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Ontem a Zona Sul Protestou Contra a Violência no Alemão

O ato que aconteceu na quarta (08) marca uma semana da morte do menino Eduardo, assassinado pela PM na frente de sua mãe em uma operação no Complexo.
Todas as fotos são do Matias Maxx.

No dia primeiro de abril, o mundo testemunhou mais um capítulo vergonhoso da história do Rio de Janeiro: no Complexo do Alemão, um menino de dez anos foi morto por policiais com um tiro de fuzil na frente de sua mãe. Ainda que esse tenha sido o caso mais emblemático, na mesma madrugada pelo menos outras quatro pessoas foram assassinadas e muitas outras feridas no mesmo complexo. Dois PMs envolvidos na morte do menino Eduardo foram afastados com licença médica. Um deles diz que efetuou um disparo durante uma queda, enquanto outro admite ter dado três tiros.

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A divisão de homicídios da Polícia Civil se reuniu com 13 líderes comunitários e ouviu 16 pessoas, dentre elas 11 PMs; além disso, uma reconstituição do crime deve ser realizada em breve. No início da semana, o governador Pezão afirmou que o Complexo do Alemão será reocupado pela PM; com isso, ele já enviou o BOPE e a Tropa de Choque para reforçar o patrulhamento. Pezão também anunciou investimentos nas UPPs da ordem de R$ 70 milhões e afirmou que não vai esperar o aval da licença ambiental ou de demais burocracias. "Se ficarmos esperando título de propriedade, registro de imóveis, licenças, vamos aguardar pelo resto da vida, e o policial continuará trabalhando em condições precárias. Por isso, tomei essa decisão de construir as bases definitivas em caráter emergencial. Se precisar responder a processo, responderei", disse o governador em coletiva de imprensa.

Após uma marcha no sábado no próprio Alemão e um ato na praia de Copacabana no domingo, foi convocado mais um evento para a quarta-feira, dia 8, quando a morte do menino completa uma semana. A concentração desse ato foi marcada para o Largo do Machado, às 17h, com saída às 18h30 rumo ao Palácio Guanabara.

Um dos primeiros grupos a chegar foi o MEPR, que foi fundado pelo Igor Mendes, um dos 23 ativistas perseguidos desde a final da Copa do Mundo. Assim como Sininho e Moa, Igor teve prisão decretada em dezembro por desrespeitar uma medida cautelar que o impedia de participar de protestos durante o processo; desde então, ele permanece encarcerado, enquanto as duas outras ativistas encontram-se foragidas.

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Logo foram chegando mais ativistas, advogados e mídia independente. Senti falta de mais presença dos movimentos sociais – talvez seja por conta do horário e local, talvez porque alguns setores ainda relutem em participar de um protesto contra o governo, mesmo que envolva um brutal assassinato de uma criança de dez anos. Em 2013, a onda de protestos iniciada pela reivindicação do Movimento Passe Livre conseguiu obter uma presença maciça de movimentos sociais, populares, estudantes, anarquistas, militantes partidários e até coxinhas. Infelizmente, uma intensa campanha de demonização midiática, a escalada armamentista da tropa de choque e a polarização pós-eleições conseguiram esvaziar legal as ruas.

Já tinha um grupo de PMs comuns estacionado nos cantos da praça desde o inicio do ato. Quando se aproximou a hora marcada para a saída do protesto, a Tropa de Choque chegou.

O doidão da camisa do Brasil tava lá, claro, lutando pela liberdade dos cultivadores à moda da Copa do Mundo fora de época. O cara tá em todas.

Por volta das 19h, umas quinhentas pessoas ganharam a rua das Laranjeiras. Marchavam rumo ao Palácio do Governo atrás de uma faixa, que dizia "Contra o Genocídio da Juventude das Favelas".

A galera da Marcha da Maconha estava lá, porque a proibição das drogas é só mais uma desculpa para exterminar a juventude pobre.

Não à toa a MC Negra Rê estava lá com uma camiseta escrita "A Guerra às drogas mata pobre todo dia".

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Uma das palavras de ordem repetidas dizia "É o fim do mundo: matar criança e chamar de vagabundo".

E também a já clássica musiquinha: "Que vergonha, que vergonha deve ser, matar trabalhador só pra ter o que comer!".

Desde sua implementação, em 2008, críticos da UPP a consideram um "modelo falido". De fato, em 2013 o modelo faliu mesmo após a empresa OGX, de Eike "Picareta" Batista, cancelar o convênio que tinha com a Secretaria de Segurança do Rio. A empresa injetava, desde 2010, vinte milhões de reais no projeto para compra de coletes, armas, munições e viaturas, além de materiais de escritório e infraestrutura. Guardou o nome do picareta? Pois voltaremos a falar dele logo mais.

Enquanto o Sérgio Cabral morava no Leblon e ia de helicóptero até o Palácio Guanabara (um rolé que pode demorar de 20 a 50 minutos de carro dependendo do trânsito), o Pezão mora a uns 200 metros do palácio, mas eu duvido que ele vá a pé. Então, como seu prédio fica no caminho, a galera fez um pit-stop lá pra ficar o xingando.

Havia só umas duas viaturas em frente ao palácio, o que é de praxe desde que o CV metralhou sua fachada em 2002. Fora isso, nenhuma proteção extra por conta da manifestação; por isso, os PMs que escoltavam o ato se adiantaram e fizeram um atrapalhado cordão de isolamento, o que deixou um monte de gente puta. Nessa hora, quase deu merda.

Minha mente paranoica já esperava o pior: se eles já sabiam do ato, por que não cercaram aquela porra toda com gradil e PMs desde cedo? Será que eles querem confusão? Será que eles vão começar a revistar geral? Normalmente, as reações às revistas nunca são boas: os manifestantes ficam putos e se amontoam em cima dos PMs pra tentar filmar, os PMs começam a empurrar os manifestantes e, quando você vê, o gás de pimenta já jorrou. Mas desta vez, não – desta vez, foi tranquilo. Ainda que eu e outros colegas tenhamos reconhecido vários dos soldados fazedores de merda, aqueles que já foram flagrados quebrando equipamento da imprensa, não deu nada. Nada. Eles pareciam umas damas de honra. Não tem como não acreditar que a ordem para "ficar pianinho, porque a moral tá baixa" não venha lá de cima.

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Tinha Red Block! Tinha sim!!!

Tinham uns caras da Força Nacional portando fuzil também.

Finalmente, o pessoal encheu o saco de ficar parado lá em frente à barreira policial e resolveu ir atrapalhar o trânsito do bairro em outras ruas. Daí começou aquela caminhada em zigue-zague pelo Flamengo, atrapalhando o tráfego da cidade inteira.

Aí alguém teve a ideia – que, de início, eu, paranoico como sempre, achei uma ideia de girico – de marcharmos até a ocupação do "prédio do Flamengo". O Edificio Hilton Santos é conhecido assim, pois já foi sede do clube rubro-negro até sua transferência para a Gávea; depois disso, ele se tornou um edifício residencial. Em 2013, o edifício foi desocupado e arrendado por uma empresa do grupo de Eike Batista (lembra dele?), que prometeu investir R$ 120 milhões e transformá-lo em um hotelde luxo. No entanto, não foi bem iso o que aconteceu, e o edifício ficou abandonado até ser ocupado nesta segunda-feira por famílias que foram expulsas de um terreno da Cedae na Via Binário, Zona Portuária do Rio.

As famílias que ocuparam o terreno da Cedae, por sua vez, já haviam sido expulsas de outras ocupações, como a "Favela da Telerj". Após quinze dias no terreno da Cedae no Santo Cristo, as famílias foram desalojadas no dia 26 de março. As pessoas que estavam presentes foram conduzidas à prefeitura para serem cadastradas nos programas "Bolsa Família" e "Minha Casa, Minha Vida". No entanto, nem todo mundo foi atendido.

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Os manifestantes foram recebidos com muita festa pelos ocupantes, que cantavam "Hoje vai rolar o balacobaco, a prefeitura derrubou o meu barraco". O prédio já estava cercado pela PM, e os policiais da Tropa de Choque que escoltavam o ato reforçaram o cordão de isolamento.

Através de uma grade, ocupantes contavam à imprensa que, após a invasão, a polícia cercou o prédio e que, quem sai para trabalhar ou comprar comida, dificilmente consegue voltar. "Tem gente aqui inscrita no 'Minha Casa, Minha Vida' há mais de dez anos", reclamou um senhor com uma criança de colo. "Eles vivem jogando gás de pimenta aqui pra dentro. A gente não é salada não", contava uma mulher, também com bebê de colo.

Após uns quinze minutos por lá, a marcha seguiu pela Avenida Rui Barbosa e voltou pela Senador Vergueiro até o Largo do Machado. Os manifestantes foram se dissipando pelo caminho, e quem sobrou foi sendo empurrado para a calçada. No final, sobraram só policiais na pista – parecia até uma passeata reivindicando a PEC 300.

Não teve muita gente na quantidade que a questão do assassinato do menino Eduardo merecia, mas, pelo menos, não houve brutalidade policial, o que mostra que a moral da tropa foi seriamente afetada. Esperemos que esse modo não repressivo se estenda também às favelas e às periferias, onde, lamentavelmente, as balas nunca são de borracha.