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O Rio Militariza Suas Favelas em Preparação para a Copa do Mundo de 2014

Enquanto o Rio se prepara para a Copa do Mundo e a Olimpíada, a polícia começou a patrulhar pela primeira vez, em áreas próximas aos locais dos jogos, um número seleto de favelas como parte do programa das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).

Foto por Alan Lima.

Megaeventos esportivos tradicionalmente andam juntos com pressão policial sobre a população local. Enquanto o Rio se prepara para a Copa do Mundo e a Olimpíada, a polícia começou a patrulhar pela primeira vez, em áreas próximas aos locais dos jogos, um número seleto de favelas como parte do programa das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).

Entre 1978 e 2000, o Rio teve mais assassinatos do que a Colômbia. Um estado paralelo emergiu, no qual os residentes das favelas tinham que pedir permissão para traficantes armados para ir e vir em seu próprio bairro. O crime organizado estava infiltrado no governo. Membros da polícia e militares começaram a vender armas para os traficantes. Chefes da polícia eram indiciados um atrás do outro por envolvimento com o crime organizado, mas usavam a violência como desculpa para aumentar cada vez mais sua verba. A polícia começou a usar tanques, os chamados caveirões, para invadir as favelas. As mortes por balas perdidas dispararam e a violência começou a se espalhar para fora dos morros rumo às áreas residenciais da classe média. Aí um novo fenômeno teve início: policiais fora de serviço começaram a tirar os traficantes das favelas e a criar esquemas de proteção pagos durante o tempo livre, as chamadas milícias. As pessoas ficaram imaginando porque era tão fácil para eles fazer isso durante a folga e tão difícil durante seu horário de serviço. Gangues de traficantes lançavam clipes no YouTube para se gabar de seu armamento — que, em alguns casos, incluía até armas militares antiaéreas. Em 2008, o governador liderou uma UPP numa pequena favela e a polícia começou a patrulhar seu interior. Quando um helicóptero da polícia foi derrubado por traficantes do Morro do Macaco em 2009, o governo federal deu um basta e começou a devotar mais atenção as UPPs.

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Nas favelas menores, a UPP era operada pela polícia apenas, mas nas maiores havia uma coordenação com as forças armadas, que possuía tanques e helicópteros. Depois da ocupação militar, as forças especiais da polícia vinham e vasculhavam as casas em busca de drogas e armas, frequentemente sem mandado. Eventualmente, a polícia regular se mudou para as favelas, construindo bases e começando a patrulhar os locais. As UPPs parecem operar apenas em favelas próximas a vizinhanças ricas e áreas por onde os turistas vão passar durante a Copa e a Olimpíada.

Marcio Meneses é um jornalista residente do Morro da Providência, uma favela que vive sob o programa da UPP. Durante a ocupação militar inicial de seu bairro, ele foi preso por protestar.

Foto por Alan Lima.

“O exército veio depois que alguns armamentos deles desapareceram”, ele disse. “Eles acharam que as armas estavam aqui na Providência. Eles estavam errados, mas vieram aqui e ocuparam o morro. A mídia tentou agir como se uma guerra estivesse acontecendo, mas não houve nenhum confronto entre os soldados e os traficantes durante toda a ocupação. Os problemas começaram quando alguns soldados passaram a atirar nas caixas d'água dos barracos por diversão. Aí aconteceu o episódio com os adolescentes. O exército pegou três adolescentes e os deixou numa favela controlada por uma facção do tráfico rival. Os adolescentes foram torturados até a morte lá. Comecei a ficar muito puto com a situação. Um dia eu estava ouvindo U2 e uma das músicas deles me tocou, então decidi fazer um cartaz dizendo para eles irem embora. O capitão deles veio e alegou que eu estava defendendo os traficantes. Eles me levaram para a delegacia de polícia mais próxima, mas quando descobriram que eu era jornalista, perceberam que não seria tão fácil provar aquilo e retiraram a queixa.”

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Atila Roque, diretor da Anistia Internacional no Brasil, cresceu num subúrbio pobre do Rio e era constantemente perturbado pela polícia quando adolescente. “O que você precisa saber sobre a polícia brasileira é que ela foi criada para controlar os pobres e proteger o interesse privado da pequena elite. O que estamos vendo agora no Rio é que as coisas estão começando a mudar. Mesmo assim, 560 pessoas foram mortas pela polícia em 2011.”

Perguntei a ele sobre os relatórios da ONG Justiça Internacional que afirmam que, durante o ano dos Jogos Panamericanos, a polícia realizou mais de mil execuções sumárias de pessoas sem ficha criminal.

“Vimos uma redução de mais de 50% nas mortes cometidas por policiais nos últimos cinco anos no Rio de Janeiro. E achamos que isso se deve, em grande medida, às UPPs. Acho que não podemos ver as UPPs como a solução milagrosa para os problemas de segurança pública, porque elas criaram muitos outros problemas, mas no caso das morte cometidas por policiais isso realmente ajudou a derrubar os números. Mesmo assim, o Rio continua sendo o estado onde a polícia mais mata no Brasil.”

Perguntei se ele achava que, com a chegada da Olimpíada e da Copa do Mundo, a tortura, o abuso de poder e as execuções iam aumentar por causa das preocupações com a segurança.

“Existe o risco. Quando você olha para questões como os despejos forçados que acontecem atualmente, já podemos sentir um nível incrível de pressão sobre os mais pobres. É uma tentativa clara do estado de gentrificar certas áreas e tirar os pobres do caminho, e claro que a polícia é parte dessa dinâmica.”

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O Complexo da Maré é um grupo de favelas com mais de 300 mil residentes e faz fronteira com a rodovia que leva do Aeroporto Internacional do Rio até o centro da cidade. É a única área que tem a presença de três facções do tráfico, uma delegacia de polícia e uma milícia, e é uma dos pedaços mais perigosos da cidade. Em 2010, o prefeito Eduardo Paes decidiu esconder a favela da vista da vizinhança, construindo um muro que ele chamou de “barreira acústica”. Agora o governo anunciou que, com a ajuda da Marinha, vai instalar um programa de UPP lá em abril. Decidi visitar a vizinhança e falar com as pessoas sobre as mudanças que vêm por aí.

Já estive em todo tipo de situação doida na vida, mas sempre tenho medo de ir para a Maré. Na última vez em que estive lá, fiquei preso no meio de uma multidão em fuga que tentava se proteger de uma metralhadora que estava sendo descarregada na porta do prédio onde eu estava. Apesar dos tiroteios ocasionais, a maioria dos moradores da Maré que conheço ama o lugar e não pensa em se mudar. Peguei o ônibus na Avenida Brasil e caminhei para dentro da favela. Os traficantes geralmente comandam as operações no primeiro quarteirão, para não incomodar os residentes com o barulho das idas e vindas dos viciados em cocaína. Por isso não me surpreendi em ver pessoas contando montes de dinheiro, portando armas e deixando sacos de crack numa mesa. Soube mais tarde que a facção local não vende crack normalmente, mas que decidiu queimar o estoque todo antes da ocupação policial, para fazer algum dinheiro extra antes de ter que reestruturar suas operações. Atravessei essa área e cheguei até a vizinhança cheia de pedestres, lojas, bares e comércio. De lá, fui visitar a Eliana Sousa, que cresceu na Maré e dirige uma associação de moradores local chamada Rede, que já ajudou mais de mil adolescentes da comunidade a passar no vestibular de universidades públicas. Perguntei se ela achava que a Copa do Mundo e a Olimpíada iam mudar a situação da segurança aqui.

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“Esses eventos podem trazer mudanças positivas? Claro”, ela disse. “Mas esses benefícios e oportunidade estão comprometidos, porque não pudemos participar de nenhum tipo de processo potencialmente positivo relacionado aos eventos até agora.”

Perguntei se ela acha que a chegada da UPP vai ser algo bom para a comunidade. “Não é fácil, mas estamos trabalhando para mobilizar as pessoas da vizinhança para que tenhamos um papel no processo todo — algo que não vimos em nenhuma das outras áreas onde as UPPs já se estabeleceram. Temos vários casos em que o estado cometeu violações sérias de direitos dos cidadãos nos momentos em que a segurança pública deveria, em teoria, estar entrando nessas regiões. Na Favela do Alemão houve um caso que agora está sendo coberto pela mídia, em que as forças especiais (o BOPE) posicionaram as operações no telhado do barraco de um casal por oito meses, porque era um local estratégico para observar a vizinhança. Mas eles não tinham autorização legal para ocupar o espaço. Eles realizaram festas e churrascos ali, e as pessoas acabaram tendo que se mudar de sua própria casa. Não vamos aceitar algo assim aqui na Maré. Estamos indo de porta em porta falar com os residentes sobre os direitos deles no momento em que a polícia chegar e instalar a UPP. Não haverá mais nenhum conflito entre os grupos criminosos armados que operam aqui agora, mas, ao mesmo tempo, não podemos permitir que a polícia viole nossos direitos.”

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Perguntei a ela sobre o muro que o prefeito construiu para esconder a comunidade. “Não acho que eles levantaram esse muro porque estavam preocupados com a maneira que a população vive aqui. Isso foi baseado na organização da cidade, para poder receber turistas. Eles deveriam tomar esse tipo de decisão baseados no bem de quem mora aqui, mas nesse caso eles não fizeram isso.”

Sai da Maré para me encontrar com a coordenadora dos programas sociais da UPP numa das favelas pacificadas.

“Tenho alguns problemas para pensar na ideia da pacificação em si devido ao conceito por trás disso”, ela disse. “Porque 'pacificação' implica que há uma guerra. Uma guerra de quem contra quem? Quais são os fatores envolvidos nessa violência? Trabalhei por dez anos na Favela do Jacarezinho e ela não era pacificada na época. Eu fazia o mesmo tipo de trabalho que faço aqui. Então acho que o maior problema tem mais a ver com o estado se negar a entrar num diálogo com a comunidade. E ainda existem problemas sérios de segurança nas favelas, apesar dos chamados programas de pacificação. Os traficantes continuam operando normalmente, eles só não andam mais armados abertamente. Mesmo assim, o fato de não se ver mais armas nas ruas ajuda a construir uma geração futura que não vai mais crescer vendo armas por toda parte, e isso é algo muito positivo. Outro fator é que como as armas não são mais visíveis, não há mais o risco de troca de tiros entre a polícia e os traficantes ou entre os próprios traficantes. Então, a comunidade é menos refém, mas muitas coisas ainda precisam avançar. E acho que um bom começo seria começar um diálogo aberto entre os residentes da comunidade e os comandantes das operações policiais.”

Deixei o escritório dela com sentimentos conflitantes. Obviamente é bom que os tiroteios tenham acabado, mas será que isso não é apenas por causa da Olimpíada e da Copa do Mundo? Se isso realmente vai ser algo permanente, como as pessoas vão poder opinar sobre como o policiamento é conduzido no seu bairro?

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