FYI.

This story is over 5 years old.

Outros

O Livro Novo do Lísias Fala de Suicídio

O livro novo de Lísias trata dum consultor de coleções ainda no processo de aceitação do suicídio do melhor amigo ao mesmo tempo em que investiga o possível passado terrorista de um parente.

Foto por Bruno Cals

O livro novo do Ricardo Lísias se chama O céu dos suicidas. O romance trata dum consultor de coleções ainda no processo de aceitação do suicídio do melhor amigo ao mesmo tempo em que investiga o possível passado terrorista de um parente. É baseado em fatos, aqui e ali, reais. Se você já leu o romance anterior de Lísias, O livro dos mandarins, ou teve contato com seu zine Silva, pode ter uma ideia do funcionamento da mente do protagonista e do andamento um tanto quanto próprio da história. Se nunca, o lançamento [oficial](http:// http://www.facebook.com/events/323184854407093/) (em São Paulo) é quinta-feira agora. Ele respondeu algumas perguntas sobre o tomo por e-mail.

Publicidade

VICE: O protagonista d'O céu dos suicidas se chama Ricardo Lísias. Tem alguma outra coisa nesse livro que seja autobiográfica – tipo, você por acaso já tomou uma surra de espíritas?
Ricardo Lísias: Há alguns elementos autobiográficos espalhados pelo texto, de fato: por exemplo, fui um colecionador por bastante tempo. Aliás, continuo sendo: estou colecionando camisetas de corrida de rua. O que há de profundamente autobiográfico em O céu dos suicidas, no entanto, é a dor. Pra escrever O livro dos mandarins você disse ter pesquisado muito sobre o mundo corporativo, lido muita autoajuda empresarial e até estudado chinês. Pra esse novo romance, estudou sobre o quê e como?
É verdade! Mandarim é mesmo uma língua complexa: não me lembro de mais quase nada… A pesquisa no caso de O céu dos suicidas, no entanto, foi de outra forma: quase toda dentro de mim… Mas mergulhei um tanto no mundo dos colecionadores sérios, fiz algumas poucas (e pequenas) coleções e li sobre suicídio.

Há quanto tempo você está trabalhando nesse livro?
Deve ter sido o livro mais rápido que escrevi – se formos considerar apenas a fase de redação: um ano. Não consigo sequer escrever um conto que me agrade de fato nesse período. Mas penso no livro desde 2008.

No livro, o Ricardo se diz especialmente assustado com o conceito espírita do Umbral… Qual das religiões que você pesquisou tem a pior ‘punição’ pros suicidas?
Todas as religiões que observei são absolutamente cruéis e, umas mais e outras menos, violentas com a questão do suicídio. Fiquei totalmente impressionado. Tudo me pareceu de um atraso e de uma desumanidade extremos. Mas de fato os espíritas me deixaram como se eu tivesse levado uma surra.

Publicidade

Você já tinha flertado com o tema do suicídio naquele mini-encarte Meus Três MarcelosEsse assunto ficou forte dentro de você por algum tempo?
Sim, desde 2008, com maior ou menor intensidade dependendo do momento da minha vida, penso nesse assunto. Como acabei impregnado, é naturalmente sobre ele que eu teria que escrever…

Aliás, o que você pessoalmente acha do suicídio – e de um suicida?
Não acho possível (e sequer razoável) que alguém emita uma opinião sobre a decisão de uma pessoa retirar a própria vida. Recentemente um senhor matou-se na Grécia, dizendo que esse era o único ato digno que poderia cometer – já que ele não admitia ter que pegar comida no lixo. Não vou aceitar que esse homem seja um covarde. Não acho que uma pessoa ou um grupo de pessoas, por qualquer motivo, deva tutelar a vida de outra. Certas coisas e certas dores só as conhecem quem passa por elas. Talvez possamos ajudar as pessoas que querem ajuda, mas não consigo aceitar a ideia de que alguém seja tutelado. Minha vida pertence a mim.

Recentemente teve uma leitura desse seu novo livro em São Paulo. Em alguma dessas leituras públicas rolou algum problema ou descontentamento com alguém da plateia por causa do tema 'suicídio' e as vezes que o protagonista xinga Deus?
Não li o livro inteiro. Nas duas vezes em que li partes do texto, houve sempre no mínimo uma pessoa da plateia que, mais ou menos calorosamente, manifestou irritação. Uma vez por razões religiosas e outra por uma dúvida: um cara na plateia pediu-me para, por favor, não fazer apologia do suicídio. Não creio que a arte faça apologia de nada, porém.

Publicidade

Depois de ler O livro dos mandarins, a história do jogador de xadrez 'amigo' do Evo Morales que tá no seu zine Silva e agora O céu dos suicidas, dá pra tirar alguns padrões dos seus protagonistas: eles costumam ser muito organizados e sistemáticos (seja na coleta de tudo quanto é material sobre a China, seja no trabalho do Ricardo que é uma consultoria de coleções) e, pelo que entendi, flertam com uma quase loucura. Na história do enxadrista isso é evidente, no mandarins ele segue com uma ideia fixa na cabeça enquanto o que acontece segue outra realidade e, no céu, tem a história do avô terrorista. Enfim, eles parecem criar histórias dentro das próprias cabeças e tomá-las como verdades indiscutíveis. Tem algum propósito nisso? Ou entendi errado?
Não, não, creio ser isso mesmo. Acho apenas que em O céu dos suicidas, isso está um pouco relativizado. Acho a loucura um tema fundamental, pois vivemos de certa forma em um mundo louco – e é preciso resistir a ele. A arte não faz apologias, mas a que eu concebo como ideal resiste.

Aliás, falando do Silva, o que é exatamente o Silva? Quem faz, quem participa, onde ele é distribuído, qual a periodicidade e tiragem?
O Silva é um jornalzinho (ou um fanzine, como as pessoas queiram) que criei para fazer algo diferente, em um espírito mais ou menos caseiro e fora do comércio. Gosto de enxergá-lo como uma produção de cultura. Por enquanto, eu mesmo custeei tudo. Quem faz o projeto gráfico é um designer chamado Luciano Arnold, que colabora trabalhando a preço de custo. Ele é coautor. O Silva até aqui é semestral, gratuito, com tiragem de mil exemplares. Eu o distribuo por aí. É algo como uma alternativa, se a palavra estiver adequada. O número 3 circula em julho e já está praticamente fechado.

Qual dos dois romances mais recentes foi mais difícil pra você escrever: mandarins, por ter necessitado uma pesquisa e estudo e conversas intensas com fontes (executivos) ou céu, que traz pras páginas um acontecimento muito íntimo e, imagino, doloroso da sua vida?
De longe, O céu dos suicidas. Escrevo todos os dias logo depois de acordar. Tornar forma literária uma dor às vezes terrível e sempre incompreensível, não foi fácil, e ainda mais pela manhã. Alguns dias custavam muito a passar depois. Além disso, concluí o livro no segundo semestre de 2011, quando acabei envolvido em outra dor gigantesca. Ainda estou em tratamento emocional, mas achei que em alguns momentos não conseguiria concluir o livro. Nada mais justo, e até natural, que ele seja dedicado ao meu psicanalista.

Plano de algum próximo livro?
Escrevi sobre a dor da perda de uma grande amizade. Agora, estou escrevendo sobre a dor da perda de um amor. Mas não quero me adiantar mais, pois ainda não estou na fase do trabalho de redação que me permite dizer: tenho aqui mais um livro.