Os Personagens de Mugen e o Fim da Civilização Ocidental

Em julho de 1999, a empresa Elecbyte, famosa por não ter feito mais nenhum outro programa, lançou um engine de jogo de luta chamado M.U.G.E.N, sigla que teve sua origem e significado originais perdidos nos anais da história digital. O jogo nunca foi terminado, mas, junto com essa versão pré-lançamento, eles fizeram um engine completamente customizável no qual os jogadores podem inventar seus próprios personagens, golpes e cenários, criando uma rica comunidade de conteúdo criado pelo usuário. O que resultou foi o esperado: um tsunami de referências pop e cultura nerd e otaku tomando o engine de assalto. É difícil dizer quantos personagens já foram criados desde a primeira versão do Mugen, mas é estimado que mais de mil bonequinhos tenham sido criados e compartilhados na rede mundial de computadores.

É memes o bastante pra você essa imagem?

Depois que os engines e ROMs de fliperama começaram a ter seus códigos quebrados, os sprites dos jogos de luta preferidos da garotada começaram a ser usados no Mugen, então aquele sonho infantil de ver o Scorpion lutar contra o Ryu finalmente foi possível. Uma das coisas feitas quase que imediatamente, claro, foi tirar a roupa das personagens femininas, mas não é isso que vamos ver aqui. Se tem alguma coisa que os adolescentes de hoje em dia parecem curtir mais do que mulher pelada é memes — eles amam um maldito meme e querem enfiar essas piadas coletivas em tudo o que existe e, infelizmente, o Mugen não foge dessa onda gostosa.

SIM, isto é uma tela de seleção de personagens do Mugen.

Em nome da minha sanidade, e da de quem porventura venha a ler esta matéria, não vou adentrar nos personagens diretamente pornográficos que os usuários fizeram. Existe uma imensa e assustadora comunidade hentai junto ao pessoal que faz os personagens para Mugen, mas vamos deixá-los quietos. Se você se interessar, aposto que não terá grandes dificuldades em encontrar mais monstros de tentáculos agarrando colegiais do que poderia querer. Agora, vamos nos debruçar sobre os personagens mais curiosos ou originais desse submundo dos jogos de luta, para o bem ou para o mal.

OK, esse é um bom lugar para começar a entender essa zona. Dink Smallwood infelizmente é um personagem que eu já conhecia de um RPG horroroso de 1997, um RPG de "humor" em que você controla um ex-criador de porcos que vira herói padrão em um mundo engraçadão. Junto com ele estão Dee Bee Kaw, Dooby Dummy e Franko, personagens sem absolutamente história alguma a não ser que foram criados por adolescentes que não sabem desenhar — o que até tem seu charme. Repare no estágio em que eles lutam, um típico desktop de moleque com emuladores e tudo o que tem direito. Esses exemplos mostram mais ou menos um quarto dos personagens de Mugen, que são basicamente exercícios de programação, design de personagens e animação para adolescentes com tempo livre demais. A grande maioria dos personagens, na verdade, é uma cópia direta ou uma alteração de personagens consagrados de jogos de luta, ou adaptados de outras mídias como animes, mangás e desenhos animados. Porém, às vezes, eles pegam um personagem já existente e dão uma extrapolada.

Rare Akuma

Essa versão zoeira do Akuma solta caveiras radioativas em vez de Hadoukens, lança pequenas cópias suas que saem desferindo golpes malucos, começa a luta deitadão fumando um banza, tem um especial que empurra uma bola gigante feita de outros lutadores (meio Katamari) para cima de seu adversário, outro que soterra seu oponente com a estrela da morte do Star Wars e fica dando porrada em cima dela, etc, etc, etc. Não dá pra negar que esses meninos têm senso de humor — se é engraçado, aí já é outra história.

Sim, nesse especial, a cara do Akuma aparece nessa Estátua da Liberdade pós-apocalíptica e ele simplesmente vence o round.

Stupid Little Drill Tank

OK, esse é, possivelmente, meu personagem preferido de qualquer jogo de luta agora. Ao escolher esse personagem, você é representado, mas não controla, o Dr. Robotnik da primeira fase do Sonic 2, em que ele controla um tanque com uma broca na frente. Seu único movimento é ficar indo de um lado para o outro da tela. O comportamento dessa versão, apelidada carinhosamente de Stupid Little Drill Tank, é exatamente o mesmo da fase do Sonic. Você nem controla o bicho, ele só fica andando de um lado para o outro da tela, e se encostar a broca no inimigo causa um dano fixo. Simples e maravilhoso.

Chaves

De lancheiras, cadernos, jogos de video games, óculos engraçados, desenhos animados, miojos, shampoos, fantasias de carnaval, histórias em quadrinhos a bandas de hardcore de palhaçadinha, algo é claro: o Chaves penetra todo o espectro da cultura pop brasileira, e não haveria de ser diferente com o Mugen.

Hi Voltage

Olha esse maluco que tirou fotos dele mesmo para fazer um personagem estilão Mortal Kombat. Se por algum acaso eu tivesse a vontade, a capacidade e a cara de pau de fazer um personagem de luta usando fotos minhas, eu faria um pouco diferente. Para começar, eu não usaria a mesma roupa que visto para comprar pão para fingir que sou um personagem fodão. Eu ia pelo menos inventar alguma fantasia invocada, um chapéu engraçado, um nariz de bruxa, sei lá, qualquer coisa, menos uma camiseta preta zoada e uma calça que vira bermuda.

Gurospooo

Aaaahhh, esse bicho aparentemente simpático logo antes de começar a luta COME um personagem de anime e vira um pimentão amarelo malvado? Certo. Recomendo assistir ao vídeo que contém mais carne humana sendo devorada, fetos gigantes de três cabeças, espíritos malignos japoneses e sei lá mais o quê, eu não sei o que está acontecendo aqui.

Derp x Dancing Banana (cenário Epic Sax Guy)

Essa é a personificação última de uma geração perdida, a versão virtual do boné memes, o avatar do adolescente pós-moderno que se desenvolve neste confuso começo de milênio. Os pensadores do futuro talvez olhem para esse símbolo e identifiquem claramente onde e porque a civilização ocidental começou a ruir por dentro. Este é seu novo deus e eis a coroa de seu reinado.

Siga o Pedro Moreira no Twitter.