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O Que Precisa Mudar na Internet nos Próximos 25 Anos

A internet completa 25 anos de existência. Por isso, batemos um papo com a CEO da World Wide Web Foundation para sacar o que poderá acontecer no futuro.

Imagem via Shutterstock / Moon Light PhotoStudio.

No dia 12, a internet completou 25 anos: nesse dia, em 1989, o cientista de computação britânico Tim Berners-Lee terminava sua proposta para o que ele batizou como Rede Mundial de Computadores. Ele imaginava que isso seria uma boa maneira para que ele e seus colegas do CERN compartilhassem informações, e seu chefe concordou que valia a pena investir no projeto com palavras cautelosas de aprovação: “Vago, mas empolgante…”.

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Enquanto a tecnologia fundamental da internet continua mais ou menos a mesma até hoje, as maneiras como nós a usamos mudaram drasticamente. A internet passou de um sistema de gerenciamento de informação, para uma comunidade de nerds da computação, para uma ferramenta universal de capacitação, para o que muitos consideram um direito humano básico.

O desenvolvimento contínuo da internet, portanto, tem tanto a ver com política e questões sociais quanto tecnologia. A World Wide Web Foundation, lançada por Berners-Lee em 2009, visa estender o potencial benefício da internet a todas as pessoas.

A proposta de Berners-Lee para a internet. Imagem via CERN.

Conversei com Anne Jellema, a CEO da fundação, sobre o que eles estão fazendo para alcançar esse objetivo. Uma coisa está clara: entre celebrações do aniversário e flashbacks nostálgicos do passado da internet, também há várias questões que precisam ser respondidas sobre seu futuro.

Motherboard: Fale um pouco sobre a World Wide Web Foundation – qual é a missão de vocês?
Anne Jellema: A Web Foundation foi estabelecida por Tim Berners-Lee quatro anos atrás e visa trabalhar para realizar sua visão de uma internet aberta e livre, que capacite toda a humanidade. Trabalhamos para estabelecer a internet aberta e livre como um bem público global e um direito básico, e para nos certificar que todo mundo possa se beneficiar dela.

Quando você diz “aberta e livre”, o que vocês querem dizer exatamente?
Queremos dizer uma internet que permita a todos se comunicar, conectar, colaborar livremente e exercitar seu direito de liberdade de expressão e informação, além de liberdade para se associar e capacitar as pessoas para encontrar soluções para seus problemas – e isso tudo de uma maneira que continue fiel ao espírito original da invenção de Tim, ou seja, de forma descentralizada, sem necessidade de permissão, sem dono e neutra.

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Em sua visão, quais as maiores ameaças para a internet no momento?
Bom, olhando pelo lado positivo, na história humana, nunca estivemos tão perto de alcançar um mundo onde todos podem se comunicar, acessar informação, criar coisas e se expressar independente de posses, localização geográfica e barreiras sociais. Então, estamos muito perto de algo que será realmente transformador para o mundo, mas existem desafios que podem nos impedir de alcançar esse objetivo.

Anne Jellema. Imagem via Web Foundation.

O desafio mais óbvio é o fato de que três em cada cinco pessoas do mundo não estão on-line, e isso ocorre, principalmente, por uma questão de acessibilidade. A infraestrutura está aqui, então, a maioria das pessoas depende de sinais 2G e 3G – a quantidade de capacidade de banda larga disponível no mundo em desenvolvimento subiu vertiginosamente nos anos mais recentes – mas os preços continuam altos demais para muitas pessoas.

Estamos falando de algo entre 30 e até mais de 100% do salário mensal das pessoas, e somente pela conexão mais básica de banda larga, em muitos países em desenvolvimento. Então, mudar isso seria uma vitória, e vai contribuir também para a próxima onda de inovações e criatividade na internet.

O segundo problema é a onda de censura e vigilância que temos visto ao redor do mundo todo. O número de instâncias de conteúdo controlado ou atividade on-line controlada de várias maneiras tem crescido a cada ano, e também estamos vendo governos se apressarem para adquirir tecnologia de vigilância e implementar formas de coleta de dados em massa. A censura e a vigilância são tendências muito preocupantes, que podem minar de maneira dramática a internet como plataforma de liberdade de expressão e associação, e nos preocupamos muito com isso.

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O terceiro desafio é a crescente centralização da internet. Uma proporção cada vez maior da nossa comunicação flui por meio de um punhado de empresas agora. Isso acontece porque essas empresas fornecem valor agregado aos consumidores; elas têm serviços ótimos, são incrivelmente fáceis de usar e são coloridas. Mas as consequências não intencionais disso são uma concentração muito forte de nossos dados on-line fluindo através dos servidores dessas companhias e uma interferência na nossa experiência on-line, o que aprendemos e fazemos na internet, já que isso é filtrado através das passagens que acessamos.

Isso é uma preocupação, porque pode destruir a verdadeira magia da internet, o acaso de se ligar a qualquer coisa de qualquer lugar do mundo e descobrir coisas que talvez você nunca imaginou aprender. Isso também cria riscos de segurança e de privacidade; essa concentração de tráfego de dados através de servidores de poucas empresas facilita incrivelmente o acesso a isso por instituições como a NSA e a GCHQ, e é possível ver isso acontecendo em outros governos. Não achamos que isso é saudável para a internet e também não achamos que isso é saudável para os direitos dos usuários.

Como podemos levar a internet para essas três em cada cinco pessoas no mundo que ainda não têm acesso?
Bom, há muitas soluções que melhorariam o acesso universal. Investimento em programas de acesso público é uma delas; além de criar condições reais de competição no mercado, em todos os níveis de serviço e infraestrutura, o que é muito importante.

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O mapa mostra os assinantes de banda larga por 100 habitantes em 2012 – quanto mais escura a cor, melhor a conexão do país. Imagem via Web Foundation.

Em muitos países, vemos diversas práticas anticompetitivas no mercado, que conspiram para manter os preços mais altos do que deveriam ser, e isso pode acontecer no nível de portal internacional, no nível doméstico e também em nível de aparelhos. Então, precisamos de condições de competição reais nos mercados de serviços de internet. E também precisamos de transparência.

Para abordar, em particular, o problema de como construir um mercado competitivo para a banda larga, a Web Foundation formou uma coalizão com algumas das maiores empresas de tecnologia, operadoras móveis, agências governamentais e institutos de pesquisa acadêmica, a chamada Aliança Pela Internet Acessível. O objetivo da aliança é promover concorrência e transparência reais nos mercados de banda larga, para baixar o valor do acesso a menos de 5% do salário mensal médio.

Nos países mais desenvolvidos, um pacote de banda larga custa entre 1 e 2% do salário médio, mas nos países em desenvolvimento isso chega a custar 150% do salário médio, o que precisa mudar. A boa notícia é que achamos essa uma mudança fácil de ser feita.

Pensando em coisas como censura e restrições na internet, países como China e Coreia do Norte são os primeiros a vir à mente, mas é óbvio que as condições também não são perfeitas em lugares como Estados Unidos e Reino Unido. Que tendências vocês têm notado nesse aspecto?
Bom, fazemos um relatório anual, o Web Index, que rastreia a qualidade da internet e sua contribuição para os direitos humanos e desenvolvimento em 81 países do mundo, e ano passado descobrimos que menos de 5% desses 81 países têm praticado as melhores medidas para o devido processo de supervisão e vigilância das comunicações.

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Só um punhado desses países têm leis e instituições adequadas para lidar com as questões levantadas pelas possibilidades tecnológicas da coleta de dados on-line, algo que precisa mudar rapidamente.

A classificação da liberdade e abertura da internet pelo mundo. Imagem via Web Foundation.

Por meio da campanha Web We Want, estamos mobilizando usuários da internet do mundo todo para lutar por seus direito on-line e para se certificar de que as leis são obedecidas em todos os países que garantem nosso direito de liberdade de expressão e privacidade na internet.

E, claro, você está certa, esse não é um cenário em preto e branco. Há problemas sérios em países como a China, mas também há problemas sérios em países como os Estados Unidos e Reino Unido. Nada disso vai mudar até que as pessoas comuns exijam mudança. Se deixarmos isso nas mãos dos políticos, das agências de segurança e das empresas de tecnologia, as coisas podem não acontecer da maneira como gostaríamos.

Então, afinal, qual é a solução real? Se a regulamentação for deixada nas mãos de cada país, há o risco de a internet se tornar fragmentada, o que acaba com a ideia de uma internet aberta, não?
Sim, é um desafio. Em último caso, a decisão sobre quem pode coletar dados e o que pode ser feito com eles sempre será tomada num nível nacional, então, é muito importante que cada país tenha um enquadramento legal forte para proteger os direitos on-line.

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Mas, ao mesmo tempo, é importante que esse enquadramento legal proteja nosso direito à liberdade na internet global, não somente na internet nacional. Precisamos incorporar o princípio da universalidade e acesso a fontes globais de informação e associação, não apenas dentro das fronteiras nacionais.

Eles chamam isso de extraterritorialidade, uma palavra legal extravagante que aprendi recentemente e que significa que os países têm que respeitar a privacidade das pessoas que vivem em outros países, não somente dentro de suas próprias fronteiras. Na verdade, esse é um princípio muito importante nesse nosso novo mundo integrado digitalmente.

O que vimos com as revelações sobre o NSA é que mesmo havendo proteção apropriada para os cidadão norte-americanos contra a vigilância sem mandado, isso não se aplica necessariamente aos cidadãos de outros países que usam Google, Microsoft, Facebook ou qualquer outro serviço com base nos Estados Unidos. A solução para isso é que o princípio da extraterritorialidade seja respeitado, para que o cidadão de qualquer país possa confiar que sua privacidade não está sendo violada em outro.

Falando em Google, Microsoft e Facebook, presumo que essas empresas estejam entre aquelas que você mencionou quando disse que a internet está se tornando cada vez mais centralizada devido ao papel enorme dessas companhias. Qual é a responsabilidade delas em mudar isso?
Essa é uma boa pergunta, acho que aquelas com quem temos trabalhado nas questões de acessibilidade, liberdade e privacidade on-line têm realmente pedido aos governos nacionais para formar suas leis. Elas não querem ter a responsabilidade de tomar decisões sobre a privacidade das pessoas e o que é permitido em questões de segurança nacional. Então, primeiro, num nível governamental, precisamos de leis atualizadas para refletir a realidade da era digital e para fornecer responsabilidade democrática e supervisão para a vigilância.

Segundo, as empresas têm a responsabilidade de implementar a melhor criptografia possível em seus sistemas. Algumas estão fazendo um ótimo trabalho nesse aspecto, outras, nem tanto.

Terceiro, claro, é a transparência, com essas empresas divulgando o quanto puderem – o quanto tiverem permissão legal para fazer – para as pessoas que são alvos da requisição de coleta de dados. E isso retorna ao ponto das reformas legislativas e supervisão nacional, porque não podemos esperar que as empresas façam coisas ilegais!

Mas elas precisam estar envolvidas em ajudar a defender o usuário, pressionar por reformas e também devem fornecer o máximo de transparência dentro dos limites legais. Novamente, algumas pessoas têm sido mais proativas que outras na dianteira da transparência.

Verdade. Como você gostaria que a internet fosse nos próximos 25 anos?
Bom, como eu disse, esperamos que a internet continue a crescer e que alcance seu verdadeiro potencial de conectar todo o planeta, fornecendo os meios para que a voz das pessoas seja ouvida, para criar e moldar o mundo em que elas vivem, independente de suas posses, classe social ou localização geográfica.

E que uma internet aberta e livre possa sustentar uma democracia e uma economia realmente participativas, e que ela nos ajude a abordar os muitos outros desafios que enfrentaremos nos próximos 25 anos.