FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

O Tráfico de Órgãos Ainda Cresce na China

O esquema de execução através da remoção de órgãos de presos chineses vem acontecendo desde 1997. Alguns chamam a prática de genocídio político.

Cinco anos atrás, a VICE UK entrevistou o advogador defensor dos direitos humanos David Matas sobre o lançamento do relatório Kilgour-Matas – escrito por ele e seu colega, o parlamentar canadense David Kilgour – sobre tráfico de órgãos na China.

A principal observação do relatório era que o tempo de espera por um transplante de órgão lá era divulgado publicamente como por volta de três semanas, enquanto a espera média no Reino Unido é de três anos. O que é preocupante quando se tem em mente que até pouco tempo atrás, a China não tinha um sistema de doação nacional organizado de onde esses órgãos poderiam estar vindo.

Publicidade

Coleta involuntária de órgãos é ilegal na China, mas desde 1984 é permitido retirar órgãos de criminosos executados com a permissão dele ou da família. Mas o relatório de Kilgour e Matas alegava que órgãos estavam sendo coletados sob demanda, com o estado chinês sancionando a remoção cirúrgica de órgão de presos ainda vivos.

O relatório também alegava que a China visava especialmente grupos religiosos nessa prática, particularmente seguidores do Falun Gong. Adeptos da disciplina espiritual vêm sendo perseguidos e presos desde uma campanha do governo de 1999, coordenada pelo Partido Comunista chinês. Estranhamente, o começo dessa perseguição coincidiu com um aumento repentino e oportuno nos órgãos disponíveis para compradores internacionais.

Agora em 2014, o jornalista investigativo Ethan Gutmann publicou uma pesquisa afirmando que a China continua coletando órgãos de prisioneiros sem consentimento, e que isso acontece com os presos ainda vivos. The Slaughter:Mass Killings, Organ Harvesting and China's Secret Solution to Its Dissident Problem (O Massacre: Execuções em Massa, Tráfico de Órgãos e A Solução Secreta da China para o Problema da Dissidência), lançado em agosto, é um estudo sobre o esquema de execução através da remoção de órgãos na China. Usando novas evidências de mais de 100 testemunhas, incluindo médicos e policiais chineses, o livro estima que mais de 65 mil prisioneiros foram mortos apenas entre 2002 e 2008.

Publicidade

"Esse é provavelmente o trabalho de pesquisa mais abrangente feito até agora, enquadrando a coleta forçada de órgãos dentro de uma história de perseguição a prisioneiros de consciência e mostrando conclusivamente que isso vem acontecendo desde 1997, quando os órgãos eram transplantados em oficiais do alto escalão", Gutmann me disse.

Um ex-cirurgião chinês, Dr. Enver Tohti, revela em The Slaughter que, em 1995, foi obrigado a remover o fígado e os rins de um paciente que estava vivo durante os procedimentos. Tohti lembra que o paciente tinha sido baleado de forma não letal num campo de execução em Xinjiang, e logo depois ele recebeu a ordem para fazer a cirurgia (que depois provocou a morte do paciente). Isso coincide com especulações de que a China vem usando extração cirúrgica como método de execução (como os órgãos começam a se deteriorar logo depois da morte, um transplante tem mais chance de sucesso se os órgãos forem removidos do corpo com o paciente ainda vivo).

A ex-prisioneira Zhang Fengying contou que era examinada regularmente junto com outras 500 mulheres de um campo de trabalhos forçados em Pequim no ano passado. "Ninguém sabia para que eram aqueles testes de sangue", ela disse. Como os médicos só examinavam as partes do corpo dela associadas a órgãos que podiam ser vendidos – fígado, rins, coração, pulmões, pele, córnea e cabelo – hoje ela suspeita que as prisioneiras estavam sendo examinadas com base na sua compatibilidade para transplantes forçados.

Publicidade

"Mesmo sendo improvável que uma pessoa possa fornecer mais de um ou dois órgãos para doação, não há nada a se ganhar permitindo que uma vítima de coleta forçada sobreviva ou escape", me disse Gutmann, explicando que essas operações tendem a ser fatais.

"Dinheiro é apenas um componente desse processo, mas não o ponto principal; muitos seguidores da Falun Gong ainda se recusam a negar suas crenças religiosas, então, aos olhos do Partido Comunista, eles acharam um jeito de tornar o intolerável lucrativo", ele acrescentou. "Isso não é exploração; é genocídio político. Essas pessoas são prisioneiros de consciência sendo mortos pelo valor de seus órgãos."

No entanto, as coisas estão melhorando ligeiramente – a conscientização internacional sobre o assunto cresceu desde o relatório de 2009. Quando falei com David Matas recentemente, ele disse: "O reconhecimento da existência de tráfico de órgãos na China é muito maior hoje entre profissionais médicos e nas políticas dos governos".

A conferência da Tribuna Médica Chinesa foi boicotada este ano por organizações internacionais devido às promessas quebradas da China sobre o assunto. A Organização Mundial de Saúde também estabeleceu parâmetros para rastrear órgãos de transplante desde que essas alegações foram publicadas pela primeira vez, apesar desses padrões ainda não serem seguidos na China.

A União Europeia aprovou uma Resolução Parlamentar ano passado que pede mais investigações sobre essas acusações, aconselhando os estados membros há emitir alertas aos cidadãos que viajam para a China para transplante de órgãos. As Nações Unidas, juntamente com vários outros países, incluindo os EUA, já pediram que a China se explique sobre essas alegações, apesar de terem recebido pouca ou nenhuma resposta.

Publicidade

Gutmann explicou que mesmo que essas resoluções chamem uma atenção muito necessária para a questão, a criminalização em Israel de viagens para China para transplantes de órgãos tem sido uma decisão muito mais efetiva na prevenção direta. "Israel é um estado que depende de grandes investimentos da China em tecnologia e software, mas proibiu seus cidadãos de viajar para lá para fazer procedimentos de transplante de órgãos, mesmo que o país tenha uma enorme influência com os inimigos de Israel e suas economias", explicou Gutmann. "Enquanto os EUA lutam para equilibrar seu desejo de ser uma potência moral com o fato da China ser uma superpotência, Israel é um exemplo de como seguir seus próprios valores ao lidar com a China."

Mudanças também vêm acontecendo dentro da China, e o país vem dando prioridade a operações contra o turismo de transplante de órgãos em resposta à publicação de pesquisas do tipo. O vice-ministro chinês da Saúde disse em agosto do ano passado que a aquisição de órgãos de prisioneiros sentenciados à morte seria suprimida até o meio de 2014, graças à introdução do serviço nacional de doação de órgãos. No entanto, isso não aconteceu e a prática continua a se espalhar.

"Quer a iniciativa de coleta forçada de órgãos tenha sido uma iniciativa direta do estado ou não, é impossível que o Partido Comunista chinês não soubesse disso, e é ele o responsável definitivo pela continuidade dessa prática", disse Matthew Robertson, um jornalista norte-americano especializado na China. "Mas reconhecer esses crimes seria deslegitimar a autoridade do estado e, essencialmente, que o partido está sempre certo."

Publicidade

Em 2005, o ministro adjunto de Saúde chinês admitiu que mais de 95% dos órgãos transplantados vinham de detentos do corredor da morte, mas o estado chinês sempre negou fervorosamente que prisioneiros de consciência vivos fossem usados em procedimentos de transplante.

Mas o que pode ser feito então? Ethan Gutmann, David Matas e David Kilgour se encontraram com parlamentares da Inglaterra, Escócia e País de Gales semana passada para pressionar por mudanças na legislação do Reino Unido, que atualmente não tem leis que proíbam viajar para a China para fazer transplante de órgãos.

Além disso, a Doctors Against Forced Organ Harvesting (DAFOH) lançou uma petição na ONU ano passado e recebeu mais de 1,5 milhões de assinaturas do mundo todo, exigindo uma ação contra o tráfico de órgãos na China. Dr. Torsten Trey, diretor-executivo da DAFOH, me disse que estima que mais de 130 mil chineses foram mortos por seus órgãos nos últimos 15 anos. "Isso excede em muito o massacre de estudantes de 1989, e ainda assim a reação internacional é quase nula", ele disse. "Assassinatos para coleta de órgãos não devem ser tratados com menos severidade do que as execuções públicas nos protestos da Praça da Paz Celestial.

"Esse tráfico de órgãos sancionado pelo estado na China leva a própria missão da medicina ao absurdo: você não pode matar pessoas para fornecer cura a outras."

Gutmann também acredita que mais precisa ser feito, dizendo que a pequena escala da resposta é devido a uma desconexão global com a China. "A pior coisa é que as pessoas nesses campos de trabalhos forçados acham que o mundo não se importa e que eles nunca serão ouvidos. O Ocidente precisa parar de agir como se os chineses fossem uma raça alienígena; eles são nossos colegas humanos em um país poderoso."

Compre The Slaughter: Mass Killing, Organ Harvesting e China's Secret Solution to its Dissident Problemde Ethan Gutmann aqui.

Tradução: Marina Schnoor