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Os Jovens Refugiados Cegos da Guerra Civil de Angola Querem Ficar no Brasil

Os angolanos vieram para o país há 14 anos para estudar e ter acesso à saúde e agora correm o risco de ter voltar para seu país natal.

Todas as fotos são do Yuri Sardenberg.

Em 2001, com o fim próximo da guerra civil em Angola, que ocorria desde 1975 e já contabilizava 500 mil mortos, o governo angolano enviou 20 crianças que perderam a visão por conta do conflito armado para estudar no Brasil e ter oportunidades que sua terra natal não poderia oferecer. Agora, 14 anos depois, Angola quer que as onze crianças que restaram por retornem. Os jovens, quase formados no Ensino Superior, não querem voltar.

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O intercâmbio de 2001 ocorreu graças à colaboração da finada ONG Fundação Eduardo Santos (Feasa) e do Fundo Lwini . Chegando no país, os jovens tiveram acesso à educação especializada para necessidades especiais e também acesso à saúde.

Delfina.

"Primeiro eles ficaram um tempo em Juiz de Fora (MG). Segundo eles, lá sofreram muitos maus-tratos e até ficaram sem comer no asilo em que moravam. Isso continuou acontecendo até que alguém denunciou o tratamento que eles estavam recebendo. E, com isso, o Consulado de Angola trouxe uma parte para Curitiba e a outra parte partiu para Florianópolis," disse Leomar Marchesini, coordenadora do setor de inclusão da Universidade Uninter, que está dando apoio e divulgando a causa dos jovens.

Após serem realocados em Curitiba, os jovens passaram a viver na Instituto Paranaense de Cegos (ICP) até 2010, quando foram "desinstitucionalizados" e tiveram de morar em uma casa custeada pelo próprio consulado angolano, que ficou como responsável civil deles. "Foi também adquirido um visto-cortesia para eles que vence agora em abril. Um problema do visto é que esse não dá o direito de eles trabalharem aqui", explica Leomar.

Rui.

Todos os jovens já estão familiarizados com a vida brasileira, inclusive com português fluente e quase terminando as suas faculdades. Foi em novembro de 2014 que o consulado angolano anunciou que todos teriam de retornar para casa. Até o fechamento da reportagem não tivemos nenhuma resposta do Consulado de Angola, que respondeu preliminarmente afirmando apenas que o responsável pela imprensa está em uma viagem para Brasília.

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Prudêncio.

A negativa dos jovens em retornar vem também do fato de nenhum deles terminou seus cursos. Essa recusa, segundo Leomar, foi interpretada pelo consulado como uma desobediência. Em resposta todos os gastos dos jovens que eram custeados pelo consulado foram cortados, incluindo moradia e educação.

"A faculdade Uninter doou bolsas integrais de estudo para eles, o que já cobre a parte da educação. Entretanto, eles ainda estão passando muitas dificuldades, pois a casa que eles moravam não é paga pelo consulado há três meses. Agora eles receberam um aviso de despejo", explica.

Maurício.

Em frente às dificuldades, os jovens angolanos estão fazendo o que podem para se manter no país. "Estamos fazendo uma campanha de doações de cestas básicas e eles estão cantando em empresas com o coral deles chamado Cantores de Angola".

A Defensoria Pública da União entrou com um requerimento de permanência no Brasil para o Conselho Nacional de Imigração. Se esse visto for aprovado, todos poderão finalmente procurar empregos. Leomar confirmou nesta sexta (27) que será realizada uma reunião em Brasília no dia 11 de março para definir a situação dos jovens. Ainda segundo a coordenadora, um conselho formado por membros do Ministério da Justiça, do Trabalho e da Ação Social participará da reunião.

Jacob.

Não seria exagero dizer que as raízes dos jovens estão muito bem fincadas no Brasil, ainda mais porque muitos deles não possuem mais nenhum parente vivo em Angola. E os que ainda têm alguém, são aconselhados a não voltarem. "Não há nenhum tipo de estrutura, lei ou qualquer coisa que seja adaptada para as necessidades deles," enfatiza Leomar.

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Cuidando do caso dos jovens desde 2009, a coordenadora conta também que a postura do consulado perante a negativa dos jovens é intransigente. "Foi o próprio consulado que convenceu as famílias a deixaram seus filhos virem ao Brasil para estudar e ter acesso a tratamentos de saúde. Eles fizeram promessas e agora querem que eles abandonem tudo que construíram aqui para voltar para Angola."

Wilson.

Na página do Instagram que está divulgando a causa dos jovens cegos, há o depoimento de um dos estudantes, Wilson. Ele conta que "vir pro Brasil foi a melhor coisa que já me aconteceu, pois possibilitou-me uma chance de ser alguém na vida; se eu não tivesse vindo, talvez estivesse morto agora. Pretendo regressar ao meu país e colaborar no crescimento do mesmo, principalmente no que tange à área de inclusão e acessibilidade de pessoas com deficiência na sociedade. Quero terminar o meu curso de Psicologia e, só depois voltar pra Angola. Mas essa é uma decisão que deve caber só a mim, e a mais ninguém". O angolano perdeu a visão com quatro anos devido à explosão de uma granada.

Dentre a dezena de histórias, consta também a de Isabel, que veio para o Brasil com onze anos e está no último ano de Direito. E a de Prudêncio, que veio com 10 anos e agora está quase terminando o curso de Jornalismo.

Isabel.

Procurado, o Itamaraty confirmou o visto de cortesia concedido em 2 de abril de 2013 -que vencerá em 1º de abril de 2015- aos 16 estudantes angolanos que estavam sob responsabilidade civil da embaixada angolana. Segundo o órgão "caso não estejam mais sob tutela daquela Embaixada, o Itamaraty não poderá conceder aos estrangeiros novos vistos de cortesia (…) Uma vez que o visto de cortesia não pode ser transformado em outro tipo de visto, os estrangeiros deverão, conforme previsto na lei 6.815/1980, sair do Brasil para solicitar novo visto, caso desejem permanecer no país por período adicional ao de seu visto atual".

Emília.

Quanto à solicitação de permanência, o Itamaraty explica que "a solicitação de autorização de trabalho, por sua vez, deverá ser feita junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, órgão com competência para tratar da matéria, mas o visto de trabalho, conforme anteriormente assinalado, teria de ser obtido no exterior".

As imagens que ilustram esta reportagem são do fotógrafo carioca Yuri Sardenberg que, junto com sua mulher Ana (que, segundo Yuri, cresceu ao lado dos jovens) está envolvido na causa para divulgar a história desses jovens o máximo que pode. Para saber mais, visite o Tumblr e o Instagram deles.

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