Os Abutre’s são maus?

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Os Abutre’s são maus?

Fui até a Chácara Abutre’s descobrir se a má fama do maior motoclube do Brasil confere.

Quando eu dizia que estava afim de ir em um encontro dos Abutre's, o que ouvia de volta nem sempre era encorajador. Com cerca de cinco mil integrantes e facções (assim eles chamam suas sub-sedes) espalhadas pela Europa, pelo continente americano e em todos os estados do país, o Abutre's M.C se declara o maior motoclube do Brasil e o terceiro maior do mundo. Sua reputação, porém, não é das melhores.

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Um conhecido meu disse que já havia tocado em uma festa que os caras colaram e por pouco não rolou pancadaria. Um amigo aficionado por motos me recomendou não chamar nenhum deles de motoqueiro, e sim de motociclista, senão eu poderia ficar sem reportagem nenhuma. E houve também quem dissesse que eu só iria encontrar um monte de tiozões barbudos, barrigudos e marrentos que andam de moto e curtem Raul Seixas.

Foto: Guilherme Santana/VICE

Entre a roubada e o clichê, o que ficava era aquela dúvida de quando você está muito a fim de ir em um rolê no qual você não foi convidado e provavelmente será pouco bem-vindo. O problema é que eu queria porque queria tirar minhas próprias conclusões. A má fama desses caras confere? Em busca de respostas, acabei descobrindo que ia rolar uma festa na Chácara Abutre's, que fica em Ferraz de Vasconcelos, no interior de São Paulo. Então, arrumei minha mochila e fui pra lá de penetra tentar conhecer essa galera.

"Em um encontro dos Abutre's, além dos irmãos, não pode faltar rock'n roll, cerveja e muita carne", disse o Diego Treze logo que cheguei na chácara de 11 mil metros quadrados que funciona como a sede mundial do motoclube. Assim como os outros com quem conversei naquele dia, ele se apresentou pelo seu nome de motociclista. "Tem gente que acha que o número 13 traz azar e coisas ruins, mas aqui funciona como o nosso número da sorte. Como eu sempre fui um cara 13, fiquei com o apelido", explicou.

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Diego Treze. Foto: Guilherme Santana/VICE

A Chácara Abutre's, cercada por uma paisagem rural, já estava tomada por milhares de motos estacionadas e cerca de cinco mil homens andando pra lá e pra cá. O Diego, que é corretor imobiliário em Campinas e administrador regional da Liga Nacional de Bikers (criada pelos Abutre's para dar suporte e incentivo aos motoclubes menores) foi quem tirou um tempinho da organização do evento para me receber. Eu mal tinha entrado no lugar, e já comecei com o pé esquerdo, soltando sem querer um "clube de motoqueiros" pra ele. O Diego olhou pros lados, tocou com a palma da mão no meu braço, e deu uma leve risada: "Evita chamar o pessoal aqui de motoqueiro. Motoqueiro é quem entrega a pizza, e o motociclista é quem come a pizza. O motoqueiro é quem usa a moto pra trabalhar, e o motociclista é quem faz da moto um estilo de vida". Depois de quebrar o gelo, ele contou as condições básicas para aqueles que desejam entrar nos Abutre's e viver sob duas rodas. Antes de tudo, só é aceito quem for convidado, e é preciso ter no mínimo 25 anos de idade, habilitação em dia e uma moto preta, "pois é essa a cor de um abutre". O clube é estritamente só para homens. Mulheres, só na garupa da moto. Com uma hierarquia rígida, eles querem que cada novo integrante pense bem antes de se envolver seriamente com os Abutre's. "Um dos nossos escudos mais importantes é o A.S.S.A, que significa 'Abutre's Sempre, Sempre Abutre's'. Se um de nós quiser ter alguma tatuagem sobre nossos emblemas, isso vai ser feito após alguns anos no grupo e só com a autorização dos diretores. É importante o motociclista sempre avaliar os Abutre's antes de se juntar a nós, até porque depois de certa etapa ele terá vários compromissos com a gente", disse o Diego. Se para entrar no Abutre's há uma série de regras, a saída do motoclube é mais simples, porém mais dolorosa dependendo do caso. O Diego resumiu o que acontece com os desertores: "Se o cara sair, tem que tirar os nossos escudos do colete, os emblemas da moto e nunca mais pode participar de outro motoclube. Se tiver tatuagem dos Abutres, também tem que tirar". Fiquei curioso sobre o que acontecia se alguém não quisesse tirar. Ele desconversou.

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Contundidos. Foto: Guilherme Santana/VICE

Continuando o papo, reparei que havia ali uma boa quantidade de caras contundidos e outros que carregavam alguma deficiência física ou grandes cicatrizes no rosto. Vendo aquilo, lembrei que é comum aparecer no Facebook dos Abutre's comunicados sobre mortes e acidentes dos integrantes, e então perguntei ao Diego se ele podia falar a respeito. "Por ser um clube muito grande, a gente acaba sempre perdendo alguns irmãos na estrada. Este ano, três conhecidos meus morreram. Mas evitamos ao máximo que algo aconteça. Estamos sempre policiando e não permitimos que o cara encha a cara e vá pra estrada."

Quando olhei ao redor, estávamos cercados por motos e motociclistas bebendo sem economia. De vez em quando eu acabava chutando involuntariamente latinhas de cerveja pelo caminho. Mas apesar dos gorós terem rolado solto, não vi ninguém realmente bêbado enquanto estive na Chácara Abutre's - só alguns meio molengas e outros com certa euforia.
Como o Diego já havia cedido bastante do seu tempo, antes de me despedir perguntei como havia sido o ano dele nas estradas. "Ah cara, graças a Deus este ano foi bom pra mim: sem acidentes. Deu pra viajar bastante. Fui pra Foz do Iguaçu, Brasília, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Recife. A estrada é a nossa paixão, mesmo".

Tio Louco. Foto: Guilherme Santana/VICE

"Se esse aí desistir da vida de Abutre, vai doer pra caralho", foi a primeira coisa que pensei quando olhei pro rosto e, obviamente, pra tatuagem na testa desse cara. Mas, assim que começamos a conversar, saquei que talvez ele fosse a personificação do espírito A.S.S.A. "Meu nome é Tio Louco. Meu sobrinho vivia falando pro pai dele 'Pai, vamo na casa do tio louco! Vamo na casa do tio louco!'. Aí o nome pegou. Se eu pudesse, até colocava no meu R.G: Tio Louco", ele disse, bem acelerado e entusiasmado.

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Tio Louco é pedreiro e mora em Mogi das Cruzes, tem 11 anos de motociclismo e seis de Abutre's. E antes que você pense que ele é nazi, a tatuagem é uma homenagem aos seus primeiros anos no clube. Na hierarquia deles, o Raça é o iniciante, que precisa "dar a raça" nas estradas e nos encontros para ganhar na moto e no colete os primeiros escudos e símbolos do grupo. Quis saber os motivos que o fizeram tornar-se um Abutre, e a resposta veio de imediato: "Pô, mano, não tem essa de o porquê que eu virei um Abutre. Eu já nasci Abutre né, meu. Essa é a minha família, é tudo, é a minha vida". Quando pedi para fotografá-lo, o Tio Louco montou em sua moto e fez carinho nela. "Eu chamo ela de Harlie, porque tem uns caras que tem Harley Davidson, e eu não. Mas qualquer um pode comprar uma moto, já o espírito biker não", explicou. "As modificações dela sou tudo eu que faço. Mando a solda, pego umas peças de reciclagem. É no estilo 'faça você mesmo'. A turma fala pra eu pegar outra, mas ela é a minha criança e vai comigo pra qualquer lugar que eu vou". Ele me contou que recentemente foi com a Harlie até Brasília, e que fazia pouco tempo que dois amigos dele morreram em um acidente no mesmo percurso. Perguntei pro Tio Louco se ele curtia correr. "Ih, eu nem ligo pra isso. Meu velocímetro quebrou, eu até arranquei ele da moto. Eu não ando com relógio, GPS e nem com velocímetro. Não gosto de saber que horas são e nem onde que eu tô. Mas acho que ando na velocidade normal, vou a pelo menos 100km/h em qualquer lugar, na estrada ou na rua. E vou sossegado, curtindo a estrada, porque na vida você tem que curtir a estrada, sentir o clima. Tem que andar na moral".

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Serginho Manucci e a caranga que ele mesmo construiu. Foto: Guilherme Santana/VICE

Por trás da aparência de mau-encarado, o Serginho Manucci esconde gestos tímidos e a voz mansa. Trabalhador da construção civil em Ourinhos, interior de São Paulo, ele é Raça e faz pouco tempo que entrou pro clube. O que ele mais curte é o calor humano do grupo. "Eu decidi entrar nos Abutre's porque é um calor muito aconchegante vindo de todos aqui", disse. A vida de iniciante pode não ser fácil, e mesmo assim o Serginho não reclama. "O Raça é um suporte pros Abutre's. Você está aí pra ajudar os irmãos que já são do clube. Como aqui não tem mulher, só homem, a gente faz a comida, limpamos os banheiros e damos um trato no salão. O Raça corre pra lá e pra cá. Tem que ser prestativo. Vale a pena". Além de ter ajudado na limpeza, naquele manhã o Serginho também havia participado de uma das inúmeras ações beneficentes que os Abutre's costumam fazer ao redor do Brasil (algumas delas estão registradas aqui). Na ocasião, o motoclube mobilizou seu contingente de motos, carros e caminhão para a doação de aproximadamente 15 mil brinquedos e cinco mil panetones para uma comunidade carente localizada perto da Chácara Abutre's.

Churras pesadão. Foto: Guilherme Santana/VICE

Depois de conversar com uma galera e dar uma caminhada pelo lugar, a fome bateu e farejei que estava rolando um churrasco. Peças enormes e pesadas de porco eram servidos uma atrás da outra para um batalhão de homens grandes como um armário. Já que sou tão carnívoro quanto os motociclistas e a tal ave de hábitos necrófagos, não hesitei na hora de garantir meu pedaço de porco com arroz e farofa. A comida estava boa e aliviou o álcool que pesava sozinho no meu estômago. Após dois cigarrinho pra fazer a digestão, me senti renovado e fui tentar conhecer mais gente.

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Cururu. Foto: Guilherme Santana/VICE

Caminhando perto do local onde estavam guardadas as motos, encontrei este senhor descansando com sua cerveja enquanto vendia sedas, shots de cachaça e garrafas portáteis de uísque. Ele aceitou ser entrevistado, mas a conversa acabou não indo muito longe. Sei apenas que seu nome de Abutre é Cururu e que ele está há dez anos no motoclube. Quando perguntei por quais estados ele passou recentemente de moto, o Cururu respondeu que "todos". Achei que talvez ele não tivesse entendido o que eu disse, então tentei saber quais estradas ele rodou nos últimos meses, ele disse que "todas". "Quem sou eu pra duvidar…", pensei comigo mesmo, e então trocamos mais algumas palavras e deixei o Cururu voltar a curtir sua bebida sozinho.

Bocão. Foto: Guilherme Santana/VICE

O próximo que eu abordei rendeu mais. O Bocão veio de longe, de Belém do Pará até a chácara no interior de São Paulo. Ele diz que já fez algumas vezes essa viagem de moto que, no ritmo dele, dura quatro dias. "Em viagens longas, todo Abutre tem a sua meta diária de quilometragem. A minha é de mil quilômetros rodados por dia. Nos últimos meses fui do Pará pra São Lourenço, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Goiânia".

Ser um motociclista era um sonho de infância do Bocão. "Desde moleque eu via essas coisas na televisão e ficava fascinado. Eu já tinha certeza que um dia seria um motociclista sério antes de saber que existiam os motoclubes, sempre gostei dessa vida. Então um dia eu descobri os Abutre's e, pronto, encontrei os irmãos que me faltavam". Conciliando a profissão de publicitário com as atividades do clube, Bocão conta que ele e seus irmãos do Pará andaram recentemente expandindo a fronteira dos Abutre's no norte do país. "Esse ano foi muito glorioso nas estradas do Pará. Conseguimos até fundar uma facção em Marabá, que fica no ponto de encontro dos rios Tocantins e Itacaiunas. Tivemos várias conquistas levando nossa bandeira para outros municípios e mostrando toda a força dos Abutre's do norte".

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Luciana Careca. Foto: Guilherme Santana/VIC

Dando minhas voltas pela chácara, vi que haviam pouquíssimas mulheres no rolê. Algumas delas usavam camisetas bizarras com as inscrições "Cuidado! Propriedade de um Abutre". Eu até já tinha desistido de falar com a mulherada quando vi uma barraquinha em um canto, onde estava um grupo de moças usando coletes de couro e vendendo tapioca e artesanato. Fui até lá, pedi uma tapioca doce e comecei a puxar conversa enquanto a comida era feita. Reparei que, diferente das outras, aquelas vestiam o colete de um motoclube diferente, as Perpétuas. Perguntei para uma delas se rolava uma entrevista, e ela disse que era melhor conversar antes com a líder. Foi assim que conheci a simpática Luciana Careca, que fundou as Perpétuas em 2013 com a proposta de ser um motoclube só para mulheres. Ela é designer e tem 38 anos de idade, dos quais duas décadas foram dedicadas ao motociclismo. É casada com um Abutre, tem uma filha de seis anos e afamília vai junto nos diversos encontros de motos ao redor do país. "Eu levo a minha filha para os eventos e todo mundo cuida, todo mundo ajuda. Quem olha de fora imagina que aqui é tudo difícil, que não é seguro para uma criança, mas quem conhece sente o carinho". Luciana conta que aceita o fato dos Abutre's não permitirem mulheres no motoclube (elas podem ir nos encontros, mas jamais poderão opinar sobre a organização ou pilotar a moto de um Abutre). "Eu acho isso perfeito. Não pode mexer no que está funcionando, e é a mesma coisa com as Perpétuas. Se tivesse uma reunião com quatro mulheres e um homem, a opinião do homem seria diferente. Opinião é legal, mas se chega um homem querendo mandar, fica difícil, ainda mais pra mim, que não aceito ser submissa a homem nenhum." Como algumas Perpétuas são esposas ou namoradas de Abutre's, um grupo acompanha o outro nas festas e encontros, mas Luciana confessa que mesmo assim ainda rola certo preconceito em relação aos motoclubes femininos. "Às vezes não aceitam muito essa ideia de um motoclube só de mulheres. A gente carrega um peso, mas agora estamos sendo mais respeitadas. E o nome é Perpétuas porque a gente veio pra ficar". Nenhuma Perpétua morreu nas estradas ainda, mas a líder diz que já perdeu diversos amigos dos Abutre's dessa maneira. "Foram muitos, muitos, muitos. Só no último ano morreram nove que eu conhecia. A gente está junto hoje e amanhã não sabe quem vai voltar pra casa, então eu me despeço das pessoas com muito carinho porque não sei se vamos nos encontrar na próxima vez. Isso dá medo, pode ser um mundo perigoso, mas também pode cair o teto da sua casa a qualquer momento na sua cabeça, então morra fazendo o que você gosta. Às vezes penso 'Não quero mais', mas 99% de mim quer continuar. Eu pretendo andar de moto até quando estiver velinha. Se você ficar velho ou quebrar o braço, dá pra continuar mesmo assim, é só adaptar pro triciclo. Isso aqui é como uma religião pra mim. É algo que me mantém viva".

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Aninha Perpétua. Foto: Guilherme Santana/VIC

A Aninha Perpétua tem 25 anos de motociclismo e é uma das mais respeitas no grupo das meninas. Elas contam que a Aninha é a que mais viajou pelo Brasil e outros países, e que pilota sua moto, a Pretinha, com muita segurança. "Eu costumo andar a 130km/h na estrada. Na ultrapassagem, eu acelero um pouquinho mais. Você tem que saber muito bem o que está fazendo e pilotar sempre na defensiva, se preocupando com a segurança dos outros veículos. Graças a Deus nunca tive um acidente sério". Fiquei sabendo que ela venceu um câncer recentemente após uma cirurgia que a poderia ter tirado das estradas. Logo que se recuperou, Aninha celebrou essa vitória indo de moto do Rio de Janeiro, onde ela mora, até o Nordeste. Assim como a Luciana Careca, ela também é casada com um Abutre e respeita o fato deles não aceitarem mulheres como membros do clube. "Como dizem os jovens: cada um no seu quadrado. Nós mulheres temos o nosso jeito e eles têm o deles. A gente anda junto e eles ajudam a gente, mas cada um cuida do seu clube sem interferir no do outro". Sua paixão pelo motociclismo vai além das viagens. "Isso aqui é lindo. Tem gente que acha que o motociclista faz o tipo malvado, mas quantas pessoas fazem o trabalho filantrópico que nós fazemos? As Perpétuas e os Abutre's já ajudaram muita gente necessitada, muitas comunidades. Não é só uma pessoa em cima de uma moto, é muito mais do que isso."

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Marauder. Foto: Guilherme Santana/VICE

Na hierarquia dos Abutre's, a figura do Nômade é a mais prestigiada e sua autoridade fica abaixo apenas do presidente e dos diretores. Para conquistar esse título, o motociclista deve ter contribuído de alguma forma para o crescimento do motoclube, ocupando cargos administrativos e rodando o país para os diversos eventos dos Abutre's. Este é o caso do Marauder, um dos únicos nessa posição que topou conversar comigo. "Tenho 14 anos de Abutre's. Antes de me tornar um Nômade, fui diretor por 12 anos em diferentes instâncias e trabalhando 24h pelo clube". O último cargo ocupado por ele foi o de diretor nacional de disciplina, que consiste em monitorar o comportamento dos integrantes e se todos estão seguindo as regras. Quis saber quais são os princípios básicos da disciplina do motoclube. "Tudo aqui é baseado na união, no respeito e na hierarquia; isso jamais pode ser quebrado. Você não pode faltar nos encontros ou deixar de pegar as estradas com a gente. Se faltar, tem que justificar. Um Abutre não pode desrespeitar o outro, não pode mexer com a mulher alheia e o comportamento deve ser certo tanto dentro do clube quanto fora dele." A consequência para quem pisar na bola vai desde o rebaixamento na hierarquia até a expulsão do motoclube. E se tem algo que um Nômade faz, é viajar muito. "Esse ano foi fraco pra mim. Sai da minha casa em São Paulo e fui pra Maceió e voltei, fui até Montevidéu e voltei, fui até Florianópoles e voltei. Fui pro Rio de Janeiro, Goiás, Paraná, Pará. Tudo de moto. Eu podia ter rodado um pouquinho mais, só que não deu", lamentou o Marauder.

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Estes são alguns dos Nômades e integrantes mais antigos dos Abutre's. Fotos: Guilherme Santana/VICE

Quem começou toda essa história de Abutre's foi o Elson de Oliveira, que fundou o grupo com alguns amigos em 1989, na Vila Ré, em São Paulo. Ele é o presidente mundial do motoclube e ficou por um bom tempo sentado em uma mesa onde os outros motociclistas faziam fila para apertar sua mão e prestar saudações enquanto uns caras grandes ficavam atrás dele em silêncio - o que me fez lembrar da primeira cena de O Poderoso Chefão I, com o Don Vito Corleone recebendo seus súditos. Quando o motoclube sai em massa e enfileirado pelas estradas (eles chamam isso de "trem"), é sempre o Elson quem vai na frente, seguido pelos diretores, os Nômades e, respectivamente, as outras escalas da hierarquia.

Elson, o chefão. Foto: Guilherme Santana/VIC

Pedi para um dos caras que não desgrudavam do Elson se eu poderia conversar com o presidente, ele disse para eu aguardar. Foi lá falar com o chefe e me chamou, dizendo próximo ao meu ouvido: "Só não demora, ele ainda tem muitas pessoas pra receber hoje". O Elson me deu um forte aperto de mão e falou "bem-vindo ao nosso encontro". Sua voz é rouca, mas ele fala firme e com clareza. Além de um A.S.S.A no queixo, o 1% em sua testa significa que os Abutre's são um dos poucos que levam o motociclismo realmente a sério.

A motoca nervosa do Elson era a única que tinha o direito de estacionar no salão principal da chácara. Na lateral do tanque, está escrito: "Abutre's, te vejo no inferno". Foto: Guilherme Santana/VICE

Como eu tinha pouco tempo para conversar com o Elson, quis saber como ele começou a andar de moto. "Eu já nasci na estrada", disse, "mas comecei a dirigir minha própria moto com a idade que a lei permite, aos 18 anos. Então faz mais de quatro décadas que eu piloto. Conheci todos os estados do Brasil, e só não fui pra todas as cidades porque nem todas têm estrada, né?".

Ele diz que o Abutre's cresceu de maneira despretensiosa. "Éramos uma turma de amigos que levavam o motociclismo a sério. Com o tempo, fomos aprendendo como fazer um motoclube e criando nossa estrutura. Não imaginávamos que ia ficar do jeito que ficou, mas o Abutre nasceu pra voar, e quando ele quer voar, não dá pra segurar. Hoje estamos em todo o Brasil, em outros países da América Latina, na Europa e EUA. Aqui tem desde desempregado até juiz, delegado, médico, advogado e empresários de vários setores". Quando olhei pra trás, percebi que haviam outros motociclistas grandalhões querendo falar com o Elson. Meu tempo havia chegado ao fim. Antes de me despedir, perguntei quais foram as viagens mais longas que ele já tinha feito de moto. "Não interessa quais estradas você pegou. O que interessa é o motivo", encerrou o presidente, me dando mais um aperto de mão.

A banda. Foto: Guilherme Santana/VICE

Depois de trocar ideia com essa galera, me dei por satisfeito. Pra encerrar o rolê, uma banda entrou e tocou muito Led Zeppelin, Motörhead, Metallica, Raul Seixas. A maior parte do tempo a apresentação foi miada. A impressão que fiquei é: os Abutre's foram solícitos comigo, mas não sabem dançar.

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