída. Mas o recurso retórico terminou sendo interpretado literalmente e gerou muito ruído desnecessariamente." De acordo com Pablo, as críticas feitas por Legume são comuns no meio dos movimentos sociais autônomos. Ele cita como exemplo o artigo clássico da feminista Jo Freeman, "A Tirania das Organizações sem Estrutura", publicado nos anos 70.

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No texto, que causou alvoroço entre integrantes do Passe Livre (dá pra sacar isso pelos comentários), Legume questiona também a criação de grupos exclusivos de mulheres, dizendo que a crítica a esses espaços acabava sendo vista como machismo. "Assim, aqueles e aquelas que não se identificassem com esse tipo de feminismo não teriam lugar no MPL."

Ato do Movimento Passe Livre em 2015. Foto: Felipe Larozza/VICE

Outro ponto levantado pelo dissidente é de que essas diversas discordâncias tenham pautado o desligamento do movimento Luta do Transporte no Extremo Sul com o próprio MPL. Nina explica que o rompimento não é definitivo. "[Eles] continuam lutando por transporte, continuam sendo parceiros nossos, apoiam as nossas lutas, e nós apoiamos as lutas deles". Para ela, "existem as questões políticas de como cada coletivo se organiza".

Aderir ou sair fora de um movimento social é comum. Parece óbvio também que as relações humanas interfiram em qualquer organização, seja de direita ou de esquerda. Acontece que Legume traçou um perfil humanizado do MPL, que, além de inesperado, só pode ser confirmado por quem vivencia tudo ali dentro. "Participar do movimento incluía ser amigo das pessoas. Para ter acesso às decisões e [às] disputas do movimento, era necessário frequentar as festas, os bares, após as reuniões, participar dos grupos de amigos – o que deixou o caminho aberto ao nosso fechamento em relação à sociedade", diz seu texto.

Nina, que segue como integrante do Passe Livre, parece tranquila. "O texto do Lucas é a opinião dele sobre a situação do movimento. [É a] opinião de um militante que saiu há cerca de um mês", concluiu.