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O Vendedor de Lingerie Egípcio que Virou Contrabandista de Armas

O crescente mercado de armas particulares do Egito.

O desemprego, combinado à inflação galopante, deixou muitos egípcios desesperados e sem trabalho. Violência e instabilidade política bloquearam a indústria turística, um dos aspectos mais importantes da economia egípcia. Durante a era Mubarak, antes da Primavera Egípcia de 2011, a polícia era mais ou menos onipresente: estacionada na maioria das esquinas e extremamente diligente em extinguir qualquer sinal de dissidência pública, crime ou infração. No entanto, agora, muitos veem a polícia como inepta, indisciplinada, corrupta ou simplesmente ausente. O desaparecimento dela nas ruas deixou um vácuo de poder preenchido atualmente por uma onda de crimes.

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Nesse clima carregado, famílias e comerciantes resolveram se armar. A fronteira porosa com a Líbia, juntamente com os saques generalizados de delegacias durante a revolução, inundaram o país com um novo estoque de armas. Conversei com Sayed — um vendedor de lingeries que se tornou contrabandista de armas em Porto Said – para saber um pouco mais sobre o crescente mercado de armas particulares do Egito.

VICE: Como você entrou no negócio?
Sayed: Comecei logo depois da revolução. Com a situação econômica ruim, alguns comerciantes de Porto Said começaram a ser assaltados por bandidos. Eles paravam os caminhões que carregavam os contêineres e levavam o carregamento. Então, pensamos nisso. Eu tinha muito dinheiro investido nesses carregamentos e poderia perder tudo em um segundo. Assim, decidimos nos armar. Fui para Alarixe [a maior cidade da península do Sinai], comprei 600 mil libras egípcias [quase 194 mil reais] em armas, voltei para Porto Said e arrumei três criminosos conhecidos para vender minhas armas. Passo a passo, nos tornamos contrabandistas de armas.

Quantas armas você conseguiu com esse dinheiro e de que tipo?
A arma mais barata que você pode comprar é uma marota [tipo de espingarda caseira não rastreável]. Foram cerca de 600. Pistolas custavam cerca de 6.500, mas agora valem até 15 mil. É um investimento. Você compra, guarda e depois revende por um preço maior. Quanto mais falha a segurança, mais pessoas precisam de armas. A maior arma que você consegue é uma Girinof [uma FN MAG de origem belga]. Essa custa cerca de 30 ou 60 mil. A última arma automática que vi, nova em folha, era de Israel. São três as principais armas no mercado: as automáticas de Israel, as afegãs – que eles chamam aqui de “bin Laden” — e as armas de Porto Said.

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E elas são fabricadas em Porto Said?
Não, não sabemos exatamente de onde essas vêm então as chamamos de Porto Said.

Como as armas entram no país?
Por fontes e subfontes. A maioria vêm da Líbia, Gaza, ou das delegacias saqueadas durante a revolução. No país, Alarixe é uma fonte, Porto Said é uma fonte…

E como elas se espalham?
Há sempre guias beduínos acompanhando todos os negócios do Sinai. Os vendedores fornecem um guia para levar os compradores de Alarixe a Porto Said através do deserto e das montanhas, longe de postos de checagem e da polícia. Eles vêm navegando pelas montanhas de um jeito que desaparecem completamente.

Por onde essas armas estão vindo?
Logo após a revolução, a maioria das armas de Porto Said vinham através dos túneis da Palestina. Contrabandistas de Alarixe conseguem suas armas de Gaza. O último grande negócio em Porto Said, que criou todo o mercado, veio da Líbia. Isso foi logo depois do 26 de janeiro.

Quem são os clientes?
Vendo, na maioria das vezes, para pessoas ricas: comerciantes que precisam proteger suas lojas. Quem compra uma marota é, provavelmente, bandido. Para conseguir uma arma de verdade para se proteger, você vai precisar de dinheiro; em geral, você tem algo que precisa proteger. E o que você precisa proteger é mais valioso do que a arma. Mas a marota é para alguém que precisa se mostrar, alguém que precisa roubar alguma coisa. Geralmente, pessoas em áreas pobres ou favelas. Em toda rua tem uma casa que tem uma arma. Boa parte das vezes lido com criminosos. Ter gente má do seu lado é inteligente. Isso significa que se acontecer algo sério, se eles atacarem o mercado, você tem garantia de receber reforço. Mesmo se você não for uma pessoa má, você tem que ter esses caras do seu lado. Já as pessoas boas, meu trabalho me coloca perto delas nos mercados. Lido com elas no mesmo nível.

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E a polícia?
Os detetives estão aparecendo mais nas ruas agora. Então mantenho a discrição, para esconder minhas atividades.

A polícia tem alguma ideia de que isso está acontecendo?
Eles devem saber. Claro que sabem.

E eles fazem algo a respeito?
Não.

Por quê?
Boa pergunta. O ex-ministro do Interior, Ahmed Gamal El-Din, tinha planos para combater o crime por toda parte. Ele tinha uma visão de varrer todos os bandidos do lago Manzela [um antro notório de criminosos em Porto Said]. Antes, o lugar era ocupado por criminosos de Alarixe, e até contrabandistas do Hamas de Gaza vinham para o lago Manzela para fazer negócio. Abdin se livrou deles por pelo menos 15 anos, e os pescadores podiam ir até o lago para pescar. Mas Morsi veio e mudou tudo, ele substituiu Gamal El-Din por Mohamed Ibrahim, que nunca faz nada, só deixou as coisas desandarem. Ele está no cargo há sete meses e o lago Manzela já está dominado por criminosos novamente. Não há mais nenhum pescador. A Irmandade Muçulmana quer instabilidade por todo o Egito. Eles não querem um país estável.

Por que não?
Se o Egito estiver estável, as pessoas vão pressioná-los para governar diretamente. O povo não vai estar ocupado com seus próprios problemas.

Siga o Max no Twitter: @SaxMiegelbaum

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